Petra Costa ficou conhecida no circuito internacional por Democracia em Vertigem, em que construiu uma narrativa íntima e emotiva sobre os processos que levaram ao impeachment de Dilma Rousseff e a ascensão de Jair Bolsonaro. Ali, seu olhar pessoal se misturava ao político, criando um recorte que, mesmo não isento de críticas, tinha força por convidar o público a vivenciar uma perspectiva em primeira pessoa de um período conturbado. Essa costura de memória pessoal com eventos políticos gerou um documentário que, mesmo para quem discordava, instigava debate e curiosidade. É com esse histórico que a diretora chega a Apocalipse nos Trópicos, carregando expectativas de um olhar aprofundado sobre a relação entre o movimento evangélico e o bolsonarismo.
O documentário, narrado em inglês, deixa claro que tem como público principal o estrangeiro que busca entender o Brasil recente. Nesse aspecto, o filme funciona bem: ao resumir uma década de política brasileira e o crescimento do evangelismo, Petra constrói uma narrativa didática, apresentando gatilhos sociais que impulsionaram a explosão do movimento evangélico, as principais lideranças e o impacto na vida social do país. Para quem não tem noção sobre a influência evangélica na política brasileira, Apocalipse nos Trópicos funciona como uma boa introdução, usando figuras como Silas Malafaia como síntese de um pensamento maior, ainda que de forma simplificada.
Contudo, quem espera uma reflexão mais aprofundada, provocativa ou um ângulo inédito, sairá frustrado. O paralelo entre o livro do Apocalipse na Bíblia e a democracia brasileira soa raso, como uma comparação que se sustenta apenas pela força da palavra. O documentário recorre a imagens de pastores lendo passagens bíblicas ou a frases pontuais de cunho religioso, tentando traçar uma analogia entre o discurso apocalíptico e o colapso democrático brasileiro. Mas a conexão fica apenas na superfície: falta ao filme o mergulho em como as profecias do Apocalipse são usadas para legitimar determinados comportamentos ou como a retórica de fim dos tempos molda o comportamento político de massa com exemplos práticos. Ao invés disso, fica-se no uso de citações e imagens ilustrativas, sem construir uma análise mais densa sobre como o imaginário religioso se conecta ao projeto de poder político.
Portanto, falta ao documentário substância, falta desconforto, falta a camada de complexidade que faça o público olhar para o tema de forma nova. A narração de Petra, que já tinha funcionado em Democracia em Vertigem como ferramenta de intimidade, aqui soa cansativa e, em alguns momentos, pedante. Além disso, o recurso interfere no ritmo sempre que o documentário começa a engatar com imagens de arquivo ou entrevistas inéditas.
No fim das contas, essa é uma obra que se resume a confirmar crenças: quem é de esquerda verá suas ideias representadas em tela e poderá sentir-se confortado; enquanto quem é de direita provavelmente se irritará e se sentirá injustiçado. Porém, o documentário não traz nada de novo para um debate que já foi amplamente exposto nos últimos dez anos na mídia brasileira. Ademais, a divisão em capítulos e o tom didático travam o ritmo, tornando-o mais uma “aulinha” do que uma obra documental vibrante, ainda que tecnicamente bem realizada.
O mais frustrante para quem sabe da urgência do tema é perceber o potencial do projeto. Existe aqui o orçamento, distribuição internacional e repercussão para abordar um assunto fundamental, mas que acaba entregue em um formato seguro e esvaziado. Para quem deseja um conteúdo que denuncie de forma contundente os absurdos do Brasil contemporâneo, Apocalipse nos Trópicos se mostra uma experiência frustrante, que não consegue ir além do básico. O título carrega um peso simbólico, mas o filme parece incapaz de lidar com essa potência.
Apocalipse nos Trópicos – Brasil, EUA e Reino Unido, 2024
Direção: Petra Costa
Roteiro: Petra Costa, Alessandra Orofino, Tina Baz, David Barker, Nels Bangerter
Duração: 109 min
