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Crítica | Alien, O Oitavo Passageiro (Versão Comentada por Ridley Scott)

Aulão para fãs e interessados nos processos de composição fílmica.

por Leonardo Campos
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Um marco na ficção científica e uma narrativa de reflexões sobre temas diversos. O que mais pode ser dito sobre Alien: O Oitavo Passageiro, lançado em 1979, narrativa que se tornou um ícone do cinema de ficção científica e horror, dirigido por Ridley Scott? Esta é uma criação cinematográfica que não apenas estabeleceu novos padrões estéticos e narrativos dentro do gênero, mas também ofereceu um espaço fértil para reflexões sobre uma variedade de temas, como a exploração do desconhecido, a luta pela sobrevivência, as questões de gênero e a desumanização vinculada à tecnologia. Desde sua estreia, destacou-se por sua atmosfera tensa e claustrofóbica, que criou uma nova maneira de abordar o terror em ambientes de ficção científica. A nave Nostromo, cenário principal, é um microcosmo onde a ansiedade e o medo se encontram em cada canto. O uso inteligente da iluminação, da sonoplastia e da design de produção contribuiu para a criação de um ambiente opressivo, que captura o espectador e o envolve na narrativa. A criatura alienígena, o Xenomorfo, desenhado por H.R. Giger, ressoa como uma metáfora do desconhecido e do primal, subvertendo os medos humanos baseados no corpo e na sexualidade, hoje presente na cultura pop em camisetas, decoração de cinéfilos, etc.

Assim, respondendo ao que trouxe como questionamento na abertura do parágrafo anterior, uma das opções de tentar trazer algo novo ou adicional sobre o clássico é a análise da sua versão comentada pelo diretor e por outros integrantes da equipe técnica, disponibilizada no formato mídia física aqui no Brasil. Antes de tecer informações sobre as pontuações de Ridley Scott, cineasta que entrega uma aula de cinema magnífica ao comentar esta obra-prima, nós vamos trafegar um pouco pelos temas abordados ao longo dos 117 minutos desta narrativa, observações que permeiam os comentários gerais nesta edição especial. O primeiro deles é a exploração do desconhecido e da sobrevivência: conforme depoimentos, a produção funciona como uma espécie de meditação sobre a exploração do desconhecido e suas implicações. O filme narra a jornada da tripulação em busca de uma resposta para sinais que recebem no espaço, o que, por sua vez, levanta questões sobre a curiosidade humana e suas consequências. A descoberta de uma forma de vida alienígena dá início a uma luta pela sobrevivência que reflete o desejo humano de aventurar-se em territórios inexplorados, ao mesmo tempo em que nos alertam sobre os perigos que isso pode acarretar.

Além disso, o filme apresenta uma visão crítica sobre a desumanização provocada pela tecnologia. A inteligência artificial, representada pela personagem “Mother”, revela uma relação ambígua entre a humanidade e a máquina. Apesar de fornecer suporte vital à tripulação, “Mother” também a manipula, subvertendo a percepção de segurança em um local que deveria ser um ambiente controlado. Outro ponto bastante discutido desde sempre, dos especialistas em cinema aos cinéfilos numa mesa de bar, é a presença das questões de gênero. Um dos aspectos mais notáveis de Alien é a sua abordagem sobre personagens femininas, especialmente a protagonista, Ellen Ripley, interpretada por Sigourney Weaver. Em uma época em que as mulheres em filmes de ficção científica eram frequentemente relegadas a papéis secundários, Ripley trouxe uma nova definição de força feminina. Sua personagem não é apenas uma sobrevivente, mas também uma líder que toma decisões difíceis e enfrenta situações de alta pressão com bravura. Esta representação de mulheres fortes desafiou estereótipos de gênero, estabelecendo um novo padrão que influenciaria não apenas o gênero de ficção científica, mas também o cinema em geral, ganhando ressonâncias em subgêneros como o slasher.

A luta de Ripley contra o Xenomorfo pode ser interpretada como uma metáfora para a luta contra as monstruosidades do patriarcado e dos papéis de gênero tradicionais. As dinâmicas entre os membros da tripulação e a forma como a mulher é percebida na sociedade refletem as tensões contemporâneas sobre gênero e autoridade, estabelecendo uma conexão que continua relevante em debates atuais. A produção também retrata, junto ao seu viés de entretenimento, um debate sobre desumanização e o papel da tecnologia. Ao longo do filme, Ridley Scott também nos leva a refletir sobre a desumanização e o impacto da tecnologia na sociedade. Os membros da tripulação são retratados como parte de uma máquina maior, subordinados aos objetivos da corporação Weyland-Yutani. A prioridade da empresa em explorar e lucrar com novas descobertas, em detrimento da vida de seus funcionários, espelha as críticas contemporâneas ao capitalismo e à exploração em ambientes corporativos.

