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Entenda Melhor | Patrick Bateman: Personagens Icônicos do Cinema

Uma análise do protagonista de Psicopata Americano, um clássico moderno do cinema, inspirado no romance homônimo de Bret Easton Ellis.

por Leonardo Campos
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Na dinâmica da composição dramatúrgica, elaborar personagens impactantes e que se tornem parte de um extenso legado e impacto cultural é um desafio. Patrick Bateman, o protagonista de Psicopata Americano é uma dessas figuras que representam as mais complexas e perturbadoras posturas comportamentais em cena no âmbito da ficção. Por meio de suas dimensões pessoais, sociais e psicológicas, ele personifica traços da cultura consumista dos anos 1980 e serve como uma crítica à superficialidade, à masculinidade tóxica e à alienação na sociedade moderna. Aqui, a breve análise vai versar sobre a figura ficcional do filme, no entanto, tratar do desempenho dramático de Christian Bale em cena é abordar, consequentemente, o seu ponto de partida enquanto tradução, isto é, o romance homônimo de Bret Easton Ellis, levado para as telas dos cinemas sob a ótica da cineasta Mary Harron, também responsável pelo roteiro, escrito em parceria com Guinevere Turner. Um desafio e uma proposta curiosa: duas mulheres à frente de uma história densa com altas doses de misoginia, distribuída ao longo dos 104 minutos de narrativa, bem-sucedida ao traçar correspondências com o romance ponto de partida.

Quando falamos sobre roteiro de cinema e construção de personagens, mesmo em produções que seguem uma linha mais alternativa, sem a rigidez da dramaturgia hollywoodiana que durante muito tempo, padronizou narrativas ao longo da história do cinema, precisamos levar em consideração que, geralmente, todo personagem possui um perfil. Em cena, temos que contemplar o seu físico, as suas questões psicológicas e sociais, para que possamos compreender como a figura ficcional se desenvolve diante dos acontecimentos da trama. Em Psicopata Americano, Patrick Bateman é o epítome do narcisismo. Ele é obcecado por sua aparência, status social e sucesso material. O livro e o filme ilustram sua rotina meticulosa de cuidados pessoais, incluindo exercícios físicos, dietas rigorosas e uso excessivo de produtos de beleza. Essa busca incessante por perfeição externa reflete uma vida baseada em valores superficiais, onde a aparência é priorizada em detrimento da autenticidade emocional.

Bateman é um produto da cultura consumista dos anos 1980. Ele trabalha como executivo de investimentos em Nova York, cercado por luxo e excessos, e define seu valor pessoal através de bens materiais. Sua identidade está intrinsecamente ligada ao que ele possui e ao que os outros pensam dele, revelando a alienação que pode advir de um estilo de vida muito focado no consumo e nas aparências. O design de produção de Gideon Ponte e a direção de fotografia de Andrzej Sekula colaboram com a travessia do personagem em meio aos espaços cênicos, enquadramentos e movimentação de câmera que reforçam as características que formam o perfil peculiar do protagonista ao longo de escolhas estéticas devidamente acertadas. Um dos traços mais notáveis de Bateman é sua dissociação emocional. O uso de espelho, a trilha sonora de John Cale e a edição de Andrew Marcus também colaboram com o sucesso desse empreendimento: a exposição de uma figura ficcional potencialmente sedutora e, ao mesmo tempo, que se estabelece como repulsiva. Alguém que desejamos nos afastar, mas também observar como pensa e executa as suas ações mais bizarras.

Embora ele viva em uma sociedade hiperconectada, numa análise de sua dimensão psicológica, percebemos que ele é um homem que se sente completamente isolado e desconectado dos outros. Seu comportamento muitas vezes sugere uma falta de empatia. Bateman é incapaz de se conectar genuinamente com as pessoas em sua vida, resultando em interações superficiais e vazias. Essa desconexão se torna mais pronunciada por meio de seus atos de violência, que ele comete sem qualquer remorso. Na trama, ele é apresentado como um monstro, em linhas gerais, um psicopata clássico, capaz de cometer atos de extrema violência de forma calculada e muitas vezes sem emoção. A brutalidade de seus crimes contrasta com sua persona sofisticada e polida. Esses comportamentos não apenas ressaltam sua condição psicológica, mas também servem como uma crítica social à apatia que permeia a cultura em que ele vive. A violência se torna uma forma de Bateman de afirmar seu controle sobre o mundo ao seu redor e de se sentir vivo em meio à sua indiferença. E esse comportamento expõe a sua ambiguidade moral e identidade.

