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Crítica | Assassinato na Casa Branca (2025)

Quem matou o mordomo?

por Kevin Rick
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Mais novo sucesso temporário da Netflix, Assassinato na Casa Branca é praticamente uma obra feita por fãs para fãs. Estou falando, claro, das óbvias inspirações do criador Paul William Davies e dos diretores da minissérie, Liza Johnson e Jaffar Mahmood, em obras de whodunnit. O showrunner e os cineastas não escondem nem um pouco suas inspirações em grandes produções desse tipo de trama, passando de clássicos literários de Agatha Christie até obras recentes como Entre Faca e Segredos, com uma onda de referências que vão desde pequenos acenos em easter-eggs e títulos dos episódios, até homenagens mais diretas com escolhas narrativas e abordagens técnicas, começando pelo cenário típico de um mistério de assassinato: um enredo majoritariamente centrado em uma única locação (nada mais, nada menos do que a própria Casa Branca), com diversos suspeitos e uma grande detetive chamada Cordelia Cupp (Uzo Aduba), excêntrica exatamente como seu nome sugere e como esse tipo de história normalmente precisa.

O assassinato a ser resolvido é de A. B. Wynter (Giancarlo Esposito, em um papel que finalmente não o estereotipa), o mordomo-chefe da Casa Branca, que precisa lidar com diversos funcionários complicados que odeiam ele ou que, no mínimo, têm sentimentos mistos com a postura rígida e as escolhas, em tese, antiquadas do personagem, com o ápice do atrito da staff ocorrendo durante um jantar diplomático entre os EUA e a Austrália, onde Wynter é encontrado morto. Apesar do background político, a minissérie em nenhum momento finge ter um tom mais sério ou de real suspense, com o texto assumindo o descompromisso e o bom humor como linguagem da investigação, razão pela qual grande porção dos suspeitos são caricaturas engraçadas, começando pelo presidente dos EUA que não consegue decidir nada ao longo da minissérie, passando pelo serviço secreto atrapalhado – um personagem em específico, chamado Colin Trask (Dan Perrault), é absolutamente hilário em suas diversas gags, com destaque para as piadas recorrentes com Hugh Jackman e Kylie Minogue -, e chegando na equipe maluca que cuida da Casa Branca, todos com segredos diferentes e personalidades distintas, muitos dos quais são alguma forma de paródia.

Inclusive, a comédia de mistério aqui bebe muito da sátira, não tanto no lado político (que tem pouco espaço temático, apesar de vermos um ensaio disso em alguns momentos), mas de elementos de um local de trabalho, até mesmo trazendo ingredientes de sitcoms de workplace em tom de mocumentário que vemos aos montes desde os anos 2000, bem como da mídia, com destaque para as piadas sobre as escolhas equivocadas e modernas de Lilly Schumacher (Molly Griggs), e até de uma tiração de sarro com diferentes instituições americanas (nesse sentido, gosto bastante do bloco nas audiências ou das picuinhas entre as diferentes agências de segurança). Talvez seja impressão minha, mas também noto piscadelas para o estilo narrativo de screwball comedy e seu humor maluquinho, pouco convencional e com toques românticos em um determinado núcleo, fazendo referência aos clássicos do gênero, como Charada (1963), para dar um exemplo famoso. Essa mescla de elementos geram as deliciosas dinâmicas do grande grupo de personagens que ficam perambulando pela Casa Branca – que, de diversas maneiras, me lembrou a abordagem de Os Sete Suspeitos (1985) -, até com algumas pontas de leituras sociais e de diferença de classes, mas principalmente com o tom humorístico mesmo, em especial sobre a passagem de tempo e as transições cheias de atritos entre os diferentes pensamentos geracionais que fazem parte deste ambiente de trabalho.

A estrutura da narrativa é comum para histórias dessa ordem, com uma construção estofada de backstories, flashbacks e um vai e vem danado a cada descoberta, entrevista ou reviravolta da investigação. A montagem tem um trabalho complexo, nem sempre com o resultado mais fluido, mas eficiente dentro dos desvios e linhas temporais da minissérie. Paul William Davies não tem medo de ser mirabolante, com um processo detetivesco extremamente intricado e com uma quantidade gigantesca de diferentes voltas, linhas tortas e fios que não se acabam, no que é um texto divertido em sua brincadeira com perspectivas e na forma metalinguística que o showrunner nos puxa para dentro do whodunnit, com destaque para o personagem Edwin Park (Randall Park), que é uma personificação da audiência dentro da produção. No entanto, é inegável como o roteiro de homenagens da obra encontra certos limites, com uso demasiado de conveniências narrativas, um claro exagero no número de núcleos que leva a uma certa exaustão e a uma história esticada além da conta, e soluções nem sempre inteligentes, como a péssima sequência de Tripp Morgan (Jason Lee) explicando seu papel no assassinato de Wynter. A falta de um senso de urgência ou de um suspense mais encorpado também atrapalham o drama, que aparece aqui e ali, mas sempre sem brilho e subsidiário à comédia.

Parte desses problemas são escondidos por Uzo Aduba, que faz com destreza o papel de corrente entre as diversas tramas da minissérie. A atriz lida muito bem com os maneirismos e a caracterização excêntrica da sua personagem, mas é seu deboche, seu timing cômico e principalmente sua presença de superioridade bem humorada que a destaca nas diversas cenas e reviravoltas da história – gosto das inserções de flashbacks dela, que ajudam a desenvolvê-la, no que é possivelmente um início de franquia para Cordelia Cupp. A engenhosidade visual da minissérie é outro fator que mascara alguns superficialismos narrativos, com os diretores Liza Johnson e Jaffar Mahmood entendendo muito bem suas inspirações visuais, no que é um trabalho cuidadoso em criar uma espécie de labirinto dentro da Casa Branca, com planos que emulam jogos de tabuleiro, outros que brincam visualmente com a fixação da detetive em pássaros (como o shot aéreo do falcão) e encenações claustrofóbicas que se divertem com vários pontos de vista, pistas escondidas e algumas passagens secretas do espaço. Também vale destacar o design de produção, principalmente em interiores e na forma como deixam cada quarto distinto. A personalidade visual da obra só não é acompanhada de uma trilha sonora melhor, que deixa a desejar ao longo da minissérie.

Assassinato na Casa Branca é uma carta de amor para whodunnits, se inspirando em diversos clássicos para entregar algo que, se não exatamente original, é autêntico e sincero em suas homenagens. A abordagem de fã do criador Paul William Davies esbarra em problemas de organicidade e de um mistério em muitos momentos genérico e sem soluções sagazes o suficiente para justificar o enredo complicado, incluindo um desfecho demasiadamente expositivo, mesmo para histórias do gênero. Dito isso, a falta de profundidade ou de astúcia não atrapalham a divertida jornada pela investigação em espiral, seus suspeitos coloridos e carismáticos, a bela produção visual e uma comédia de mistério que entretém e que envolve a audiência ao longo dos oito episódios. Quem sabe veremos mais de Cordelia Cupp no futuro.

Assassinato na Casa Branca (The Residence) — EUA, 20 de março de 2025
Criação: Paul William Davies
Direção: Liza Johnson, Jaffar Mahmood
Roteiro: Paul William Davies
Elenco: Uzo Aduba, Giancarlo Esposito, Susan Kelechi Watson, Jason Lee, Ken Marino, Edwina Findley, Randall Park, Molly Griggs, Al Mitchell, Dan Perrault, Spencer Garrett, Bronson Pinchot, Isiah Whitlock Jr,. Mary Wiseman
Duração: 460 min. (oito episódios)

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