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Crítica | A Baleia Branca, de Will Eisner

Uma envolvente tradução intersemiótica do romance de Herman Melville.

por Leonardo Campos
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Baseado num acontecimento real e que deu bastante o que falar na época, Moby Dick é um romance de grandes proporções, adaptado constantemente para outros suportes narrativos. Em 1821, como traz os relatos históricos, o navio baleeiro Essex naufragou após os ataques de uma baleia cachalote. Com isso, Herman Melville, escritor acoplado no período que os críticos denominaram como romantismo, corrente literária que atravessou o século XVIII e chegou ao XIX, movimento que teve como um de seus propósitos, a afirmação da identidade nacional estadunidense. Os escritores desta fase investiram em histórias sobre autoconhecimento, passeando pela vertente transcendentalista que norteou muitas das publicações e, no romance em questão, encontrou alguns ecos. Erguido por um escritor que durante muitos anos, viveu intensamente a perspectiva da economia baleeira, o livro parte de um fato impressionante e, com os elementos ficcionais, apresenta ao leitor uma aventura tecida por muitos símbolos e reflexões, inicialmente incompreendida, mas depois redescoberta pelo público e crítica. Neste processo, também ganhou várias traduções, como já mencionado, sendo uma delas, a HQ A Baleia Branca.

Lançada em 1998 pela Companhia das Letras, A Baleia Branca é uma simples, mas eficaz tradução do romance Moby Dick, de Herman Melville, para o terreno dos quadrinhos. Adaptada por Will Eisner, conhecido por seus traços expressionistas, realistas e caricaturais, esta versão do clássico e volumoso livro traz a sua história condensada em apenas 32 páginas, focadas em sequências que emulam os principais pontos de tensão do ponto de partida literário. Com tradução de Carlos Sussekind, esta jornada visual aparentemente básica, integrante do selo Quadrinhos e Cia, material que revela momentos memoráveis no campo das histórias em quadrinhos. Sendo assim, é uma trama visualmente desenhada para atrair o público jovem, mas também funciona para os mais exigentes, haja vista a inserção de elementos filosóficos literários no desenvolvimento dos diálogos. Em linhas gerais, uma leitura envolvente e com conteúdo que não transforma a saga de Ismael, do Capitão Ahab e da misteriosa baleia cachalote num manancial puramente escapista. Repleta de planos gerais e presença constante do animal caçado, as escolhas de tradução do autor demonstram o seu investimento em muitas liberdades adaptativas.

 A HQ começa com um plano geral da embarcação e da baleia, demonstrando para os leitores dois elementos basilares para o desenvolvimento da história: o lugar que situa os tripulantes que investem na extração do óleo de baleia utilizado pela indústria e comércio de Nantucket no século XIX e o animal marinho que representa a derrocada do projeto, criatura alvo da obsessão do Capitão Ahab, homem que, tal como já sabemos, deseja se vingar do cetáceo responsável por lhe deixar sem uma das pernas, algo ocorrido numa ocasião anterior, eixo conflitante de toda a história. Logo depois deste plano de abertura, temos a apresentação de Ismael, o narrador e único sobrevivente do naufrágio, figura que inicia a sua jornada de descoberta conhecendo Queequeg, o arpoador que não dialoga com os códigos de civilização cristãos da região. Inicialmente reticente em relação ao homem, ambos desenvolvem uma significativa amizade.

Em seu uso de luz e sombra em diversas passagens, Will Eisner emprega um tom misterioso em vários quadros de sua adaptação. Os planos gerais, já mencionados como constantes, são ótimos e empregados de maneira além do estético, sendo funcionais para o roteiro desenvolvido. Outro recurso muito interessante em A Baleia Branca é o emprego de ângulos baixos e altos (plongee e contra-plongee), mesclados num trabalho de muitos contrastes para fazer da adaptação uma narrativa visualmente potente, capaz de falar por imagens muitas coisas que o roteiro deixa nas entrelinhas. Bem desenhada, a baleia que nomeia o conteúdo também é um recurso de destaque, principalmente nas passagens que representam a sua constante movimentação, algo quase cinematográfico, salvaguardadas das devidas proporções. No desfecho, temos a icônica cena de Ismael boiando no caixão criado para Queequeg, personagem diante de um amplo horizonte, a recomeçar sua vida depois de quase morrer nesta épica tragédia, também interessante por investir em planos-detalhe assertivos para a carga emocional que se pretende estabelecer. No geral, uma ótima tradução de Moby Dick.

A Baleia Branca (EUA, 1998)
Roteiro: Will Eisner
Tradução: Carlos Sussekind
Arte: Will Eisner
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 32

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