Ele se vê como superior aos outros, acreditando que suas aptidões e sua educação o tornam um ser à parte. No entanto, essa crença é constantemente posta à prova à medida que suas ações se tornam cada vez mais extremas e sua sanidade começa a desmoronar. O personagem vive em uma luta interna entre sua fachada social e sua verdadeira natureza psicopática, levantando questões sobre o que realmente significa ser “humano”. Utilizando termos mais comuns na contemporaneidade, Bateman é uma representação da masculinidade tóxica, incorporando traços como controle, agressão e uma visão distorcida de poder. Ele é uma figura que exemplifica o que a sociedade frequentemente espera do homem “ideal”: sucesso financeiro, controle absoluto e desprezo pelas fraquezas, constantemente comparado por especialistas em cultura e sociedade como uma alegoria de Donald Trump, tópico que versaremos mais adiante. Importante, no entanto, delinear que a sua masculinidade é apresentada como uma máscara que oculta seu verdadeiro eu, revelando a fragilidade subjacente que muitas vezes acompanha a pressão social para se conformar a ideais masculinos.

As relações de Bateman, incluindo seu namoro com Evelyn, na versão cinematográfica, interpretada por Reese Witherspoon, e suas interações com amigos e colegas, todas marcadas pela superficialidade. Ele trata as pessoas como objetos e não consegue estabelecer conexões emocionais genuínas. Sua incapacidade de relacionar-se de forma significativa com outros indivíduos reforça a ideia de que ele é um produto de uma cultura que valoriza a imagem em detrimento da autenticidade. Embora frequentemente seja rotulado como um psicopata, Bateman é um personagem que também exibe traços de sociopatia, incluindo desrespeito pelas normas sociais e manipulação dos outros. Ele é habilidoso em enganar e se disfarçar como uma pessoa “normal”, o que o torna ainda mais aterrorizante. Essa dualidade entre sua aparência socialmente aceita e sua verdadeira natureza violenta enfatiza o terror do que pode estar oculto em uma pessoa que parece inofensiva à primeira vista. Sua presença nas páginas do livro e nas passagens do filme é uma ferrenha crítica ao sistema capitalista e ao individualismo exacerbado.

Ele alcançou o “sucesso” material, mas se sente vazio e insatisfeito. Os atos de violência que comete podem ser interpretados como uma reação contra o mundo que o cercou, onde ele se sente preso entre um desejo de se destacar e uma aversão a tudo o que considera banal e superficial. A sua vida se torna um espelho distorcido da sociedade que idolatra o sucesso a qualquer custo, mesmo que isso signifique perder completamente a conexão humanitária. Depois do lançamento do filme e com o histórico polêmico de publicação do livro em 1991, Patrick Bateman se tornou uma figura icônica na cultura pop, simbolizando a obsessão do final do século XX e início do século XXI com a riqueza, o consumo e a imagem. O personagem levanta questões sobre a moralidade e a ética em uma sociedade que valoriza cada vez mais a aparência, desafiando o público a refletir sobre suas próprias vidas e valores. Através de sua narrativa, tanto no livro quanto no filme, Bateman continua a ressoar como um alerta sobre os perigos do materialismo e da desumanização. De tão icônico, se tornou até referência para fantasia de um indivíduo em um bloco do carnaval de Salvador. Sou testemunha ocular.

