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Plano Polêmico #50 | O Clubismo Opinativo dos Críticos de Críticos

"Por que você falou mal do meu brinquedo favorito? Seu feio, bobo, chato!"

por Luiz Santiago
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Um fenômeno derivado do pedantismo tem assolado a internet há anos. Toda vez que surge uma crítica negativa a respeito de uma obra com um clube organizado e muito apaixonado ou engajado nas temáticas criticadas, ouve-se o choro e o ranger de dentes dos descontentes que, em vez de dialogar com a opinião que classificam como “estúpida“, “injusta“, “desnecessária“, “leviana” ou qualquer outro adjetivo bobinho que os CRÍTICOS DE CRÍTICOS criam para “argumentar” contra quem discordam, passam a inventar coisas diante daquilo. É uma posição cômica, no que diz respeito à apreciação da arte, primeiro, porque é majoritariamente pedante e segundo, porque é quase a exposição de uma seita: “não mexa com aquilo que a gente gosta, senão vamos te taguear uns 100 adjetivos ruins, vamos te cancelar, vamos criar narrativas para tentar invalidar tua opinião… porque tu não falou bem do que a gente gosta. Nós não curtimos opiniões negativas!“.

Talvez o ponto de partida para esse tipo de comportamento diante de uma produção crítica para uma obra de arte seja o desconhecimento do que é, para quê serve ou qual é o papel social da crítica, seja ela cinematográfica, musical, teatral e por aí vai. Sim, é um princípio óbvio se a gente parar para pensar que, havendo a intenção de ‘criticar a crítica’ através de um viés objetivo (grifo para estas palavras, por motivos que deixarei claro mais adiante), torna-se obrigatório conhecer os mesmo caminhos objetivos utilizados pelo autor para validar o argumento. É como alguém que não sabe sequer fazer a divisão silábica da palavra arquitetura querer discutir objetivamente sobre Gaudí ou Niemeyer. É como alguém que ouviu falar a vida toda no nome Neymar achar que conhece a História do Futebol e tem argumentos para discutir sobre o papel social desse esporte ou sobre a onda política em torno das Copas do Mundo, por exemplo. Se você quer discutir objetivamente sobre alguma coisa, é sua OBRIGAÇÃO ter visto/lido/ouvido/conferido a obra em questão; e conhecer a linguagem sobre a qual você pretende discutir.

Mas há um outro lado. O viés subjetivo da questão. Por esse viés, você tem a liberdade de expor o seu pensamento geral, sem grandes preocupações ou ânsias de entrar em um debate contra uma opinião que você discorda (debate só se faz com pessoas que conhecem aquilo que estão debatendo, vamos lembrar). Já a exposição subjetiva é democrática e livre. É a tal da “minha opinião, apenas“. E a “sua opinião, apenas” pode ser de qualquer classificação, ir por qualquer caminho, falar de suas experiências, impressões, achismos e visões gerais a respeito de uma obra de arte. Ficará claro, no caso, que se trata apenas da sua experiência, gosto e impressão. Todavia, se alguém que entende a linguagem da arte discutida te apresentar um revés, justificando o motivo pelo qual esse estilo vai por “tal e tal caminho“, não pense que a sua experiência será o bastante para refutar ou invalidar tal opinião técnica. Uma conversa sobre impressões até pode surgir a partir daí, mas cabe ao ignorante ter a humildade de saber o tipo de opinião que tem (a do senso comum) e aquela diante da qual está se colocando. Desde que não se tente criar justificativas objetivas com base em groselhas nonsenses, a conversa pode ser ótima e ir longe.

O clubismo opinativo dos críticos de críticos tende a amar com violência as suas obras de arte, e uma visão negativa sobre elas faz com que tais pessoas passem a cobrar da crítica coisas como “julgar pela intenção“. Sim, como se fosse função do crítico avaliar a INTENÇÃO de um criador e não a obra final entregue. Outros exigem que se considere TODO O DURO TRABALHO REALIZADO, como se crítica de arte avaliasse os bastidores de produção de uma obra e não o seu resultado final, vendido ou exposto para o público. E há ainda aqueles que demandam que uma obra deve ser bem avaliada porque FALA DE UM TEMA IMPORTANTE, como se a avaliação de uma arte fosse exclusivamente uma métrica equilibrada de sua importância social no momento em que foi lançada. É um festival de balelas que cobra de um gênero literário (a crítica) algo que esse gênero nunca prometeu e nem deve dar. E para quem quer aprender sobre o que é esse gênero e o que ele promete, leia A Tarefa do Crítico e uma Breve História da Crítica de Cinema no Brasil, seguido da ótima problematização dessa profissão em Para Onde Vai a Crítica Cinematográfica?.

