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Crítica | Beijos Proibidos

por Frederico Franco
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O ser humano é um próprio moto contínuo. Sempre em buscando energia e, para isso, usa do movimento. A vontade de potência que Nietzsche descreve em suas obras, nada mais é do que um exercício de entender a necessidade do homem de viver em busca de energia; é, basicamente, a incansável busca do homo sapiens por alguma coisa que faça sentido em sua existência. É por meio de conceitos como esses que Beijos Proibidos torna-se uma obra que captura seu zeitgeist de maneira leve e, de certo modo, cômica – diferente do que faziam outros realizadores da época.

O final dos anos 1960 representaram um período de mudanças e protestos no mundo todo, mas com maior destaque para os movimentos da França. Protestos estudantis contra o governo de Charles de Gaulle deram a tônica de alguns meses da vida dos franceses. Ali, uma juventude insatisfeita se voltou contra o conservadorismo presente tanto na sociedade quanto nas instituições de ensino. Inspirados por esse levante, cineastas da nouvelle vague foram responsáveis por realizar obras de forte cunho político, demonstrando apoio aos protestos. Desde A Chinesa, de Jean-Luc Godard, até filmes mais recentes, como Amantes Constantes, de Philippe Garrel, cineastas buscam remeter a esse período de efervescência política através de um exercício brechtiano de conquista política das massas.

Em Beijos Roubados acompanhamos o icônico Antoine Doinel, personagem de Os Incompreendidos e Domicílio Conjugal, depois de sua dispensa do exército por mau comportamento. O jovem Doinel está perdidamente apaixonado por Christine, com quem mantém uma amizade instável. Além disso, se vê perdido na vida adulta, transitando entre três empregos distintos: guarda noturno de hotel, investigador particular e atendente em uma loja de sapatos. Com um tom cômico e, a seu modo, inocente, Truffaut explora o espírito da juventude com menos rupturas que os filmes de seu companheiro Godard.

Antoine Doinel, desde o primeiro filme de Truffaut, sempre foi posto como um alter ego do autor, dando um caráter autobiográfico à parte da filmografia do diretor. Aqui, além de posto como esse espelho, Doinel é, também, uma representação da inquieta juventude francesa que por meio da desobediência civil (como mostrado na abertura da película) marcou seu lugar na história. Ao debochar escrachadamente das células militares da sociedade, Beijos Proibidos mostra ao público seu caráter subversivo, estabelecendo um conflito com camadas conservadoras.

Uma característica curiosa do filme é a maneira como o movimento e a própria vontade de potência do protagonista são construídos. Sempre movimentando-se em quadro, Doinel não dá descanso à câmera, que acompanha fielmente o personagem até o final de sua jornada. Seja a partir de uma montagem fragmentada ou por rápidos movimentos de câmera, o movimento no filme é constante. É fundamental estabelecer essa relação para entender como Truffaut enxergava a juventude da época. Por mais que maio de 68 tenha ruído aos poucos, o espírito incansável e rebelde de parte dos jovens é de extrema importância para a constituição de uma sociedade que luta a todo instante contra o conservadorismo pequeno burguês.

Esse mesmo movimento, esse moto contínuo, é o elemento que justifica a questão da busca por algo que motive sua existência. A dificuldade do protagonista de se ver encaixado em um emprego comum e em um relacionamento ortodoxo e estável são uma representação da jornada de Doinel em encontrar um lugar onde sinta-se pertencente. Desde uma montagem mais aparente, que desconforta o espectador, até próprios bruscos movimentos de câmera e enquadramentos pouco comuns, constroem a ideia de um local inóspito para o personagem. Sua relação opaca com o espaço que o rodeia, geralmente expostos sem ideia de profundidade de campo, criam um sentimento sufocante para Antoine Doinel, que se vê na necessidade de fugir dessa realidade a fim de encontrar seu próprio lugar na sociedade.

Também neste momento ímpar da história da França foram intensificados os conflitos entre gerações: o novo e o velho. Lutando contra métodos de ensinos arcaicos, o jovens estavam, ainda, se impondo contra antiquados valores que pregava a sociedade. Truffaut, de maneira sutil, conduz uma relação de distanciamento entre as duas distintas gerações. Enquanto, por exemplo, Doinel conduz a câmera a partir de sua frenética movimentação, seus chefes são marcados pela relação estática que desenvolvem com a mise en scène. Ainda, com Antoine Doinel em cena, a montagem aparenta maior liberdade, fragmentando as cenas, enquanto com personagens da outra geração, percebe-se maior cautela nos cortes, interferindo com maior parcimônia nas ações do filme.

O uso desse mecanismo de contraste entre o velho e novo está presente não só na filmografia de Truffaut, mas na nouvelle vague francesa em si. Os Jovens Turcos, Truffaut, Godard e outros, quando críticos da Cahiers du Cinéma, realizavam extensas declarações e críticas acerca do cinema padrão realizado na França. A geração que antecede o modernismo cinematográfico na França era marcada justamente por relações indiferentes com a linguagem cinematográfica, enquanto a nova onda de cineastas propunha maior inventividade no trato com o mecanismo do cinema – esse breve apanhado de ideias ficou conhecido como política dos autores. Se ao tratar da velha guarda Truffaut estabelece uma padronização clássica de sua mise en scène, ao ter os jovens em cena o diretor dá mais inventividade ao seu filme, criando um importante elemento de Beijos Proibidos.

Usando uma montagem mais ousada ao tratar dos jovens, Truffaut dá maior dinâmica à encenação, podendo, inclusive, criar uma ilusão de maior movimento dentro do quadro. Aliado a isso, o fato de Doinel estar em constante movimentação na cena (e em sua vida), o diretor desenvolve dá à juventude um caráter instável, mas também inquieto, sempre em busca de algo que os motive. Em contraponto, a inércia de gerações anteriores explora o conservadorismo e comodismo, buscando a continuidade da ordem vigente da sociedade da época. 

Referenciar o cinema hollywoodiano foi uma tônica da nouvelle vague francesa, seja em maneira de homenagem, como o protagonista de Acossado ao imitar constantemente Humphrey Bogart, ou de modo satírico, como faz Truffaut em Beijos Proibidos. Em uma sequência de espionagem protagonizada pelo próprio Doinel o diretor faz questão de estabelecer um tom cômico, através de uma corporalidade exageradas do ator e de uma trilha satírica. Ainda, o final da cena, acaba de maneira avessa aos filmes de espionagem: o herói, Antoine Doinel, é denunciado para um guarda de trânsito e, de modo vexatório, foge pelas ruas de Paris.

Chegando ao final do filme, vemos Doinel finalmente ganhar descanso. Enquanto sempre esteve em quadro, o protagonista apresentava um comportamento agitado, sempre em movimento. Ao final, uma câmera estática mostra Doinel e sua amada Christine caminhando calmamente entre árvores. Livre dos olhares da audiência, o protagonista some em direção ao nada, ao desconhecido. Cabe ao espectador interpretar Doinel e pensar: seguirá em busca de algo ou a juventude, como boa parte dos protestantes de maio de 68, irá se acomodar?

Beijos Proibidos (Baisers Volés – França, 1968)
Direção:
François Truffaut
Roteiro: François Truffaut, Claude de Givray, Bernard Revon
Elenco: Jean-Pierre Léaud, Claude Jade, Delphine Seyrig, Michael Lonsdale, Harry-Max, André Falcon, Daniel Ceccaldi, Claire Duhamel
Duração: 90 min.

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