- Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios e de toda a franquia Alien.
Permitindo-me começar esta crítica com um aparte, preparei um pote de café para degustar aos poucos durante o episódio e, segundos antes de iniciar, servi-me da primeira xícara e tomei um gole só para verificar se estava na temperatura correta. Não estava, então deixei de lado e cliquei em play, sabendo que tomaria outro gole em um ou dois minutos. No entanto, quase 60 se passaram e só toquei na xícara e pote frios quando os créditos começaram a subir e eu finalmente saí de meu transe. Porque foi um transe audiovisual, sem dúvida alguma, como acontece quando mergulhamos em algo tão profundamente que perdemos toda a noção de espaço e tempo, que foi exatamente o que aconteceu em Observação, que marca a metade de Alien: Earth. Claro que a experiência com o audiovisual pode e deve variar de pessoa a pessoa, mas foi essa a experiência que tive com o episódio e que me obrigou a reassisti-lo para redigir a crítica de forma a ter certeza de que não estava exagerando.
E olha que nem considero, falando agora mais friamente, que Observação é uma obra-prima irretocável, como minha avaliação acima não me deixa mentir, mas o roteiro de Noah Hawley ao lado de Bobak Esfarjani e sobretudo a direção de Ugla Hauksdóttir deram vida ao que poderia ser uma “reencarnação” do longa original de 1979 que deu origem à franquia. E não falo aqui dos aspectos visuais se aproximarem do clássico, pois isso o primeiro episódio da série já fez muito bem, mas sim uma captura de altíssima qualidade daquele estranhamento, daquela atmosfera e daquele jogo de manipulações e de interesses escusos que marcou uma geração e, não seria errado afirmar, mostrou o que a ficção científica de horror é capaz de fazer no Cinema. Há de tudo um pouco aqui, com uma conexão temática fantástica que joga uma rede narrativa ampla que conversa novamente sobre a moralidade de se colocar a consciência de uma criança em um corpo adulto sintético “em nome da ciência”, a transumanidade como veículo para a tão desejada vida eterna, o cruel, mas talvez inevitável papel das pesquisas com animais em laboratório, o descaso de mentes brilhantes e distantes da humanidade com detalhes como segurança e com os princípios científicos e, não tenham dúvida, o que é mais assustador, um alienígena com ácido no lugar de sangue ou um jovem trilionário com nitrogênio líquido no lugar de sangue?
Apesar de a conexão de Wendy com a mente coletiva dos xenomorfos ser parte importantíssima do episódio, assim como é a tentativa à distância de Morrow de recuperar os espécimes que foram levados pela Prodigy, funcionando como as amarras que mantêm a série firme no universo criado por Ridley Scott, se pensarmos bem notaremos que isso, de certa forma, é detalhe, algo como um gatilho narrativo de alta qualidade para que Hawley então entre com seus interesses e sua visão sobre o que a série deve discutir além de apenas contar. A conversa kafkiana de um ainda aturdido Joe com Atom Eins, o braço direito de Boy Kavalier, sobre sua servidão eterna e sobre a natureza de sua irmã (é mesmo sua irmã, em termos filosóficos?) é representativa do foco do showrunner e cria uma fascinação ao mesmo tempo inebriante e inquietante, com uma natureza mais sutil do que quando indagamos se uma inteligência artificial, se alcançar o nível de “processamento de dados” dos humanos, poderia ser chamada de humana. E isso ecoa nos ciúmes de Curly, que foi trabalhado muito discretamente no episódio, tendo sido apresentado no anterior, o amadurecimento enviesado de Tottles, que se acha cientista e pede para ser rebatizado como Isaac, e, claro, o trauma de Nibs que a faz se recusar a aceitar que é artificial, a achar que está grávida e quase arrancar a cabeça de Dame Sylvia, em uma sequência mais assustadora do que Dallas tentando achar o xenomorfo nos dutos de ventilação da Nostromo.
A manipulação de Slightly por Morrow é também outro ponto alto de tensão no episódio, um que combina sordidez e ameaças abertas de um lado e a inocência de uma criança de outro. Gosto muito que o trabalho do ciborgue da Yutani parece que será feito à distância e que Slightly tentará usar Joe como vetor do xenomorfo, abrindo espaço para o caos na Terra do Nunca, mas gosto mais ainda de Kirsh saber de tudo e só ficar observando pelo momento e de como fica clara a razão da escolha de Hawley em utilizar crianças no corpo de adultos como um passo evolutivo para sua versão da transumanidade. Primeiro, fica muito evidente que ninguém responsável ficou feliz com a expedição de resgate do grupo de sintéticos em estágio de teste, depois, era essencial para a história sendo contada que as reações fossem de criança, seja o maravilhamento de Wendy pelas descobertas que faz – seu olhar para o xenomorfo recém-nascido com quem ela parece conversar é pura curiosidade! -, a facilidade que é fazer Slightly trair seus colegas e seu chefe e todos os outros momentos que fizeram de Observação o episódio que é.
Pessoalmente, estou nervoso pela série só ter oito episódios e por eu não estar percebendo empolgação sobre ela pelo público em geral (espero estar enganado) que garanta desde já sua renovação, pois eu acho pouco tempo para discutir tanta coisa, até porque, logicamente, Alien: Earth terá que abrir espaço para chacinas alienígenas por parte dos xenomorfors, mas não apenas pelos xenomorfos, pois é essencial que tenhamos, também, momentos de ação dedicado ao carneiro controlado pelo polvo zoiudo, de preferência com a aterrorizante criatura andando nas duas patas traseiras e balindo seu grito de guerra enquanto empunha alguma arma particularmente letal como uma serra elétrica. Seja como for, posso ter perdido meu pote de café, mas valeu muito a pena, mesmo que eu provavelmente tenha pesadelos com esse bicho dos infernos que o doente do Hawley criou!
Alien: Earth – 1X04: Observação (Alien: Earth – 1X04: Observation – EUA, 26 de agosto de 2025)
Desenvovimento: Noah Hawley
Direção: Ugla Hauksdóttir
Roteiro: Noah Hawley, Bobak Esfarjani
Elenco: Sydney Chandler, Timothy Olyphant, Alex Lawther, Essie Davis, Samuel Blenkin, Babou Ceesay, Adarsh Gourav, Erana James, Lily Newmark, Jonathan Ajayi, David Rysdahl, Adrian Edmondson, Sandra Yi Sencindiver, Kit Young
Duração: 60 min.