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Crítica | Alice in Borderland – 2ª Temporada

Game over!

por Ritter Fan
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  • spoilers.

Sei que, nos comentários de minha crítica à primeira temporada de Alice in Borderland, prometi que a crítica do segundo ano viria logo em seguida. No entanto, com o anúncio de que haveria uma terceira temporada, resolvi deixar para assistir a segunda quando a parte três estivesse para chegar, o que demorou quase três anos. Mas, antes tarde do que nunca, não é mesmo? E tenho para mim que foi até bom espaçar minha conferência da segunda temporada, pois ela é tonalmente bem diferente da primeira, mas quase que tão fascinante quanto. Há problemas mais evidentes de ritmo e de como Shinsuke Sato lida com o número maior de personagens que precisa desenvolver, como abordarei mais a frente, mas, no agregado, trata-se de uma temporada mais sombria e pesada, com diversos momentos muito inspirados, com o bônus de ela efetivamente chegar ao final de um arco narrativo, algo que, muito sinceramente, não esperava e que me pegou positivamente de surpresa, pois, pela estrutura da série, era perfeitamente possível que ela fosse alongada, mesmo que o preço disso seja uma sensível aceleração do passo da história.

Como na primeira temporada, Sato não se rende às repetições e evita transformar a série apenas em uma sucessão de jogos mortais. A introdução de uma “nova fase” que começa com todo os jogadores (ou quase) reunidos no cruzamento de Shibuya sendo caçados inclementemente pelo Rei de Espadas (Ayumi Tanida), um assustador homem trajado de preto, com máscara e capa, que tem munição infinita para suas armas de fogo, notadamente sua metralhadora e cuja arena é a cidade toda, marca um potente começo que acaba separando Ryōhei Arisu (Kento Yamazaki), Yuzuha Usagi (Tao Tsuchiya), Hikari Kuina (Aya Asahina) e Kōdai Tatta (Yūtarō Watanabe) de Shuntarō Chishiya  (Nijirō Murakami) e Rizuna Ann (Ayaka Miyoshi), com os quatro primeiros permanecendo juntos nesse início e os dois últimos perambulando solitários. E essa estrutura é que marca a progressão da temporada: o Rei de Espadas está sempre à espreita como um inimigo invencível a mortal, com o grupo de Arisu jogando jogos, Chishiya fazendo o mesmo sozinho e Ann tentando descobrir mais informações sobre o que é esse lugar onde ele vieram parar. Com isso, o showrunner garante variedade e um fluxo constante de novidades, mesmo que ele não se esquive de introduzir uma nova personagem, a arqueira Akane Heiya (Yuri Tsunematsu), que perdera parte de sua perna no primeiro jogo em que participou e de reintroduzir Morizono Aguni (Sho Aoyagi), aliado do Chapeleiro Louco que, agora, caça o Rei de Espadas ao lado de Heiya e acaba se torna aliado de Arisu.

Mas o importante é que a progressão narrativa troca um pouco a velocidade vertiginosa da primeira temporada por algo mais compassado – por vezes até lento, ainda que nunca arrastado -, permitindo, quando necessário, que alguns jogos sejam mais destacados do que outros, como é o caso do primeiro da temporada além do Rei de Espadas caçando todo mundo, batizado de Osmose e que ocorre na região portuária de Tóquio em um enorme pátio de contêineres. Lá, Arisu, Usagi, Kuina e Tatta, ao lado de Niragi, precisam competir contra a equipe do Rei de Paus que, na vida anterior, foi Ginji Kyuma (Tomohisa Yamashita), o líder de um banda de rock cujos outros quatro membros formam seu contingente em um jogo cujo objetivo é obter o maior número de pontos possível com combates não violentos e a proteção de uma “base”, como um Pique Bandeira sofisticado. Kyuma em si é um personagem exótico, que joga completamente pelado e que parece ter uma infinita capacidade de soltar platitudes filosóficas zen budistas como em uma conversa de bar regada por muita bebida, o que, talvez incongruentemente, imediatamente chame atenção, especialmente pela combinação disso com sua postura respeitosa em relação aos seus concorrentes e pela conexão mais próxima que estabelece com Arisu. Trata-se de um jogo de inteligência, estratégia e sacrifício que a direção de Shinsuke Sato conduz com maestria ao longo de um episódio e meio até que o “bastão” narrativo é passado para Chishiya em um jogo sobre confiança dentro de uma prisão.

