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Crítica | Família Soprano – Série Completa

por Ritter Fan
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  • Crítica originalmente publicada em 2010.

Eu e minha esposa dedicamos 2010 para reassistir Família Soprano do começo ao fim, aproveitando que ela havia me presenteado, no Natal do ano anterior, com a coleção completa em DVD. Havíamos acompanhado a série quando ela foi lançada, uma temporada por vez, sempre em DVD alugado ou emprestado, mas sem um compromisso solene de seguir tudo religiosamente. Decidimos corrigir o erro e nos programamos, então para vermos tudo em intervalos razoavelmente idênticos, como se estivéssemos acompanhando semanalmente pela TV, ainda que não tão exatamente assim, levando de janeiro a dezembro do ano para a empreitada de seis temporadas, do começo ao fim.

Para aqueles que consideram Lost uma série revolucionária, com roteiro brilhante, algo nunca tentado antes na TV, façam um favor a vocês mesmos e assistam Família Soprano. Achar Lost uma série revolucionária, como muitos preconizam, significa uma das quatro hipóteses: (1) Lost foi a única série que você assistiu; (2) você gosta de roteiros completamente sem sentido, seja direto, indireto ou metafórico; (3) você se deslumbra facilmente ou (4) você gosta de ursos polares em ilhas tropicais.

E não é que Família Soprano seja uma série sem falhas. Muito ao contrário. Tenho sérios problemas com ela, como deixarei claro mais adiante. Acontece que, no contexto em que foi ao ar, em pleno ano de 1999, em que séries dramáticas eram raras e as que existiam passavam longe do conceito de “qualidade”, ela foi – essa sim – uma verdadeira revolução.

Roteiros inteligentes. Atuações brilhantes e inesquecíveis. Direção segura e fazedora de escola. É assim que Família Soprano pode ser resumida.

Tony Soprano (o excelente James Gandolfini) é o chefe de uma família mafiosa de New Jersey. Ele é casado com Carmela Soprano (a também excelente Edie Falco) e tem um casal de filhos: Meadow Soprano (Jamie-Lyn Sigler) e A. J. Soprano (Robert Iler). Tony tem uma típica vida suburbana americana: uma linda casa com piscina, carros e tem que lidar com a vida doméstica como cada um de nós. Ele todo dia de manhã sai de roupão para pegar o jornal no portão de sua casa, tem o hábito de tomar café da manhã na cozinha estilo “americano” que tem e costuma adorar os patos que adotaram sua piscina como lago particular.

Tony até mesmo tem problemas pessoais como qualquer pessoa normal: ele sofre de ataques de pânico, o que o faz ser paciente da bela psiquiatra Dra. Jennifer Melfi (Lorraine Bracco). Essa relação hesitante entre paciente e médico é que dá o impulso para toda a série e é um motivo recorrente em todas as seis temporadas. Na sua concepção mais básica, essa relação é complicada pois Tony é um chefe da máfia e os italianos mafiosos, em princípio, não “acreditam” em psiquiatras. É um motivo de humilhação Tony ter que ver um e admitir que tem problemas de pânico que, em última análise, são problemas mentais.

O Poderoso Chefão é, costumeiramente, a imagem que temos da máfia: gente sisuda, com muito dinheiro, que se veste bem e segue um código de honra impecável. Don Corleone, o chefão, sempre sabe o que fazer e nunca hesita em dar ordens sempre dentro de padrões estabelecidos há centenas de anos no sual da Itália. E, de fato, a famosa trilogia de Coppola é um marco no cinema e também funciona como referência jocosa em Família Soprano. E o interessante – até chocante – é a comparação entre a imagem que temos dos mafiosos em O Poderoso Chefão e em Família Soprano.

O sofisticado é trocado pelo mundano. O rico é trocado pela classe média, talvez classe média alta em alguns casos. Os belos ternos são trocados por camisetas ou roupas com um “quê” de bregas. Mesmo a violência tão evidente em O Poderoso Chefão e outros filmes de máfia clássicos é trocada por algo mais real, mais próximo de nós, do dia-a-dia. O inimigo nem sempre é uma facção comandada por outro chefão. Apesar dessa situação existir na série, os problemas que mais afligem Tony estão dentro de seus dois seios familiares: sua mulher e filhos de um lado e seu companheiro de máfia de outro. Isso sem contar, claro, com o inimigo dentro da própria mente de Tony, que nos é exposto por seus ataques de pânico.

Em sua família imediata vemos Carmela sempre exigindo segurança financeira de Tony e um mínimo de respeito quando Tony trai a santidade do casamento, algo que ela sabe ser inevitável. Temos A. J. como um garoto rebelde que não vai bem na escola. Meadow é a menina quase perfeita: bonita e estudiosa, ao mesmo tempo que é geniosa.

Ainda na família de sangue, Tony tem que lidar com sua mãe manipuladora e dominadora Livia (a incrível Nancy Marchand que, infelizmente, faleceu durante a série) e seu tio Junior (Dominic Chianese). Junior e Livia, no começo da série, se unem contra o próprio Tony, deixando muito claro que seus maiores problemas  vêm de dentro do seio familiar. Livia Soprano é figura central mesmo depois que deixa a série prematuramente pois a figura da mãe influencia fortemente Tony de todas as maneiras possíveis, sendo esse um assunto constantemente discutido nas sessões de terapia de Tony com a Dra. Melfi.

