Como sátira de um subgênero (o suspense criminal investigativo), Os Sete Suspeitos atinge o completo sucesso quanto ao foco de seu objeto referenciado: o assassinato e a busca pelo respectivo responsável. Este aspecto é retratado, multiplicado e subvertido da maneira mais expressiva possível aqui. É algo gritado a todo momento, que vem e volta sem parar, de maneira completamente ligeira. Toda essa ênfase e velocidade constroem o caminho para a autoconsciência do longa; o que, ligado ao forte caráter de farsa, faz dele um pouco mais do que uma simples paródia: é como se fosse quase um laboratório de seu subgênero.
A sensação é que os personagens e o cenário são um microcosmo manipulado e observado por algo acima dele. Tudo parece, no final das contas, um experimento — e é daí que floresce o alto nível de autoconsciência do filme. Tal fator presente nele possui uma motivação bem específica: além de se basear em longas de suspense, Os Sete Suspeitos possui também uma inspiração em jogos de tabuleiros. Essa influência se reflete nitidamente na obra por tudo ser muito direto, engenhoso e, mais uma vez, consciente de si mesmo.
O roteiro prepara um terreno que transparece completamente essa natureza de jogo. O ponto de partida da história é a união de sete desconhecidos entre si que, sob um convite sem muita razão, encontram-se numa mansão para um jantar. Logo em seguida, em uma reunião, os segredos de cada um são revelados pelo mordomo e todo o projeto por trás de todos ali é exposto em poucos instantes. Há uma abordagem bem imediatista para esse desenvolvimento que cria um senso de planejamento, que está ao lado de uma sensação de distanciamento causada pela noção de peças sendo manipuladas por algo maior.
E tudo isso só poderia acontecer de maneira orgânica porque, além do filme reverenciar seu gênero, ele é uma sátira ao mesmo. Ou seja, trabalha com a falta de seriedade que permite algo tão seco e artificial. No cinema em geral, o humor é uma ferramenta muito eficiente para a farsa, e aqui ele está perfeitamente em função dela. O humor naturaliza e desnaturaliza, ao mesmo tempo, toda a trama e seu suspense. Desnaturaliza porque parte para a galhofa e o besteirol, e naturaliza porque este é o único caminho possível para fazer a farsa não ser apenas um estranho amontoado de situações implausíveis e jogadas ao vento.
As interpretações seguem um tom equilibrado de estarem em consonância com o pastelão (são carregadas) sem aderirem a ele por completo, evitando uma coisa exageradamente cartunesca. Algo que se desvie disso é a presença da empregada doméstica, que, com seu uniforme curtíssimo e seios à mostra, dá um toque mais caricato à produção. Por outro lado, a comédia fica um pouco mais sofisticada com as tantas piadas políticas feitas aqui — cairiam melhor no auge da Guerra Fria. Para completar, o filme expande ainda mais seu escopo de gêneros ao flertar com o terror. Vemos ele justamente tirando a seriedade da produção, como nos planos iniciais da mansão (algo também caricato e meio gótico) e a trilha sonora estridente em momentos de ação.
Mesmo com toda essa mistura, Os Sete Suspeitos nunca perde a mão na força de seu suspense. Há aqui o grande mérito de ser tanto comédia quanto thriller; é uma paródia a um outro gênero, ao mesmo tempo que está dentro desse gênero em si. Existe um enredo extremamente mirabolante, um verdadeiro quebra-cabeça com intrigas atrás de intrigas. O roteiro trabalha com a questão homicídio/suspeita sempre se renovando com um encadeamento de inúmeros acontecimentos em série. Há sempre novos crimes, suspeitas e revelações. A velocidade com que tudo ocorre se dá mais pela verborragia de diálogos expositivos do que pelo retrato das próprias ações, o que fornece um forte peso às discussões e raciocínios dos personagens, fisgando a atenção do espectador.
Todavia, seria ingênuo ver esse lado mirabolante como uma grande manifestação de criatividade artística. De certa forma, boa parte do desenrolar da narrativa é somente a continuidade de um algoritmo criado. Em outras palavras, o primeiro ato programa certo tipo de narrativa (numa linha genérica de Agatha Christie), e o longa apenas dá andamento a elas de modo mecânico criando uma intriga atrás da outra — daí vemos, por exemplo, novos personagens aleatórios entrando na casa para render novas confusões. Assim vemos que o recém-citado quebra-cabeça tem mais a ver com quantidade do que com profundidade. O lado inventivo de Os Sete Suspeitos não deixa de estar preso a um lado genérico — o que não chega a ser um problema.
Essa questão de ser genérico e inventivo mutuamente se encontra fortemente em seus múltiplos finais. É quando o filme vira um pequeno Rashomon e vemos dois finais alternativos para além do principal. Todos eles seguem o tal algoritmo, mas não deixam de tornar a obra menos engenhosa — primeiro, pelo próprio artifício em si; e, segundo, por ser a cereja do bolo para um filme que, assim como um jogo de tabuleiro ou um experimento controlado, soa como objetos maleáveis abertos a diferentes rumos.
Os Sete Suspeitos (Clue) — EUA, 1985
Direção: Jonathan Lynn
Roteiro: John Landis, Jonathan Lynn, Anthony E. Pratt
Elenco: Eileen Brennan, Tim Curry, Madeline Kahn, Christopher Lloyd, Michael McKean, Martin Mull, Lesley Ann Warren, Colleen Camp, Lee Ving, Bill Henderson, Jane Wiedlin, Jeffrey Kramer, Kellye Nakahara, Will Nye, Rick Goldman, Don Camp, Howard Hesseman
Duração: 94 min.