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Crítica | Bates Motel – 1ª Temporada

por Luiz Santiago
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Anthony Cipriano não é um iniciante na televisão, mas Bates Motel é a sua primeira realização de destaque. Na carreira do roteirista e produtor há apenas o notável texto de Twelve and Holding (2005), filme dirigido por Michael Cuesta, e para por aí. Talvez seja esse motivo pelo qual ele tenha permitido certas liberdades inúteis em sua série, uma criação instigante e inteligente que pecou muitíssimo ao ceder aos caprichos de um apelo ao público jovem, deixando contradições cênicas do tipo “figurinos e cenários dos anos 60” + “iPod and stuff”.

Bates Motel estreou no canal A&E como uma grande promessa da temporada, e das novas séries do ano, foi uma das que mais chamou a atenção do público, até porque, toca em um vespeiro que já a décadas vem conquistando fãs e chamando a atenção de novos cinéfilos, o clássico Psicose (1960), de Alfred Hitchcock, do qual a série é um prequel.

Acredito que depois de Édipo ReiPsicose seja a história mais conhecida do público em relação a um trágico Complexo de Édipo, que por si só já aponta para uma polêmica milenar, com ecos em tudo quanto é literatura e ciências da mente e das relações familiares mais diversas. Todavia, quando a relação do filho com a mãe não só traz um forte caráter incestuoso (ou de “estranha proximidade entre ambos”) mas também o assassinato e um distúrbio mental ou familiar qualquer, a situação ganha ainda mais força, e na arte, pode render excelentes representações.

Essa primeira temporada de Bates Motel conseguiu trazer elementos necessários para conquistar o espectador mais chato em relação a todos esses ingredientes dramáticos e psicológicos citados acima, mas ao mesmo tempo acumulou pecados narrativos desnecessários e descompassos de continuidade, como as subtramas simplesmente “abandonadas”: o ofício de taxidermista de Norman; o “desaparecimento” do namorado de Bradley Martin, que volta em Midnight numa participação patética; o enorme ponto de interrogação em relação a Dylan, não como cliffhanger eficiente, mas como falta de desenvolvimento de seu “atual estado” com o trabalho; e por fim, a exposição irregular da Professora Watson, que ganha importância (a enigmática “B”) no Finale da série, mas que esteve fora de cena – ou escanteada – a maior parte do tempo.

Mas mesmo com essa onda de furos acumulados ao longo de 10 episódios, Bates Motel conseguiu se sair bem no final, um daqueles casos interessantes em que a quantidade de acertos superam a quantidade de erros.

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A temporada foi centrada em duas principais linhas dramáticas:

a) Apresentação e adaptação dos Bates à nova cidade. Essa linha trouxe consigo uma exploração dramática e psicológica dos personagens e sua interação com a macabra cidade. Aqui também podemos acrescentar a proximidade de personagens secundárias e o que elas fazem vir à tona nos protagonistas. Dentre essas destacamos Keith Summers, Zack Shelby, Bradley e Emma.

b) O desenvolvimento psicológico de Norma e Norman Bates. Nessa linha, percebemos que os roteiristas tentaram relativizar a psicologia de Norma. Por um lado, vemos que ela age como uma controladora do filho, mas em outros episódios percebemos que ela é uma espécie de vítima perpétua, cujas atitudes são reflexos de defesa ou exageros em relação a tudo o que passou. No outro extremo temos Norman, que não é nem um pouco relativizado – e nem poderia. O trabalho com a composição do personagem é incrível, trazendo uma constante entrada do garoto em sua psicose, até o seu ato mais importante da temporada (levando em consideração sua condição): o assassinado da Professora Watson (ou “B”).

Em uma realidade de constante decadência interna e externa às personagens (a estrada que tirará os visitantes do Hotel, os terríveis assassinatos na cidade, o caso das escravas sexuais e o agravamento da doença de Norman), a temporada serviu como apresentação básica para um futuro cada vez mais sombrio para todos. Embora alguns elementos tenham ficado em suspensão, como citado anteriormente, o resultado final é de uma interessante abertura de ventos.

O elenco conta com bons atores, mas o verdadeiro destaque vai para o duo principal. Vera Farmiga encarna uma Norma Bates bipolar, com explosões de raiva e momentos de delicadeza impressionantes, uma atuação difícil, porque em nenhum momento deixa de mostrar uma mulher angustiada com alguma coisa ou perturbada por seus próprios demônios.

Mas é Freddie Highmore quem brilha com fulgor total em seu Norman Bates. O jovem ator conseguiu compor a crescente transformação psicológica do personagem, um trabalho admirável para um ator de 21 anos. Seus poucos momentos de raiva conseguiram ser tão potentes e tão bem interpretados que convence o espectador de que ali estava uma “outra pessoa”. Mas existem outros fatores a serem notados na preparação de Highmore para seu personagem: a delicadeza na fala, a postura ao andar, o enigmático sorriso e o olhar vago, que muitas vezes, encontra um polo oposto com gritos de raiva, choro ou declarações de subserviência à mãe. É bastante raro ver um ator jovem apresentar um trabalho desse nível em uma série de TV. Uma atuação digna de premiação.

Por fim, nos resta dizer que a arte e fotografia da série são maravilhosas, especialmente na criação de cenários internos e cenas noturas (sempre superiores em qualidade técnica). Os figurinos também ganharam uma atenção toda especial, especialmente no caso dos Bates: Norma altera constantemente suas roupas, indo da mulher sexy ou mulher de negócios à mãe ou trabalhadora de um hotel. Norman, por sua vez, aparece com um guarda-roupa mais vintage (com tons neutros ou escuros) e com sua bolsa atravessada no peito. Outro destaque do setor de figurino é a representação de Dylan como evidente oposto ao irmão. É como se fossem de décadas diferentes.

Bates Motel não teve uma primeira temporada excelente, mas pode ser tranquilamente classificada como muito boa. O cliffhanger para o próximo ano não chegou a ser explosivo mas foi bastante eficiente, mostrando algo que levanta curiosidades intrigantes: qual é o papel de “B” na série; o que será de Norman depois dessa sua “primeira mulher” e o que a azarada vida de Norma Bates lhe trará daqui para frente? Sabemos que seu futuro é tétrico, mas não sabemos como ela chega até esse ponto. É o que esperamos ver.

Ah, Norman, Norman, você tem sérios problemas, rapaz…

Bates Motel – 1ª Temporada (EUA, 2013)
Criadores: Anthony Cipriano, Carlton Cuse, Kerry Ehrin
Elenco principal: Vera Farmiga, Freddie Highmore, Max Thieriot, Olivia Cooke, Nestor Carbonell
Duração: 45 minutos (cada episódio)

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