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Crítica | Breaking Bad – 1ª Temporada

por Ritter Fan
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Apesar de Mad Men ter estreado antes, foi Breaking Bad que realmente colocou a AMC no mapa das grandes produtoras de televisão em uma era que ainda não contava com a hegemonia do streaming. E, assim como um número reduzido e muito especial de séries da longeva Era de Ouro da televisão, a história do pai de família com câncer terminal que resolve bandear-se para o crime para não deixar seus entes queridos na penúria, aninhou-se de maneira definitiva no panteão das mais marcantes já feitas.

Originalmente imaginada para ter nove episódios, Breaking Bad já começou sofrendo pela greve dos roteiristas na época, tendo sua encomenda reduzida para apenas sete, o que obrigou Vince Gilligan a tomar alguns atalhos narrativos aqui e ali, mas que salvou da morte prematura pelo menos um personagem muito importante (Jesse ou Hank seria ceifado ao final da temporada). Gilligan, que firmou-se no meio televisivo com sua crescente participação em Arquivo X – de consultor criativo chegou até a co-produtor executivo da série principal e criador e produtor executivo do spin-off The Lone Gunmen -, desafiou-se com a auto-imposta premissa de uma série em que o protagonista tornava-se o antagonista, algo muito raro no audiovisual e que carrega evidentes riscos embutidos. Construindo a narrativa quase que como uma atmosfera de faroeste moderno dando a roupagem para uma narrativa de gângster, o showrunner, logo em sua encurtada primeira temporada, estabeleceu muito fortemente as bases de seu épico de 62 episódios ao longo de cinco temporadas.

A escalação de dois atores até experiente em papeis para a televisão, mas que permaneciam na obscuridade, foi o primeiro grande acerto de Gilligan para além da premissa simples, mas genial. Ninguém, à época, sabia o que esperar de Bryan Cranston e de Aaron Paul, respectivamente Walter White, o professor de química de meia-idade que é diagnosticado com câncer no pulmão em estágio 3 e Jesse Pinkman, consumidor e traficante local de drogas que fora aluno de Walt, e esse jogo de expectativas faz muito bem à temporada inaugural. Afinal, é impossível não compadecer-se com o dilema de Walter White, com esposa grávida e um filho adolescente com paralisia cerebral e que se vê diante da morte sem capacidade de deixar sua família com dinheiro suficiente para ter uma vida decente. Seu encontro fortuito com Jesse leva a um plano arriscado e desesperado: Walt usaria sua habilidade em química para cozinhar cristais de metanfetamina da mais alta qualidade que o jovem venderia, com os dois dividindo o lucro. Muito do que vemos na tela, não tenham dúvida, foi trazido por essa dupla de atores criando e desenvolvendo seus personagens a partir da direção de Gilligan, em uma temporada que, apesar de curta, realmente transforma os dois.

O segundo grande acerto de Gilligan foi fazer uma temporada que não se contentava em apenas contar uma história muito interessante. Disso, a televisão estava e está cheia. Ele precisava de algo mais e esse algo mais foi a qualidade da fotografia, em um trabalho que, já na primeira temporada, demonstrou um apuro técnico kubrickiano, daqueles de realmente encantar sem que fossem necessários levar em consideração outros elementos. Para começar, a filmagem digital ficou apenas em segundo plano, com Gilligan privilegiando o celuloide e o uso de câmeras com filme de 35 mm, uma raridade já na época (eles tentaram emplacar o CinemaScope, mas a Sonye a AMC não compraram a ideia). Com isso, contraste, granulação e as tomadas em plano geral de tirar o fôlego ganharam o palco, elevando o custo de produção, mas retirando Breaking Bad do lugar-comum (havia até um receio da semelhança narrativa com Weeds, mas que não procede para além do básico). Além disso, a seleção e emprego da paleta de cores fazem da direção de fotografia de John Toll no episódio piloto algo parecido com uma tempestade perfeita que abriu espaço para que Reynaldo Villalobos, nos seis episódios seguintes, trabalhasse o ambiente desértico das filmagens em locação em Alburquerque, Novo México (escolhido unicamente por razões fiscais – quem diria que o Leão resultaria em algo tão bom!) como mais um importante personagem da história sendo contada. A mensagem é clara: vemos, na ambientação, a desesperança de Walter White, sua desolação diante de uma situação impossível cuja única saída parece ser o mergulho no crime.

