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Crítica | A Fera (2020)

por Ritter Fan
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A História do Cinema já ensinou que não se deve sequestrar filhas de ex-soldados ou ex-agentes especiais. Nunca dá certo para o coitado do bandido que só quer ganhar a vida seja na base da chantagem, seja na base do bom e velho tráfico humano mesmo. Em Comando para Matar, John Matrix liquidou a população de um pequeno país e, em Busca Implacável, Bryan Mills basicamente fuzilou todos os imigrantes do leste europeu na França. Agora é a vez do cineasta italiano Ludovico Di Martino deixar bem claro que não são só os pais americanos que são capazes de qualquer coisa para reaver entes queridos.

Em A Fera, sem nenhuma enrolação, a pequena Teresa (Giada Gagliardi), filha de seis anos de Leonida (Fabrizio Gifuni), perturbado ex-soldado das Forças Especiais com transtorno do estresse pós-traumático que se trata com psicotrópicos, some de uma lanchonete e ele não titubeia em furtar o rádio de polícia e atropelar o detetive que começa a investigar o caso para sair como um louco furioso atrás dos bandidos. É essa premissa batida e comum que segura o longa por sua rápida duração, com todos os ingredientes que já nos acostumamos a ver em obras dessa natureza.

O que o filme tem de diferente de seus citados pares estrelados por Arnold Schwarzenegger e Liam Neeson é que o personagem de Gifuni não é um super-herói que se joga de avião decolando, nem um ex-agente da CIA cheio de frases de efeito. Não só ele quase não fala, como não tenta ser carismático ou minimamente conectar-se com o espectador para além de seu drama pessoal que estabelece essa ponte quase que automaticamente. Leonida é muito mais falho, demonstra carregar um fardo bem mais traumático e não é nem de longe um homem capaz de lutar sem bagunçar um fio de cabelo sequer. O roteiro, co-escrito pelo diretor, Claudia De Angelis e Nicola Rivera, foca nas dificuldades físicas e mentais do protagonista para salvar sua filha, o que imediatamente o transforma em suspeito número um para a incompetente polícia local.

Com isso, sem ser exatamente realista, porque isso seria pedir demais, o filme tem o mérito de mostrar um ser humano que realmente parece poder morrer apenas com uma facada e que não aguenta sair no tapa com uma ou duas pessoas sem perder o fôlego e mal aguentar-se em pé. Isso funciona bem, ainda que possa frustrar expectativas daqueles que esperam um filme de brucutu típico dos anos 80 (e Busca Implacável nada mais é do que isso, só que nos anos 2000), com espetaculares sequências de ação com o protagonista tendo solução mágica para tudo. Não há nada disso em A Fera. Sequer há coreografias de luta de cair o queixo, perseguições de alta octanagem ou tiroteios e explosões infindáveis. Diria até que a última sequência de ação nada completamente contra a maré do que nos acostumamos a esperar, mas não posso entrar em detalhes sob pena de dar spoilers.

O que Di Martino tenta colocar nas telas é um longa de ação com essa premissa simples, mas próximo do verossímil, de certa forma lembrando o francês Bala Perdida. E ele é razoavelmente bem-sucedido em sua empreitada, mesmo que Fabrizio Gifuni mais pareça um cara qualquer que cai de paraquedas em meio à uma situação impossível, o que certamente foi a intenção na caracterização que inclusive carrega nos flashbacks para momentos traumatizantes na outra vida de Leonida. O que não funciona muito bem é que a ação é entrecortada demais, com alguns breves momentos mais frenéticos intercalados com sequências lentas, que quebram demais a narrativa, especialmente no final.

Por outro lado, Di Martino consegue contar uma história sem recorrer aos cacoetes do gênero, ou seja, sem exageros e sem super heroísmos completamente fora de esquadro, amplificando e trazendo à tona os traumas do protagonista de maneira relevante e não daquele jeito raso e bobalhão que ocorre por exemplo em Resgate. Ou seja, nada de parecer que os problemas de Leonida são detalhes narrativos. Muito ao contrário, eles informam o personagem, dando-lhe o estofo que precisamos para entender a forma como age no impulso e completamente sem pensar, focado em seu objetivo como um míssil teleguiado.

A Fera é o irmão mais humilde e comedido de Comando para Matar e Busca Implacável, formando uma bela trilogia com essas duas outras obras. O que o espectador precisa saber é que Leonida está muito mais para uma pessoa doente fazendo um último esforço para salvar sua filha do que um homem no pico de sua forma física ou ainda tão agente secreto quanto era na ativa sendo “ativado” para diminuir a população da Terra na base de bala e pescoços quebrados.

A Fera (La Belva – Itália, 27 de novembro de 2020)
Direção: Ludovico Di Martino
Roteiro: Claudia De Angelis, Ludovico Di Martino, Nicola Ravera (baseado em história de Claudia De Angelis, Ludovico Di Martino, Andrea Paris, Nicola Ravera)
Elenco: Fabrizio Gifuni, Lino Musella, Monica Piseddu, Andrea Pennacchi, Emanuele Linfatti, Nicolò Galasso, Giacomo Colavito, Giada Gagliardi, Gianmarco Vettori, Silvia Gallerano, Massimiliano Setti, Daria Deflorian, Camille Dugay Comencini
Duração: 99 min.

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