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Crítica | John Wick: De Volta ao Jogo

por Lucas Borba
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Há quem diga que é mais fácil lidar com animais do que com pessoas. Em De Volta ao Jogo, Keanu Reeves é convenientemente pintado com uma imagem plenamente oposta à que lhe cabe: de um animal a ser domado e/ou temido desesperadamente.

Já a premissa deste longa que satiriza o estereótipo do grande matador do cinema americano, que, sozinho, dá conta de exércitos (salve Rambo e companhia), evoca essa confusão entre instinto, razão e emoção. Keanu Reeves é John Wick, um ex-matador lendário da cidade de Nova Iorque. Ele está de luto, pois sua esposa faleceu de uma doença terminal. Não está sozinho, porém. Prevendo a própria morte, ela envia ao marido um cachorro de presente, para que o homem tenha um companheiro em meio ao sofrimento. As coisas seguem tranquilas e com uma melancolia que só se destaca mesmo nessa fase inicial, até que ladrões roubam o carro do ex-matador e, no processo, matam seu cachorro. Wick então desperta seu eu de outrora e inicia uma vingança contra seus agressores, que, como não poderia deixar de ser, têm ligação com contatos passados do matador.

Assim, é interessante observar a fuga que o roteiro faz do cenário clichê, de justificar a vingança pela morte da esposa, mas fazê-lo, de forma redundante, pelo assassinato de um animal dado pela mulher falecida. Essa atribuição do humano a algo inumano parece ser proposital desde o começo, já que, inteligentemente, é a base de toda a sátira contida na narrativa. Afinal, quem vê como humano ou humanamente possível tudo o que os personagens prodígios do cinema de ação são capazes de fazer? Em De Volta ao Jogo, a desumanização de Wick por seus adversários e admiradores é tanta que o cega na aparência. Tudo que há é o mito, belas coreografias de luta e sim, muito sangue e até mesmo ousadia – o filme não hesitou em restringir sua classificação indicativa ao público adulto -, mas nada nem de longe tão assustador ou intimidador que justifique os manifestos de pavor que vemos em tela mediante ao físico de Reeves, totalmente oposto ao característico das produções às quais remete.

É verdade, sim, que o ator demonstra confiança, arrogância e utiliza frases de efeito – numa atuação, aliás, bem mais expressiva do que lhe é de praxe -, e o contraste do aspecto de Reeves com sua presença de câmera só contribui para a criação de situações ainda mais hilárias. Graça essa reforçada pelas variadas reações de outros personagens ao matador, que vão da mistificação, temor e gentileza exageradíssimos, até a passividade – em especial esta última podendo ser interpretada como uma crítica à inércia social perante a violência, quando mesmo uma autoridade da lei prefere não interferir nas ações de Wick.

Destaca-se, também, a direção de estreia dos dublês profissionais David Leitch e Chad Stahelski, que apostam em planos abertos e numa edição mais contínua durante a ação. A trilha sonora de Joel J. Richard e Tyler Bates também tem seus bons momentos, efetiva em certas cenas de tensão e sabendo aproveitar canções-ambiente – como o contrastante tema cadenciado e um tanto psicodélico durante a sequência de uma luta desenfreada de Wick numa boate.

Em termos de narrativa, trata-se de um filme eficaz em sua aparente proposta: boicotar a si próprio com um humor de propósitos variados, com ironia, exageros e previsibilidade – mesmo a última contribuindo com um longa que acaba por alegrar apesar do contexto de violência, simultaneamente provocando e até estimulando a reflexão ao espectador atento. E ao fim da projeção, para quem tiver perdido de vista a relação homem X animal em meio à tanta pancadaria, tiroteio e explosões, a última sequência faz questão de resgatá-la.

De Volta ao Jogo (John Wick, EUA/Canadá/China – 2014)
Direção: Chad Stahelski, David Leitch
Roteiro: Derek Kolstad
Elenco: Keanu Reeves, Michael Nyqvist, Alfie Allen, Willem Dafoe, Dean Winters, Adrianne Palicki, Omer Barnea, Toby Leonard Moore, Daniel Bernhardt, Bridget Moynahan, John Leguizamo, Ian McShane, Bridget Regan, Lance Reddick
Duração: 101 min.

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