Críticos de críticos se esquecem de que críticas não são absolutas. Não existem em “versões definitivas”. E estão às centenas de milhares pelas várias mídias mundo afora. Ao cabo, esse descontentamento se torna a manifestação mimada e intransigente de quem fica enraivecido com uma análise e, por não saber dialogar com a diferença, sobe em um alto poleiro para falar coisas que não domina, exigindo absurdos que não conhece e comparando notas de outros críticos ou agregadores de notas como se isso fosse argumento ou tivesse alguma validade (sobre esse tema, leia o artigo Crítica Não é Aritmética da Estética!). Há até os que acham que críticos “não devem colocar sua opinião em seu texto” (eu não estou inventando, tem gente que realmente chega aqui nos comentários e LITERALMENTE escrevem isso) e que deveriam ser imparciais, não fazendo um “jogo político” diante do que escreve; o que eu nem classificaria como estupidez, mas problema cognitivo mesmo: alguém que, em pleno 2022, com acesso a meios de comunicação, achar que o gênero CRÍTICA é, já foi ou algum dia será imparcial, é coisa de quem estacionou a idade mental aos 7 anos (sobre esse tema, leia o artigo Não Existem Críticos Imparciais!).

Clubismo é algo curioso. Seja ele ideológico, emotivo, canônico ou de outra classificação, sempre haverá alguém que faz parte de um. Isso é normal. A gente ama algo, defende algo, especialmente no mundo das artes ligadas ao entretenimento, o que gera paixões estranhas em algumas pessoas. Não é um problema. Só existe problema quando o clubismo se torna uma exigência de análise engessada, que segrega ou quer destruir quem não elogia os objetos de amor do tal clube. E no meio dessa horda ainda será possível encontrar os pregadores de que só grupos iguais aos retratados nas obras é quem deveriam criticá-las. Me pergunto como fazer em filmes que falam de extraterrestres, elfos ou sobre homens da pré-História. Clubismo opinativo é aquele tipo de organização que precisa ser mimada o tempo todo. E quando não é, fará de tudo para retirar do articulista que “ousou falar mal do brinquedinho favorito do clube” a sua legitimidade. Os apelidos são muitos e as narrativas, idem. É divertido até certo ponto, depois começa a ficar chato e a gente só consegue mesmo seguir na chacota. É o mínimo que podemos fazer.

O último estágio desses críticos de críticos é inventar censura e intolerância onde não existe nenhuma das duas coisas. Essas pessoas se acham no direito de falar tudo o que aparece em suas mentes, mas detestam quando alguém responde a elas no tom que merecem ser respondidas. E o que fazem, quando isso acontece? Ah, vocês já sabem, porque é clichê demais esse comportamento! Elas escrevem assim: “vocês não aceitam opiniões diferentes!” ou “vocês não aceitam críticas!“. Pode prestar atenção. É sempre a mesma coisa. A pessoa realmente acha que vai chegar em algum lugar, falar qualquer absurdo, e não vai receber a resposta que merece! Como não tem argumento (porque se você tem o direito de criticar a crítica do crítico; o crítico também tem o direito de criticar a crítica que criticou o crítico), o clubista mimado pensa que, inventando que o outro “não aceita opinião diferente“, conseguirá alguma coisa. E não, nunca consegue, porque isso não cola. O mais divertido é que esse povo está tão cego quando inventa essas coisas, que se esquece que os comentários são públicos, estão ali para todo mundo ver. Chega a ser “cringe“, para utilizar o vocábulo xófen de nossos tempos.

Hoje, todo mundo quer ser especialista em tudo. Guerra da Ucrânia? Analistas de política internacional saem aos milhares dos becos. Crítica de cinema? Notáveis articulistas que incorporam escritores do gênero desde a época de Louis Delluc surgem como formigas. Leis de incentivo à cultura? O que não faltam são os sábios do funcionalismo público e da captação de recursos. Na prática, é muita gente que acha que suas impressões sobre a realidade são o bastante para argumentar de maneira rica, sólida, intensa ou em oposição a alguém que estudou, estuda e realmente sabe do que está falando. Parte de uma crítica também é opinião. Mas diferente da enormidade dos meus “queridos diários” que a gente tem por aí, a crítica sustenta essas opiniões em colunas de linguagem e sintaxe da arte que analisa. Falar, todo mundo pode, se quiser. Debater ou estruturar um argumento objetivo e especialmente combativo sobre algo… é para poucos. “E que poucos são esses?“, perguntam os clubistas já preparados para taxar o presente artigo de “elitista“. Simples: os poucos que, antes de tentar debater alguma coisa, procuram conhecer o seu objeto de debate. Simples, não é?

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