Não seria novidade dizer que, mesmo com quatro filmes em 11 anos, a saga de John Wick se sustentou com um fio de trama genérica, funcionando graças à ação selvagem do seu universo. Ao utilizar os tropos do gênero como sátira ao cinema da testosterona, dos brucutus, fazia dos filmes estrelados por Keanu Reeves um espetáculo, uma vez que há um mundo com regras próprias. Se a minissérie Continental se aventurou em um prequel a fim de explorar a origem de Winston (Ian McShane), Bailarina se dedica a apresentar mais do micro universo introduzido durante o terceiro filme da franquia. Nesse sentido, a trama aqui se passa antes dos eventos de Baba Yaga, tendo o desafio de ser o primeiro longa derivado a introduzir uma personagem central depois do bicho-papão.
Mas mesmo na trivialidade da trama, De Volta ao Jogo levou o absurdo ao extremo ao usar o típico arco do assassino que sai da aposentadoria em busca de vingança, sendo essa motivada pela morte de um cachorro. A diferença entre John Wick e esse novo capítulo está na proposta de apresentar uma história de origem ligada e o curioso submundo das bailarinas, ideia essa de expansão que nunca foi interessante na franquia considerando que o mínimo de informação foi o que tornou a saga atraente, além das características que a compõem: as organizações secretas de criminosos, o sistema de recompensa entre caçadores e assassinos, ternos à prova de bala. Tudo isso fizeram dos filmes um espetáculo ambicioso de ação que era fascinante de ser visto, e Bailarina segue o caminho oposto por pegar fórmula do “brucutu vingativo” espelhá-la da forma mais tradicional com Ana de Armas vivendo Eve Macarro, uma jovem que viu seu pai ser morto, é acolhida por uma escola incomum de balé, a Ruska Roma, até descobrir que se trata de uma corporação que oferece serviços de proteção.
A promessa de expandir esse universo de assassinos em uma escola de balé é o elo mais fraco de Bailarina, uma vez que isso nunca é explorado de fato, a ponto de convencer de que era necessário se afastar da linguagem que os filmes de Wick propuseram. Embora Shay Hatten tenha trabalhado na escrita dos dois últimos longas do Baba Yaga, a proposta em Ballerina é como se estivéssemos de volta a 2011 com Colombiana, com a exceção da ação imagética que faz parte da identidade criada por Chad Stahelski. Se o ponto de partida para esse universo foi a morte de um cachorro, não seria a trama batida de vingança pelos pais que seria interessante. Embora tenha tentado superficialmente se inspirar nas tramas de espionagem no ritual de passagem que torna Eve uma kikimora, a ideia em si não passou de um flerte, já que não se tratou de uma escolha criativa para inserir no Universo John Wick. Por um momento, lembrou do MCU trazendo ares da franquia de Missão: Impossível no filme solo de Viúva Negra, nesse sentido, trazendo uma linguagem conhecida para atrair o público.
Seguindo por essa lógica, dá para entender a escolha de se inspirar em Colombiana nessa história genérica de espiã-assassina em busca de vingança, só não combina com o universo que faria disso uma sátira ao tropo feminino em filmes de ação. Porém, quando o texto deixa essa motivação para a trajetória da personagem de lado, é como voltar ao jogo. De certa forma, Hatten tenta não tornar a história de origem maior do que precisa, embora termine com uma visão pouco significativa da organização. Ainda assim, o que importa mesmo é como a ação é trabalhada. Não há a intenção de desconstruir a imagem de espiãs sexy, como com Wick, um brucutu desengonçado, pernas catrocas, terno, e cabelo no comprimento do rosto, mas também não há um traço de personalidade que possa definir a personagem, mas pode-se dizer que Eve Macarro serve à dinâmica da ação.
É inevitável não fazer comparações aos termos em mente que a parceria de Stahelski e Keanu Reeves era uma cooperação que dava forma à ação dos filmes, sempre em crescente em estilo: as filmagens aéreas, os números de lutas metricamente calculados com a logística do espaço. Nesse sentido, o que a direção de Len Wiseman tenta fazer é emular menos o estilo de Stahelski e utilizar o que tem em mãos para fazer a ação funcionar. O que chama atenção no primeiro momento é o uso do cenário – uma festa ornamentada com gelos esculpidos e luzes roxas – em prol da ação com pancadaria e tiros, depois, a violência. Graças à história de origem, é notável que Eve é iniciante nesse submundo, mas Wiseman termina extraindo algo satisfatório disso ao propor um entretenimento violento e visual caótico.
Se Wick tinha a luta coreografada e o terno como características da ação, Eve desenha sua identidade ao fazer de qualquer objeto uma arma. A ação, por consequência, de uma coisa levar a outra, é a peça que faz o longa funcionar, principalmente pelas mudanças de cenários. Em alguns momentos, Wiseman tenta manter as ideias de Stahelski por perto por se tratar do mesmo universo de filmes – como os planos aéreos –, em outros, há a aposta em cenas de ação mais inventivas e absurdas – como a de lança-chamas – como forma de não deixar a proposta da franquia ser ofuscada por fios narrativos genéricos. Felizmente, para o bem ou para o mal, é um filme do universo John Wick com muito potencial para ser maior, uma vez que é um teste de tentar novos caminhos e continuar o que deu certo. Com o Baba Yaga morto, é muito bom ver que Bailarina não veio para substituí-lo, mas investir numa personagem tão grande como o bicho-papão.
Bailarina: Do Universo de John Wick (Ballerina – EUA, 2025)
Direção: Len Wiseman
Roteiro: Shay Hatten
Elenco: Ana de Armas, Keanu Reeves, Ian McShane, Anjelica Huston, Gabriel Byrne, Catalina Sandino Moreno, Ava Joyce McCarthy, Norman Reedus, Juliet Doherty, Lance Ridick, Sharon Duncan-Brewster, David Castañeda, Victoria Comte, Robert Maaser
Duração: 125 min.