Nesse segundo jogo, novamente a calma e frieza de Chishiya, além de sua malícia, mostram-se essenciais, já que o objetivo é manter-se vivo ao final de cada rodada em que cada jogador precisa acertar o naipe que está no mostrador na parte de trás de uma coleira e que muda a cada novo começo – ou seja, depende que alguém em que se confie diga que naipe é para a pessoa -, sendo que um dos participante é secretamente o Valete de Copas, com o jogo só terminando ou quando o Valete de Copas morre ou quando ele é o único sobrevivente, portanto imediatamente fazendo que todos desconfiem de todos. Claro que existe a conveniência de Chishiya só entrar em jogos que se encaixam com sua personalidade, como acontece também, vale dizer, no brutal confronto dele no jogo de lógica matemática capitaneado por Keiichi Kuzuryū (Tsuyoshi Abe), o Rei de Ouros, em que a morte dos jogadores se dá pelo derramamento de ácido por sobre suas cabeças, novamente com uma direção calma, que deixa o jogo transcorrer quase que por completo, com direito até a “explicações de raciocínios” que cansam um  pouco por beirarem ao didático.

Mas há velocidade também na temporada e nenhum jogo encapsula essa característica de maneira mais eficiente do que Xeque-Mate, o enérgico Pique-Pega misturado com xadrez sob comando de Risa (Chihiro Yamamoto), a Rainha de Espadas, Usagi entra para ajudar uma criança e, fortuitamente, encontra-se com Arisu novamente. Há mais um claro uso da conveniência narrativa quando Usagi torna-se uma incrível lutadora, mas isso é algo que dá para aceitar vindo da mais atlética personagem da série que, de quebra, está lutando por uma criança indefesa e seu amor, Arisu. Além disso, nessa categoria de jogo “veloz e furioso”, seria um crime se eu deixasse de  comentar o embate final de todos os personagens ainda com capacidade de correr e lutar contra o Rei de Espadas. O frenesi da direção de Sato não deixa nada a dever aos melhores filmes de pura pancadaria, com o vilão mostrando-se muitas vezes mais mortal e invencível do que o T-800, em O Exterminador do Futuro, sem ele sequer ser um ciborgue.

O que funciona menos na temporada é o uso de Aguni, Heiya e Ann. Os dois primeiros ganham destaque na temporada, mas com funções limitadas seja em termos de desenvolvimento de personagens, seja em termos de importância geral para a história. Afinal, a relevância deles se resume a salvar Arisu uma vez (mas ele é o protagonista, então sempre haverá outras formas de evitar sua morte prematura) e, depois, juntar-se à pancadaria final contra o Rei de Espadas, pancadaria essa que poderia facilmente ter o mesmo resultado sem os dois ali. Fica a impressão – mas posso estar enganado, pois só li o volume 1 do mangá – que esses eram personagens com mais tempo no material fonte que tiveram sua participação reduzida a quase nada, mesmo que, visualmente, pelo menos Heiya com seu arco e sua prótese, seja imbatível. Ann, que poderia ter contribuído mais à história, é defenestrada da narrativa principal e lançada em uma missão pessoal para descobrir mais sobre essa Tóquio onde eles estão, com uma jornada que acaba não levando a lugar algum que não seja dar uma certa credibilidade a uma das versões sobre o espaço-tempo em que estão que Mira Kanō (Riisa Naka), a Rainha de Copas, conta para Arisu e Usagi no jogo final.