Esse vínculo entre a desumanização e a tecnologia é amplificado na interação com “Mother”, que é fria e calculista em suas decisões. A relação entre o ser humano e a máquina levanta questões sobre o controle e a autonomia, sugerindo que, em busca de avanços tecnológicos, podemos nos tornar reféns das próprias inovações, perdendo o controle sobre nossas vidas. Ademais, o impacto de Alien na cultura popular e na indústria do cinema é indiscutível. O filme gerou uma franquia que se estendeu por várias sequências, quadrinhos e jogos, solidificando a posição do Xenomorfo como uma das criaturas mais icônicas do cinema. E tem mais: influenciou uma geração de cineastas e escritores na abordagem do terror e da ficção científica. O legado de Ellen Ripley como uma heroína forte e complexa reverberou em muitas outras obras, influenciando a representação de personagens femininas em Hollywood, pois Alien não apenas acrescentou uma nova dimensão à narrativa de ficção científica, mas também redefiniu o que significa ser um protagonista em um mundo muitas vezes dominado por narrativas masculinas.

Nos comentários da edição em blu-ray, oriunda de uma faixa comentada realizada em 2003, para o formato DVD, Ridley Scott explora a estratégia de usar escuridão e mistério para ocultar a criatura alienígena, o que não apenas disfarçava os efeitos especiais limitados da época, mas também envolvia o público na narrativa, criando um medo e uma tensão que emergem do desconhecido. Scott argumenta que o que realmente impacta a experiência do espectador não é o que ele vê, mas o que imagina ter visto. Essa abordagem gerou uma atmosfera de suspense que transformou a percepção do filme, fazendo com que o público se sentisse parte da tripulação da Nostromo, compartilhando o medo dos personagens diante da ameaça invisível. E mais: Scott salienta a evolução da aparência do Alien durante o filme, o que contribuiu para manter o interesse e a tensão constante. A transformação da criatura corresponde à habilidade do diretor de controlar o ritmo e maximizar os pontos fortes da narrativa. Embora Alien: O Oitavo Passageiro tenha sido apenas seu segundo filme e Scott tenha enfrentado limitações criativas devido a “parceiros difíceis”, sua abordagem inovadora contrapunha-se à típica representação de monstros em filmes de terror da época. O foco do diretor era explorar o que é sugerido em vez do que é mostrado, como evidenciado pela icônica frase do trailer: “No espaço, ninguém pode ouvir você gritar”, capturando a essência do medo e da solidão presentes na obra.

Com roteiro de Dan O’Bannon, desenvolvido em colaboração com Ronald Shusett, Alien: O Oitavo Passageiro teve uma excelente equipe técnica para assegurar o seu desenvolvimento. A direção de fotografia de Derek Vanlint desempenha um papel essencial ao capturar a claustrofobia das imagens internas da nave Nostromo, ao mesmo tempo em que realça as nuances de um excelente elenco. O design de produção de Michael Seymour também é digno de nota, pois estabeleceu um padrão visual que se tornaria referência para obras futuras no gênero. Este ambiente denso e opressivo serve como pano de fundo perfeito para a narrativa de suspense e terror que Scott desenvolve ao longo do filme. Outro aspecto crucial do sucesso da produção é a trilha sonora composta por Jerry Goldsmith. A música se caracteriza por sua atmosfera assustadora e ameaçadora, utilizando harmonias atonais e texturas orquestrais para intensificar a sensação de perigo iminente. Apesar de sua inovadora abordagem musical, a relação entre Goldsmith e Ridley Scott foi marcada por tensões, especialmente devido ao uso de faixas temporárias na edição. No entanto, a partitura é amplamente elogiada por sua beleza sombria e a maneira como evoca uma claustrofobia que é intrínseca ao filme, tornando-se um elemento fundamental na construção da experiência de terror espacial.

Outro ponto presente nos comentários e que merece ser delineado é o trabalho de concepção da nave e do monstro. O diretor e os demais participantes destacam que design de produção os aspectos estéticos do filme combinam a perspectiva orgânica de H.R. Giger com o visual sombrio e realista. Essa fusão não apenas estabelece uma atmosfera opressora, mas também cria um inimigo aterrorizante com características biomecânicas que exploram temas de medo e sexualidade. As imagens icônicas geradas por Giger, que possui uma formação em arquitetura e design industrial, fundem o orgânico e o mecânico, levando a formas que evocam tanto repulsa quanto fascínio. O ambiente da Nostromo, com suas tecnologias avançadas e aspecto industrial, reflete um toque de realismo que contrasta com as expectativas típicas do gênero, criando um cenário que se torna quase palpável e crível. A atmosfera tensa do filme é ainda mais intensificada pela iluminação cuidadosamente projetada, que frequentemente oculta a criatura, e pelo design de som, que instila um sentimento de pressentimento e horror. Em vez de recorrer a CGI, as limitações da época levaram à utilização de efeitos práticos, conferindo um caráter orgânico e imersivo ao terror apresentado.

