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Crítica | A Obscena Senhora D no Teatro Ecum (2013)

por Luiz Santiago
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estrelas 4,5

Neste ano de 2013, São Paulo ganhou mais um espaço cultural. Trata-se do Centro Internacional de Teatro Ecum (CIT-Ecum), uma instituição que já existia em Belo Horizonte e que agora aporta na antiga terra da garoa. Ocupando o local onde era antes o Teatro Coletivo (lembro-me de ter visto um bocado de peças lá na adolescência, mas acredito que antes do Ecum, o local já não estava mais ativo), localizado na Rua da Consolação, em São Paulo. A reforma fez bem ao prédio e trouxe vida e luz à região, que precisava mesmo de um local assim.

A Obscena Senhora D, uma das peças da notável programação do CIT-Ecum é o objeto do nosso texto. Escrita como uma narrativa reflexiva por Hilda Hilst em 1982, Senhora D ganha uma esplêndida concepção de Suzan Damasceno, que carrega o rico e pesado texto por uma hora de espetáculo num monólogo que vai fazer muita gente sair da sala com o queixo caído. Tendo apenas o essencial minimalista como cenário, iluminação simples – mas precisa -, e ausência de trilha sonora, a peça tinha todos os motivos para chatear o espectador, principalmente porque não é muito comum encontrar tão pouca coisa no palco, tão pouca gente e uma tarefa tão grande quanto essa de dar vida a um texto da fase “à deriva” de Hilst.

Mas não precisa de muito tempo para o espectador perceber que está diante de algo especial. Em poucos minutos temos conhecimento da perturbada vida de Hille, a Senhora D, apelidada assim pelo falecido marido, Ehud. Seus peixes de papelão, seu riso histérico, sua busca por uma questão divina e profana ao mesmo tempo contamina o público sem nenhum esforço, e daí já se vê a capacidade da atriz em dar vitalidade a uma personagem tão complexa, e no decorrer do espetáculo, trazer à tona ainda outras, a vizinha, o padre, o pai…

A oposição curiosíssima entre o grotesco/profano e o discurso quase teológico de outros momentos é praticamente a linha que costura todo esse exercício de questionamento. Entre dezenas de tons de voz, elevação e diminuição de volume, corpo e intensidade, além de expressões, risadas e toques, Suzan Damasceno incorpora Hille/Senhora D com vitalidade visceral. É impossível não se sentir tocado pelo grito de angústia da personagem, ou se emocionar com o desfecho de sua vida, sua reflexão afetada pela memória de um passado quase colorido – em oposição a um presente excludente e sem cor alguma – leva-nos a uma incômoda reflexão pessoal.

O mais interessante é que o espetáculo é uma espécie de laboratório experimental, mas toda a experiência se dá em uma só pessoa, que se transfigura e refigura em pessoas diferentes, em alguém inconformada com a figura do menino-porco, em alguém que questiona os tempos de SER, que enfim assumirá uma forma animalesca, talvez como uma possibilidade de melhor compreensão desse Porco-Menino Construtor do Mundo. A casa, o refúgio angustiante e quase uterino da Senhora D torna-se a Casa da Porca.

desde sempre a alma em vaziez, buscava nomes, tateava vincos, acariciava dobras, quem sabe se nos frisos, nos fios, nas torçuras, no fundo das calças nos nós, nos visíveis cotidianos, no ínfimo absurdo, nos mínimos, um dia a luz, o entender de nós todos o destino, um dia vou compreender, Ehud compreender o quê? isso de vida e morte, esses porquês

Hilda Hilst

A agonia é o ingrediente principal da encenação de Damasceno, que regula bem o seu uso, não derramando sobre o público uma leitura de ápices do começo ao fim, mas pontuando sabiamente onde explodir de dor, felicidade e raiva.

A Obscena Senhora D é uma daquelas apresentações que você agradece aos deuses por estar na plateia. A simplicidade do cenário engana àqueles que esperam uma boa primeira impressão para se animar com o que vem pela frente. Assim como o texto de Hilda Hilst, a alma do negócio está oculta e deve ser trazida à luz por um exercício de observação e crítica, elementos que tiram o espectador de sua passividade de coloca-o, mesmo que figuradamente, como coadjuvante da trama, afinal de contas, quem nunca esteve preso a uma condenação interna/externa procurando uma direção qualquer e sem ouvir uma única resposta pelo meio do caminho?

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