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Crítica | Antes do Amanhecer

por Gabriel Ferreira Vieira
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No primeiro capítulo de sua Trilogia do Antes – antes de eles finalmente calarem a boca –, Richard Linklater prova sua sensibilidade estabelecida em Jovens, Loucos e Rebeldes (1993) e a valoriza em um filme menos dinâmico, porém profundo, com diálogos a níveis fetichistas nos quais qualquer artista gostaria de entrar com a pessoa amada 24 horas por dia. Antes do Amanhecer é uma obra, antes de tudo, de extremo pulso artístico e filosófico – ao menos para o nível que vemos na era pós-moderna –, que, além das divagações óbvias sobre o amor, fala sobre culturas diferentes e existencialismo.

Começando o filme acertadamente nos mostrando que estamos em uma viagem, a câmera filma os trilhos de trem passando a toda velocidade e, logo em seguida, somos apresentados ao lugar que vamos quando a câmera filma um vasto campo e casinhas austríacas. Dentro do trem estão os dois personagens principais, Jesse e Celine, cada um passando por um momento diferente da vida, e fazendo aquela viagem para rumos completamente diferentes. Quando eles se cruzam, a simples troca de olhar – a beleza de um agradando o outro, como sempre é assim que começa no amor – já os faz entrar no primeiro de muitos (muitos mesmo) diálogos.

O que Linklater se voltava a oferecer em todos os seus filmes nos anos 90 era a exploração de mundos – no já citado Jovens, Loucos e Rebeldes, por exemplo, é o mundo dos adolescentes –, e nesse filme vemos uma exploração cultural europeia bastante aguçada: cada detalhe, cada pequena diferença de comunicação (até a contagem de horas europeias, que, como no Brasil, conta-se até 24 horas, enquanto que nos EUA até 12), nos levando a uma tour cultural que só faz ficar mais interessante quanto mais o filme passa e o amor entre os dois evolui e parecemos fazer cada vez mais parte de Viena. É justamente essa alegoria que engrandece o amor criado pela história do filme, mostrando a união que acontece entre duas culturas tão diferentes – que em alguns momentos vemos sair pequenas faíscas – e, no final das contas, prevalece o sentimento bom um pelo outro. Mais interessante ainda a escolha de uma personagem francesa para ser o amor do americano Jesse – sendo a França um país que vê os EUA, desde o século XX, como seu maior concorrente na produção artística e intelectual.

Mais além de suas belezas físicas, a união entre eles fica mais forte pelos assuntos, cada vez mais profundos, que decidem entrar – diferenças entre homens e mulheres, ex-namorados, fragmentação de almas, a beleza e o amor, são alguns exemplos –, e que sempre acabam se voltando para o puro existencialismo. E, talvez o maior acerto de Linklater e de Kim Krizan (que também escreveu o roteiro), foi a sensibilidade de prestar atenção que, sempre que uma relação amorosa está aflorando, é necessário conhecer o outro, e para isso cada um conta um pouco sobre a sua própria vida para que o outro se sinta confortável em também o fazer, e, assim sendo, o filme conversa com o espectador sobre como o ser humano enxerga ele próprio no meio do mundo quando coloca Jesse e Celine para falaram sobre si próprios um para o outro. E, mais adiante, quando os dois começam a falar um sobre o outro, as cartas da conversa mudam e os dois roteiristas mostram como é contrastante sua própria visão sobre você e a visão do outro sobre você – e como, nos casos mais extremos, isso pode ser pessoalmente frustrante.

De fato é uma obra sem precedentes, no mundo do cinema, na questão de direção de atores e evolução de diálogos (numa obra que se propõe ser 100% voltada para diálogos). Ethan Hawke e Julie Delpy são dois monstros com performances tão naturais quanto se pode tirar de um ator, e com uma das melhores químicas entre atores já vista. Richard Linklater pegou o que fez de melhor em seus primeiros filmes e começou, em Antes do Amanhecer, a caminhar os primeiros passos para Boyhood – Da infância à Juventude, marcando a década de 90 e o cinema universal com uma obra sensível e especial.

Antes do Amanhecer (Before Sunrise) – EUA, Suíça, Áustria, 1995
Direção:
Richard Linklater
Roteiro:
Richard Linklater, Kim Krisan
Elenco: Ethan Hawke, Julie Delpy, Andrea Eckert, Hanno Pöschl, Karl Bruckschwaiger, Tex Rubinowitz, Erni Mangold, Dominik Castel, Haymon Maria Buttinger, Hans Weingarther, Harald Waiglein, Bilge Jeschim
Duração: 101 minutos.

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