O que determina um romance histórico? Se todo enredo ficcional se mantém a sua jornada dentro de um contexto específico, toda publicações desse gênero, seria, então, histórica? Essa é uma questão interessante para nos fazermos, mas numa abordagem mais ampla que o espaço disponibilizado para reflexão por aqui. Esse é um assunto para debates sobre crises na teoria da literatura. Deixemos para outro momento. Em linhas gerais, caro leitor, indo pela linha dos estudos literários mais tradicionais, o romance histórico é uma narrativa ficcional que se destaca pela sua abordagem de elementos históricos, frequentemente entrelaçados com crítica social. Este gênero literário permite uma reflexão sobre realidades passadas através de personagens fictícios e figuras históricas ficcionalizadas, promovendo um diálogo entre passado e presente. No Brasil, essa forma de literatura emergiu durante o Romantismo, especialmente após a independência de 1822, como um meio de fortalecer o sentimento nacional. José de Alencar, um dos mais proeminentes autores do século XIX, utilizou o contexto histórico em diversas obras, abrangendo tanto romances históricos quanto regionalistas e indianistas.
Sendo assim, como podemos contemplar nas volumosas páginas de As Minas de Prata, a pesquisa histórica é fundamental para a criação do romance histórico, uma vez que o autor deve ter um conhecimento aprofundado do passado para construir uma narrativa convincente. Essa literatura se relaciona com o nacionalismo que emergiu na segunda metade do século XVIII, e os espaços físicos são representados de maneira que refletem o contexto social e temporal dos personagens. Assim, a temporalidade torna-se um aspecto crucial nas histórias, pois molda as experiências e o desenvolvimento dos personagens ao longo do tempo, enfatizando como o contexto histórico influencia suas vidas e ações. E isso, como nós podemos contemplar em tantos romances publicados por José de Alencar, era um de seus talentos: tornar ficcional algumas situações do passado, tendo em vista estruturar o seu projeto de nacionalidade na literatura.
Confesso que de todos os livros do autor contemplados ao longo de minha formação enquanto leitor de clássicos, As Minas de Prata é um romance cansativo, mas ainda assim importante para compreendermos o seu estilo e o seu audacioso projeto. Publicado em 1862, como parte da Biblioteca Brasileira, com o curioso subtítulo “Continuação do Guarani”, a narrativa excessivamente longa se desenrola em 1609, logo após os eventos do romance anterior, e apresenta D. Diogo de Mariz, filho de D. Antonio e irmão da heroína Ceci, O Guarani. A publicação completa aconteceu entre 1864 e 1866, em seis volumes, e é considerada uma referência fundamental na literatura romanesca brasileira, reunindo uma trama rica e coesa ambientada no século XVIII, marcada pelo espírito aventureiro. Concordo com tudo isso, mas não posso deixar de dizer que é um desafio tanto para quem busca diletantismo quanto para aqueles interessados em propostas pedagógicas para educação literária na contemporaneidade.
O enredo se desenrola na Bahia do século XVII, envolvendo os personagens nas lendárias Minas de Prata, cuja fortuna tem o potencial de determinar o destino da colônia. O protagonista, Estácio, busca não só a riqueza, mas a honra de seu pai e o amor de Inês, enquanto enfrenta o ambicioso Padre Molina. A narrativa, de estilo rocambolesco, com a habitual poética e complexidade sintática típica do autor, entrega suas descrições detalhadas e cenas de ação, incluindo conflitos e conspirações, refletindo a profundidade e a virtuosidade da escrita de Alencar, um escritor desafiador para os leitores, espectadores e internautas da atualidade, temerários até mesmo de legendas de postagens em redes sociais, quanto mais lidar com as frondosas descrições da natureza e conflitos de personagens estabelecidos por aqui. Não custa tentar, adianto, mas confirmo que é um desafio enorme, tão gigantesco quanto o livro em si.
Em As Minas de Prata, José de Alencar demonstra uma preocupação em registrar não apenas os fatos históricos, mas também a vida de personagens comuns, permitindo ao leitor uma conexão mais íntima com a narrativa. Através do personagem central, Estácio, o autor constrói um herói que busca suas próprias verdades além das questões de lealdade à pátria. Essa abordagem inova ao transformar o fato histórico em uma ferramenta de formação da consciência nacional no Brasil do século XIX. Os leitores são transportados para a vida das personagens, vivenciando os acontecimentos e desenvolvendo um sentimento de pertença e identidade nacional ao se identificar com as paixões que movimentam os indivíduos da escuta histórica. Já a figura do português Vaz Caminha emerge como um exemplo primordial de sentimento de pertencimento à pátria, refletindo a saudade e a busca por um lar distante. Sua dor e anseio por Portugal evocam a mesma intensidade de sentimentos presentes em poemas como a famosa Canção do Exílio, de Gonçalves Dias, ressaltando a ideia de que é assim que deve se amar a pátria. Em linhas gerais, um romance denso, longo, com picos distantes entre os conflitos que geram fortes emoções, mas uma narrativa esclarecedora para os interessados na história de nossa rica literatura.
As Minas de Prata (Brasil, 1865)
Autor: José de Alencar.
Editora: Melhoramentos
Páginas: 1049.