Desde que foi anunciado, as expectativas em torno de Amores Materialistas foram inevitáveis, afinal, o que Celine Song, nome por trás de Vidas Passadas, faria com uma comédia romântica nos moldes dos clichês americanos que se popularizaram na cultura pop? Mesmo que essa não tenha sido a descrição do projeto, assim ele foi comercializado. Pensar que Song faria do seu segundo longa-metragem, estrelado por Dakota Johnson, Pedro Pascal e Chris Evans uma rom-com à moda antiga, com eles vivendo um triângulo amoroso na linha do “com quem ela ficará: o rico ou o pobre”, era, no mínimo, tentador. Ao contrário de elaborar um filme com ares de A Proposta e O Casamento do Meu Melhor Amigo, a cineasta sul-coreana-canadense parece ter se inspirado em Material Girl, de Madonna, para compor a trama que reflete os relacionamentos contemporâneos.
Só na abertura do longa é possível perceber que se trata de uma rom-com diferente ao termos um prólogo sarcástico fazendo reflexões sobre o seu título: o amor baseado no “materialismo” é antigo? Mesmo partindo de uma premissa familiar aos amantes do subgênero, Song nunca a abraça além da superficialidade. Na cena em que Lucy (Johnson) esbarra com um desconhecido e entrega o cartão da agência que promete encontrar o match perfeito para seus clientes, talvez seja o maior flerte que a cineasta imprime dos clichês dos anos 2000 ao introduzir a protagonista como uma mulher de negócios vivendo a vida dos sonhos em Nova York, e que termina caindo na mesma realidade que arranja para inúmeras pessoas: quem é o par ideal?
Em diferentes romances, principalmente os que bebem dos contos de fadas, têm em coração a busca pelo amor verdadeiro como o maior objetivo de seus protagonistas, porém, Song quer seguir um caminho diferente, original, o que fica evidente no texto que constantemente leva a reflexão das relações modernas. Mesmo se inspirando em experiências pessoais como casamenteira, momentos como a agência de relacionamentos, e de Lucy e suas colegas comemorando os resultados são apenas elementos dos quais a cineasta usa para capturar a atmosfera dos clássicos, porém, um olhar mais atento percebe que o clima leve e escapista com situações paralelas está longe de fazer parte desse mundinho que questiona o capitalismo na nossa maneira de se relacionar: os diálogos longos, a forma distante com a qual a fotografia de Shabier Kirchner filma uma conversa numa sacada ilustram o olhar introspectivo e quase melancólico com a qual Song concentra Amores Materialistas.
Não é que a cineasta tivesse a intenção de reinventar a roda, mas a divulgação foi inteligente em fazer acreditar que essa seria uma comédia romântica “como antigamente”, o que faz lembrar de uma fala de Kate Hudson sobre a ausência de filmes desse tipo “porque é difícil trazer atores masculinos para o subgênero, e que o segredo de tais produções eram por ser bem escritas e dirigidas”. E se observarmos, o mais próximo disso que tivemos nos últimos anos foi Todos Menos Você por se inspirar nos moldes e contos clássicos, enquanto que Materialists é como se a Marvel quisesse fazer um filme mais sério, pegando como exemplo a fama “intimista” da A24, e fizesse aqui “a rom-com da A24”. Por mais que Song homenageie os clássicos, não é como se fosse Nora Ephron fazendo um drama romântico ao contar uma história sobre a contradição que é se relacionar, mas temos aqui um filme que acerta mais de forma isolada do que como um todo.
O fato de contarmos com um grande elenco cai como uma luva para a reflexão do “amor de negócios”, da busca por um ideal baseado em padrões de beleza, financeiros e detalhes específicos uma vez que Pascal é o galã do momento e está em quase todas as produções atualmente assim como Johnson é um forte nome feminino nas produções mesmo que sua atuação seja coloca em dúvida, enquanto Evans não é levado a sério além do que fez como o Capitão América. Se por um instante o anúncio do trio fez imaginar algo próximo da rivalidade masculina entre Patrick Dempsey e Hugh Grant em O Diário de Bridget Jones, a culpa é somente das expectativas, mas é fato de que Amores Materialistas carece de química, de tempero até mesmo para empolgar. Song está muito convencida da discussão que quer trazer, contudo, a direção é sóbria, cômoda, nunca parecendo atingir o nível emocional que pretende — a exemplo da cena de flashback e seu impacto narrativo.
Se por um lado a cineasta demonstrou ter muito controle narrativo e visual em Past Lives, aqui isso pouco se destaca além da obviedade — os planos mais abertos quando Lucy está com Henry, e planos mais fechados e íntimos em momentos com John. E assim como o flashback soa deslocado, a rima visual da cena de abertura e a final parece um trecho alternativo forçado em um filme que se estende o tempo para contar essa história na intenção de criar seu próprio “era uma vez”, assim, Song troca o melodrama e acasos dos romances clássicos pelo cinismo e a fábula do “felizes para sempre” pelo amor como uma forma de negócio. Longe de querer se colocar como certa ou errada, Materialists apenas mostra que, assim como o sexo pode ser visto como um cardápio, há outros critérios sendo discutidos quando o assunto é se relacionar, e que dá para ser um romance sem romance, uma comédia sem a comédia e um drama sem o drama.
Amores Materialistas (Materialists – EUA, 2025)
Direção: Celine Song
Roteiro: Celine Song
Elenco: Dakota Johnson, Chris Evans, Pedro Pascal, Zoe Winters, Marin Ireland, Dasha Nekrasova, Eddie Cahill, Sawyer Spielberg
Duração: 116 min.