A famosa cena do “chestburster”, em que um alienígena irrompe do peito de uma vítima, é um exemplo perfeito dessa abordagem, utilizando efeitos práticos para provocar reações genuínas de medo e repulsa nos atores e no público. Esse compromisso com o design visual e os efeitos práticos não apenas redefiniu o gênero de ficção científica, mas também estabeleceu novos padrões para a construção de tensões no cinema, influenciando toda a indústria. E, por fim, podemos dizer que o clássico é um pesadelo filmado no espaço, prestando homenagem aos filmes de terror da década de 1970 e à literatura de H.P. Lovecraft. O primeiro ato do filme apresenta um ritmo cadenciado que valoriza a atmosfera de suspense e estranheza, deixando o espectador em um estado de apreensão e desconforto, preparando-o para o horror que se aproxima. A nave Nostromo se torna uma espécie de casa assombrada, onde seu interior evoca sentimentos de desamparo e desumanização. A narrativa se desenvolve como um pesadelo, começando de forma simples e evoluindo para uma experiência cada vez mais aterrorizante, culminando em um desejo intenso de despertar. O diretor Ridley Scott manipula habilidosamente as emoções do público através dos personagens, especialmente com Kane (John Hurt), que, embora introduzido como vital para a trama, é o primeiro a sofrer uma morte trágica. Ao mesmo tempo, a figura de Ripley começa a emergir com sutis mensagens feministas, que se revelam essenciais para sua adaptação e sobrevivência a bordo da nave.

Ademais, o filme aborda temas como o niilismo do capitalismo, a amoralidade da prática científica representada pelo personagem Ash, e a ameaça de violação sexual, destacando a figura feminina como a única sobrevivente, uma raridade no cinema hollywoodiano da época. É um daqueles filmes para rever sempre que possível. Estrutura dramática simples, mas uma obra-prima da execução. Ah, o enredo? Sim: Alien: O Oitavo Passageiro gira em torno da nave espacial rebocadora Nostromo, que está em sua jornada de volta para a Terra, carregando uma refinaria e 20 milhões de toneladas de minério, com sete tripulantes em criossono. Durante a viagem, a nave recebe uma transmissão de origem desconhecida de um planetoide próximo, levando o computador da Nostromo a acordar a tripulação. Sob a ordem de seus empregadores, a equipe desanexa a nave da refinaria e aterrissa no planeta, resultando em danos à sua estrutura. O Capitão Dallas, o Primeiro Oficial Kane e a Navegadora Lambert saem para investigar a origem do sinal, enquanto a Subtenente Ripley, o Oficial de Ciências Ash e os Engenheiros Brett e Parker permanecem a bordo para monitorar o progresso da equipe e realizar reparos.

Durante a exploração, Dallas, Kane e Lambert encontram uma nave alienígena abandonada e, dentro dela, os restos de uma gigantesca criatura, cuja estrutura esquelética sugere uma morte violenta. Ao mesmo tempo, o computador da Nostromo começa a decifrar a transmissão, revelando que se trata de um alerta. Em uma descoberta crucial, Kane encontra uma câmara repleta de ovos, um dos quais libera um maniforme que se fixa em seu rosto. Dallas e Lambert levam o personagem de volta à Nostromo, mas Ash permite que eles entrem, ignorando o protocolo de quarentena estabelecido por Ripley. As tentativas de remover o maniforme falham, e a tripulação logo descobre que o sangue do ser é um ácido extremamente corrosivo. A criatura eventualmente se solta e morre, mas a tripulação, agora alertada para os perigos que enfrentam, prossegue com sua viagem de volta à Terra após reparar a nave, deixando no ar um crescente sentimento de temor sobre o que realmente encontraram. E, depois disso, é terror e tensão até o seu desfecho, garantido as sequências que se inspiraram na execução de Scott, mas trouxeram outros realizadores para dar continuidade ao império monstruoso dos alienígenas, agora em exibição numa excelente série televisiva disponibilizada em 2025.

Alien, O Oitavo Passageiro (Alien, Estados Unidos, 1979)
Direção: Ridley Scott
Roteiro: Dan O’Bannon e Ronald Shusett
Elenco: Tom Skerritt, Sigourney Weaver, Veronica Cartwright, Harry Dean Stanton, John Hurt, Ian Holm, Yaphet Kotto, Bolaji Badejo, Helen Horton
Duração: 117 min.

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