Finalmente, o terceiro tiro na mosca da produção foi contar uma história que ia além da relação entre Walt e Jesse e o que a virada deles para o crime sério reflete nos demais. São pequenos detalhes como, por exemplo, a forma como a narrativa encara um casamento de longa data, sem firulas, colocando a crueza do dia-a-dia, do tédio do cotidiano para ser mais preciso, em primeiro plano. Anna Gunn, que já havia se provado em Deadwood, vive Skyler, a esposa grávida de Walt, como uma mulher firme em sua posição moral, algo que é trabalhado com a descoberta da cleptomania de Marie Schrader (Betsy Brandt), irmã de Skyler. Hank Schrader (Dean Norris), por seu turno, é razoavelmente recortado em cartolina aqui nessa primeira temporada, como o arquétipo do agente do D.E.A. que existe primordialmente para criar a conexão entre Walt e Jesse e, claro, para servir de contraponto à empreitada criminosa dos dois. É também alvissareiro notar que RJ Mitte, que vive Walter White Jr. e que, assim como seu personagem, tem paralisia cerebral, não fica apenas em segundo plano, com sua presença adicionando ao drama de Walt e sendo muito bem costurada à narrativa.

Mas é claro que o destaque fica mesmo para o empreendimento criminoso de Walt e Jesse que cozinham metanfetamina da mais alta qualidade primeiro em um trailer no meio do deserto – em uma das sequências mais inesquecíveis da TV – e, depois, no porão da casa de Jesse, casa essa assombrada por tudo o que acontece lá ao longo da temporada, inclusive e especialmente uma lição importante sobre ácido fluorídrico e banheiras de porcelana… E é também aqui que os atalhos que Gilligan toma para converter sua temporada de nove episódios em sete ficam mais evidentes. Talvez rapidamente demais, Walt trafegue de um humilde professor diagnosticado com câncer que se preocupa com sua família para alguém capaz de enfrentar, cara-a-cara e com direito a explosivo, o maior traficante local, Tuco Salamanca (Raymond Cruz). Por um lado, é sensacional ver como os roteiros retiram as opções de Walt e demonstram principalmente sexualmente, seu prazer em caminhar no lado sombrio da Força. Por outro, chega a ser um tantinho conveniente que seus embates sempre deem certo, por mais improváveis que eles sejam, aumentando o sarrafo da suspensão da descrença (em especial no apressado roubo de metilamina), mas, não tenham dúvida, sem nem de longe desmerecer a temporada. Afinal, Gilligan faz o melhor que era possível diante das circunstâncias e, mais ainda, Bryan Cranston – que, pelo menos no meu livro, nunca mostrou-se um grande ator fora de Breaking Bad – faz o impossível em tornar crível duas facetas completamente opostas de um mesmo personagem. Acreditamos no inseguro e doente Walter White da mesma forma que acreditamos no confiante e violento Heisenberg e é isso que, no final das contas, realmente importa.

Breaking Bad era uma série improvável que transformou-se em um fenômeno cultural. Sua 1ª temporada já tem todos os contornos que justificam essa adoração e revelam Vince Gilligan em toda sua glória extremamente detalhista que foi capaz de ir além de apenas contar uma história, preocupando-se com cada elemento formativo dessa sua arriscada narrativa que, como poucas obras antes, perverte o conceito de protagonista e esmaga todas as expectativas que possamos ter sobre o que é uma série de TV.

  • A crítica original, escrita em 2010, foi completamente dissolvida em ácido para dar lugar a essa aqui, novinha em folha e (espero) pura como os cristais de WW.

Breaking Bad – 1ª Temporada (EUA, de 20 de janeiro a 09 de março de 2008)
Criação e showrunner: Vince Gilligan
Direção: Vince Gilligan, Adam Bernstein, Jim McKay, Tricia Brock, Bronwen Hughes, Tim Hunter
Roteiro: Vince Gilligan, Patty Lin, George Mastras, Peter Gould
Elenco: Bryan Cranston, Anna Gunn, Aaron Paul, Dean Norris, Betsy Brandt, RJ Mitte, Steven Michael Quezada, Carmen Serano, Maximino Arciniega, Charles Baker, Raymond Cruz, Jessica Hecht, Tess Harper, Matt L. Jones, Rodney Rush, Marius Stan
Duração: 345 min. (sete episódios)

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