Há, também, a irmã encostada de Tony, Janice (Aida Turturro) que só quer sugar as pessoas ao seu redor, sem nada dar em troca. Sua maior relevância na série acabou acontecendo com o falecimento de Nancy Marchand, pois a trama precisava de uma figura que lembrasse a mãe de Tony e ela passou a fazer as vezes dessa figura.

Fora da família de sangue – ou quase fora – temos Christopher Moltisanti (Michael Imperioli) um rapaz que Tony coloca sob suas asas para que ele seja seu verdadeiro sucessor. Mas Christopher tem seu muitos problemas, como alcoolismo, drogas e uma certa tendência à atos impulsivos de extrema violência. O segundo em comando na família mafiosa de Tony e seu consigliere é Silvio Dante (Steve Van Zandt – guitarrista da banda de Bruce Springsteen). Paulie Gualtieri (Tony Sirico) um dos “coletores” de Tony e antigo amigo de seu pai, também tem grande relevância na série.

Há, ainda, um sem fim de outros personagens, em sua maioria muito bem escritos e desenvolvidos, especialmente o sub-chefe e depois chefe da máfia de Nova Iorque, Johnny “Sack” (Vincent Curatola), o “enfermeiro” de Junior Soprano, Bobby “Bacala” (Steve Schirripa) e o chef do restaurante Vesuvio, onde Tony come quase todas as noites sem pagar, Artie Bucco (John Ventimiglia).

E isso sem contar com os convidados especiais que floreiam a série. Talvez os de maior destaque sejam o sempre sensacional Steve Buscemi (no papel de Tony Blundetto), o diretor Sydney Pollack (no papel de Warren Feldman), Joe Pantoliano (no papel do irritante Ralph Cifaretto) e Robert Loggia (no papel de Feech La Manna). Até mesmo Sir Ben Kingsley e Lauren Bacall aparecem fazendo eles mesmos, em uma dupla de episódios envolvendo Christ Moltisanti em Hollywood.

Como se pode notar, Família Soprano é uma série essencial para quem gosta de televisão. No entanto, como já disse, ela não é sem defeitos. O mais recorrente deles é uma espécie de deficiência crônica ainda no nascedouro da série: apesar da quantidade enorme de personagens, todos são tão bem trabalhados que ficou difícil para os produtores e roteiristas matarem alguns deles. Assim, por mais de uma vez (bem mais) personagens externos à trama principal são introduzidos ao mundo de Tony Soprano quase que sem maiores explicações somente para cumprirem funções específicas e, depois, desaparecerem. Entendo o uso desse artifício uma vez aqui e ali, mas isso acontece com enorme frequência, ao ponto de, em determinado momento, ficar claro imediatamente que “ah, se esse cara entrou agora na série, quer dizer que vai morrer”.

Não é que os roteiristas se furtem de levar consequências drásticas ao seio da família de Tony. Personagens bem firmados na mitologia Soprano são liquidados sem dó, mas tudo acontece mais para o final, quando é necessário caminhar para o encerramento da série. Até a quinta temporada, a introdução de gente nova chega a ser irritante, ainda que alguns personagens sejam inesquecíveis.

Outro ponto fraco da série fica muito focado na sexta temporada. Lá, vemos não só a introdução de vício em jogo que Tony simplesmente nunca teve em momento algum da série (sim, ele joga, mas não é nem de perto um viciado e demonstra não gostar de viciados). É um típico momento “como assim?” aleatório. Nessa mesma temporada, há um grande arco envolvendo um personagem mafioso que é homossexual e sua luta entre sair do armário ou ficar lá dentro. Gostei muito do arco mas, olhando a série como um todo, ele ficou um tanto deslocado por focar em personagem secundário por tempo demais.

O terceiro problema da série não é exatamente um problema, mas eu já vi muita gente reclamando disso: as temporadas vem e vão sem um verdadeiro clímax. De fato, isso é verdade, com uma ou outra exceção. Acontece que o clímax que as pessoas querem é uma espécie de “assassinato de Sonny Corleone” ou algo teatral e impactante dessa natureza. No entanto, Família Soprano nos conta a história de mafiosos parecidos com todos nós. Mortes e acontecimentos “cinematográficos” passam longe dessa série. Não comecem a ver Sopranos achando que encontrarão uma obra baseada em O Poderoso Chefão. É uma série dramática sobre uma família disfuncional que, por acaso, está situada no mundo da máfia.

E o final? Muita gente reclama do final da série, achando que a sexta temporada foi esticada demais (ela tem 21 episódios enquanto todas as outras temporadas têm 13). De fato, 21 episódios foi um número excessivo. Mas o episódio final, que encerra a temporada, é brilhante. Sensacionalmente brilhante. Ele não só mantém o ritmo de tudo que o precedeu como permite que nós, espectadores, terminemos a série da maneira que acharmos melhor. Pode ter frustrado alguns, mas foi um final irretocável e corajoso. Confesso, porém, que a série poderia ter acabado facilmente no final da quinta temporada.

Família Soprano (The Sopranos, EUA, 1999-2007)
Criador: David Chase
Direção: Vários
Roteiro: Vários
Elenco: James Gandolfini, Edie Falco, Lorraine Bracco, Michael Imperioli, Dominic Chianese, Tony Sirico, Steve Van Zandt, Jamie-Lynn Sigler,  Robert Iler, Aida Turturro, Vincent Curatola, Drea de Matteo, Steve Schirripa, John Ventimiglia, Steve Buscemi, Sydney Pollack, Joe Pantoliano, Robert Loggia, Ben Kingsley e Lauren Bacall
Duração: 3870 min.

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