Esse icônico personagem é um pastiche dos elementos que delinearam a imagem dos yuppies ao longo da década de 1980 nos Estados Unidos. Essa década, contexto por onde Patrick Bateman atravessa em sua existência ficcional, foi um período de grandes transformações sociais, culturais e econômicas nos Estados Unidos, especialmente em cidades como Nova York. Um dos fenômenos culturais mais notáveis desse período foi o surgimento dos “yuppies”, uma abreviação de “young urban professionals” (jovens profissionais urbanos). Esse grupo não apenas simbolizou o espírito da época, mas também influenciou a cultura e as dinâmicas sociais da cidade. Os yuppies emergiram nos anos 1980 em uma era que valorizava o sucesso material, o consumismo e a realização profissional. Era um período de otimismo econômico que seguia a recessão da década anterior e foi caracterizado pelo boom da bolsa de valores, a ascensão das empresas de tecnologia e financeira e a desregulamentação de vários setores.

Os yuppies eram, em sua maioria, jovens adultos que buscavam carreiras lucrativas em setores como finanças, direito, marketing e tecnologia. Eram conhecidos por suas ambições de ascender rapidamente nas hierarquias corporativas. O estilo de vida incluía bens de consumo sofisticados, roupas de marca, jantares em restaurantes chiques e uma cultura de entretenimento que refletia seu status social. Eles se tornaram sinônimo de uma vida marcada pelo consumo ostensivo. Ademais, eles eram mestres do networking. Participavam de eventos sociais e profissionais, valorizando a construção de relacionamentos que pudessem ajudá-los em suas carreiras. A cultura do “networking” se tornou uma parte fundamental da vida profissional na cidade. No filme e no livro, isso fica evidenciado com o icônico cartão de visitas de Patrick Bateman, incomodado quando percebe que o seu colega tem um melhor e mais interessante esteticamente. No quesito moda e estilo, os yuppies influenciaram a época, popularizando estilos corporativos que misturavam cortes clássicos e tendências modernas. O power suit (terno de poder) se tornou um símbolo de status e ambição, representando a tentativa de mesclar a autoridade e a energia da juventude. Suas gravatas, simbolizando a presença fálica na cena social, era outro ponto de preocupação para essas figuras que também impulsionaram a vida noturna de Nova York.

Essa geração impulsionou a vida noturna da considerada “capital do mundo”, frequentando clubes e restaurantes chiques. Eles ajudaram a popularizar locais como o famoso Studio 54 e outros pontos de encontro que se tornaram ícones da cultura. Isso fica bem delineado em A Cidade dos Anos 1980: Um Documentário, narrativa de 31 minutos lançada em 2005, reflexiva ao debater os elementos culturais nova-iorquinos no contexto de Patrick Bateman. Importante destacar que a mídia desempenhou um papel crucial na popularização da imagem dos yuppies. Livros, filmes e programas de televisão frequentemente retratavam jovens profissionais urbanos como bem-sucedidos, sofisticados e extremamente preocupados com a imagem. No entanto, embora essas figuras tenham se beneficiado de um período de prosperidade econômica, a recessão no final da década de 1980 trouxe desafios significativos. A crise no mercado de ações e a desaceleração econômica afetaram diretamente esse grupo, levando a uma mudança nas percepções. O estilo de vida yuppie começou a ser visto criticamente, especialmente em relação ao consumismo excessivo e à falta de ética nos negócios.

E, para encerrarmos, por quais motivos tanta gente associa Patrick Bateman com Donald Trump? Ao longo das páginas do livro de Ellis, o yuppie que se transformou em figura emblemática na política atual é mencionado diversas vezes, como uma espécie de herói do protagonista, alguém pelo qual ele se espelha. Desde o seu lançamento, Bateman tem sido discutido e analisado como uma representação distorcida do “sonho americano”. Nos anos mais recentes, essa análise ganhou um novo traço ao se considerar as semelhanças com Donald Trump, atual presidente dos Estados Unidos. Esta relação, por sua vez, não se limita apenas à superficialidade de suas características, mas se estende a questões mais profundas, como a cultura do narcisismo, a ambição desmedida e a desconexão com a realidade. Uma das semelhanças mais evidentes entre Patrick Bateman e Donald Trump reside na busca incessante por poder e status, características intrínsecas a ambos os personagens. Bateman, um banqueiro de investimentos na Wall Street dos anos 80, é obcecado por status social, consumo e aparência.