Falando no jogo final, vamos a ele. Em resumo, o que temos é uma subversão de expectativas. Toda a violência e todos os horrores levam a um prosaico jogo de críquete no telhado de um prédio em que Arisu precisa simplesmente jogar três rodadas sem desistir. Jogar apenas, pois ganhar ou perder as rodadas não importa. Anticlimático? Simples demais? Bobo até? Pois é, eu acho justamente o contrário. É a maneira perfeita de puxar o tapete sob o espectador e quebrar a tendência de obras audiovisuais de seguir em um crescendo infinito de exageros. Aqui, o minimalismo é usado à perfeição, com um jogo que não é físico, mas sim puramente psicológico, com a Rainha de Copas usando de toda sua inteligência para destruir as convicções de Arisu a ponto de ele ficar tão fragilizado que a única opção é desistir, obviamente no sentido de desistir da vida, desistir de ser quem ele é e entregar-se ao destino. Alguns poderão dizer que, no final das contas, foi a “força do amor” que mais uma vez ganhou, já que é Usagi que traz Arisu da beira do precipício, e essas pessoas não estariam erradas. No entanto, que mal tem isso? Será que somos tão cínicos a ponto de duvidarmos da força do amor e preferirmos que o protagonista ganhe na base da pura pancadaria? Eu ainda dou uma chance ao amor se a construção narrativa leva a um uso lógico desse artifício, que é o caso aqui para mim.

E, quando finalmente chegamos ao que acontece após o último jogo, Shinsuke Sato nos arremessa outra bola curva, voltando no tempo até o momento dos fogos de artifício que, agora descobrimos, preludiam a queda de meteoros em Tóquio que dizima Shibuya e matam todos aqueles que morreram nos jogos, com os sobreviventes tendo uma experiência de quase-morte, todos sem lembrar do que ocorreu. Não há uma palavra sequer sobre quem ou o que foi responsável pelo que aconteceu ao longo das duas temporadas, o que imediatamente faz o espectador pensar nas diversas hipóteses que a Rainha de Copas jocosamente falou para Arisu e Usagi, com aquela dos “mil anos no futuro” sendo a que mais combina com o que Ann viu na fronteira da cidade durante sua exploração. Ou seja, a resposta ao mistério é, na verdade, uma não-resposta que ainda nos deixa com um cliffhanger maroto na forma de um carta curinga em cima de uma mesa do jardim do hospital e que pode ser o gancho para terceira temporada.

Tenho para mim, como inclusive eu mencionei na minha crítica da primeira temporada, que qualquer tentativa de dar uma resposta definitiva ao que ocorreu exigiria doses maciças de suspensão da descrença por parte do espectador, o que provavelmente levaria a explicações justamente como as que são dadas pela Rainha de Copas, pelo que a manutenção do mistério como um final possível é o que eu sinceramente prefiro. Além disso, temos que ter em mente que a explicação, lá no fundo, sequer interessa, pois é o caminho que os personagens percorrem em um processo de autodescoberta que realmente vale em Alice in Borderland. Se foram alienígenas, humanos do futuro distante ou meramente um surto psicótico coletivo, isso empalidece diante do crescimento de Arisu, Usagi, Chishiya, Kuina e até Niragi ao longo dos desafios que enfrentaram. Explicar pode estragar determinadas conclusões e contemplações e creio fortemente que esse é o caso da série comandada com grande categoria por Shinsuke Sato a partir de obra de Haro Asō. Fica a torcida para que a terceira temporada não caia nessa armadilha.

Alice in Borderland – 2ª Temporada (今際の国のアリス / Imawa no Kuni no Arisu – Japão, 22 de dezembro de 2022)
Desenvolvimento: Shinsuke Sato (baseado em mangá de Haro Asō)
Direção: Shinsuke Sato
Roteiro: Yoshiki Watabe, Yasuko Kuramitsu, Shinsuke Sato
Elenco: Kento Yamazaki, Tao Tsuchiya, Nijirō Murakami, Ayaka Miyoshi, Aya Asahina, Dori Sakurada, Sho Aoyagi, Riisa Naka, Yuri Tsunematsu, Hayato Isomura, Keita Machida, Yūtarō Watanabe, Yūki Morinaga, Tomohisa Yamashita, Ryōhei Shima, Alisa Urahama, Eishin Hayashida, Eita Okuno, Kai Inowaki, Ayumi Tanida, Chihiro Yamamoto
Duração: 386 min. (oito episódios)

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