Em 2013, um ano antes de falecer, a nonagenária Margot Wölk, a última sobrevivente das 15 provadoras de comida potencialmente envenenada a ser servida para Adolf Hitler na Toca do Lobo, deu uma entrevista à famosa revista alemã Der Spiegel, finalmente revelando a própria existência desse grupo de mulheres alemães forçado a fazer esse “serviço pela pátria”. Esse era um detalhe totalmente desconhecido – apesar de objeto de suposições por historiadores – sobre a paranoia que envolvia o cotidiano do líder nazista, que, como se sabe, foi alvo de inúmeras tentativas de assassinato que, infelizmente, falharam. Em 2018, a autora italiana Rosella Postorino, inspirada por essa história real, escreveu e publicou Na Mesa do Lobo, ficção histórica que é a base principal e direta para a adaptação audiovisual sob análise, dirigida por Silvio Soldini em uma coprodução da Itália, Bélgica e Suíça com atores germânicos e inteiramente falada em alemão.
A história gira em torno principalmente de Rosa Sauer (Elisa Schlott), mulher originalmente de Berlim que, em 1943, se muda para a casa de seus sogros na Prússia, em região que hoje é a Polônia, aguardando o retorno do marido Gregor, soldado alemão que luta no fronte soviético e, sem demora, é levada pela SS, juntamente com um grupo de mais seis mulheres, para servirem de provadoras, retornando à base alemã próxima da Toca do Lobo duas vezes por dia para provar tudo aquilo que seria servido para Hitler e seus oficiais, tensamente aguardando uma hora após cada refeição para descobrir se há algum tipo de veneno ou não. Recebida inicialmente com preconceito pelas demais provadoras em razão de Rosa ser a única vinda de cidade grande e por isso, em tese, ser mais “sofisticada”, aos poucos conexões fortes entre as mulheres vão sendo feitas e a narrativa vai se abrindo entre aquelas que simpatizam com o regime (como é o caso dos sogros de Rosa, vale dizer) e aquelas que estão ali unicamente porque não têm alternativa alguma, já que a SS as faz comer sob ameaça.
Em princípio, é difícil imaginar como uma história dessas poderia render um longa metragem, já que há pouco espaço para ação propriamente dita, e uma eventual estrutura de “quem vai morrer envenenada hoje?” tornaria a obra uma banalidade sem muita razão de ser, algo felizmente evitado. No entanto, a saída para a construção de uma história mais robusta acaba passando por escolhas talvez comuns demais, o que não é exatamente um grande problema, mas que acaba retirando um pouco da vitalidade da premissa, deixando o longa descambar para uma certa normalidade. Há um estanho romance, há uma conexão com a perseguição dos judeus, há a provadora radicalmente pró regime, há a violência dos oficiais contra as mulheres, mesmo considerando que elas são alemães e, claro, há um pouco da tensão natural trazida pela base da história, mas o conjunto todo não é muito orgânico, mais parecendo linhas narrativas separadas que são forçadas a se conectarem debaixo de momentos dramáticos, com as ambiguidades e sutilezas lentamente desaparecendo por completo.
Talvez o problema esteja no romance original, mas não posso afirmar com certeza por não o ter lido, ou talvez a questão se origine dos seis roteiristas creditados na obra, o que não costuma ser uma boa notícia para coesão narrativa, especialmente porque esses vários nomes normalmente indicam que o roteiro passou por sucessivas revisões que provavelmente foram levando a história para outras direções. Mas, se o texto decepciona, o mesmo não pode ser dito da competente direção de Soldini que trabalha com belos enquadramentos e consegue extrair o melhor possível do grupo de atrizes, notadamente de Elisa Schlott, que é a âncora narrativa. A direção de fotografia de Renato Berta e os figurinos de Marina Roberti dão conta da captura da atmosfera de época em uma região empobrecida que precisa entregar toda sua produção ao aparato militar da Toca do Lobo, conseguindo criar a conexão visual que prende o espectador ao drama que transcorre na tela.
No entanto, trata-se de um filme que sem dúvida alguma se segura sobretudo pela sua premissa real inusitada, brindando o espectador com o descortinamento de um detalhe “pequeno” dos bastidores do cotidiano da Toca do Lobo. Claro que a obra teria se beneficiado de mais foco e menos digressões que saem da premissa e caminham por estradas já viajadas muitas vezes, mas a história das provadoras de Hitler merecia mesmo ser contada no audiovisual mesmo com todos os seus problemas.
As Provadoras de Hitler (Le Assaggiatrici – Itália/Bélgica/Suíça, 2025)
Direção: Silvio Soldini
Roteiro: Doriana Leondeff, Silvio Soldini, Cristina Comencini, Giulia Calenda, Ilaria Macchia, Lucio Ricca (baseado em eventos reais e em romance de Rosella Postorino)
Elenco: Elisa Schlott, Max Riemelt, Alma Hasun, Emma Falck, Olga von Luckwald, Thea Rasche, Berit Vander, Kriemhild Hamann, Nicolò Pasetti
Duração: 123 min.