Sua vida é uma incessante competição para ser o melhor, seja em termos de roupas, bens materiais ou conexões sociais. De maneira semelhante, Trump, ao longo de sua carreira no mundo dos negócios e na política, manifestou uma preocupação excessiva com imagem e influência. Ele sempre exibiu um comportamento autocrático e uma necessidade de ser notado e admirado, algo que desagua na mesma ambição hiperbólica que define Bateman. Além disso, tanto Bateman quanto Trump exibem um comportamento narcisista. Bateman é muitas vezes descrito como uma figura que carece de empatia, o que leva a interações superficiais e, em última instância, a seus atos de violência. A falta de empatia que Bateman demonstra em suas relações é um traço que também pode ser observado em Trump, cujas declarações muitas vezes ignoram a complexidade das experiências humanas. Em diversas ocasiões, suas reações e comentários, principalmente em contextos críticos, revelam uma mentalidade que valoriza a imagem pública em detrimento das consequências reais sobre as vidas das pessoas.

Essa característica narcisista não somente compõe a psique de Bateman, mas também ecoa as abordagens de Trump no que tange a críticas e confrontos, revelando um padrão de desumanização em suas interações. O ambiente ao redor de Bateman é igualmente significativo para a discussão; ele vive em um mundo ultrapassado e superficial, onde a riqueza e o sucesso são as únicas métricas de valor. Este é um reflexo claro do capitalismo exacerbado e da cultura de consumo dos anos 80, onde a estética e a apresentação externa não só se sobrepõem à substância, mas se tornam a medida da dignidade. Na era Trump, essa busca pelo exterior e a ênfase no branding pessoal tornaram-se proeminentes. Trump transformou sua própria imagem em uma marca, utilizando plataformas e táticas de mídia social que muitas vezes se assemelham ao discurso superficial de Bateman. Ademais, a desconexão com a realidade constitui um dos aspectos mais sombrios dessa metáfora. O personagem de Psicopata Americano é um sociopata que vive em seu próprio mundo, onde suas ações violentas não têm consequências morais ou sociais, e ele continua a mascarar sua verdadeira essência sob uma fachada de normalidade e charme. Por outro lado, Trump, em suas aparições públicas e decisões, tem frequentemente ignorado ou distorcido fatos, criando narrativas que servem a seus interesses políticos ou comerciais, muitas vezes em uma desconexão alarmante com a realidade.

Essa predisposição para criar uma “realidade alternativa” ecoa a alienação de Bateman, que se considera acima das regras sociais e morais. Nesse contexto, é importante mencionar novamente a crítica social que está presente em Psicopata Americano. O romance e o filme funcionam como um espelho grotesco da sociedade de consumo, onde os valores humanos são corroídos em prol de uma aparência vazia. A narrativa destaca a falta de autenticidade e a superficialidade das interações humanas, onde o caráter é definido por marcas e posses. No caso de Trump, sua presidência foi marcada por uma polarização sem precedentes, onde o discurso político é frequentemente reduzido a slogans e imagens, sem espaço para uma discussão substancial sobre as questões que afetam a sociedade. A mesma crítica à superficialidade do caráter humano presente na trajetória de Bateman apresenta-se ainda mais relevante quando vinculada aos eventos políticos contemporâneos em que Trump se tornou uma figura central.

Além disso, a metáfora entre Patrick Bateman e Donald Trump não é apenas uma simples afiliação entre dois indivíduos de esferas distintas, mas um reflexo preocupante de um sistema que privilegia a aparência em detrimento da substância e da moralidade. Tanto Bateman quanto Trump são produtos de uma cultura que valoriza a narcisismo e a busca incessante por status, revelando como a desconexão com a realidade pode se manifestar em ações que desafiam normas éticas e sociais. A análise dessa relação não apenas enriquece o entendimento sobre o personagem de Ellis, mas, mais significativamente, lança uma luz crítica sobre as dinâmicas sociais e políticas que moldam a nossa sociedade contemporânea. Essa intersecção entre ficção e realidade nos convida a refletir sobre o que significa ser humano em um mundo onde o desequilíbrio entre poder, aparência e moralidade se tornou cada vez mais acentuado.

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