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Crítica | Bom Garoto (2022)

"Mexe a cintura com o Txutxucão"...

por Luiz Santiago
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Depois do interessante suspense Til Freddy (2020), centrado em um protagonista que encontra cartas do futuro dizendo que um de seus amigos, numa viagem de acampamento, irá matá-lo, o diretor norueguês Viljar Bøe furou a própria bolha com o estranhamente interessante Bom Garoto, de 2022. Neste longa, Christian (Gard Løkke), um herdeiro milionário, conhece Sigrid (Katrine Lovise Øpstad Fredriksen) em um aplicativo de namoro. Eles se dão bem rapidamente, mas há um problema: Christian mora com Frank, um homem que se veste e age constantemente como um cachorro. Quem diria… um filme sobre pet play. Mas não do jeito que se poderia imaginar. E, a princípio, essa “quebra de expectativas” é o grande chamariz de Bom Garoto.

A prática de pet play é encontrada dentro de um contexto BDSM, onde um indivíduo é geralmente tratado como um animal doméstico durante uma atividade de dominação ou de submissão. O pet play também pode ser feito sem qualquer tipo de jogo de poder entre os praticantes, e, em alguns casos, sem qualquer conotação sexual e/ou libidinosa, apenas como um jogo de poder mesmo, como no caso deste filme, como uma abordagem que o próprio diretor disse, em entrevista, partir de um recorte de classe, inspirado na estrutura de 50 Tons de Cinza (o nome do protagonista de Bom Garoto não nega). Quando conhecemos Christian e seu “cachorro” Frank, a dominação já está em andamento e não há qualquer indicação do porquê, como e sob quais termos tudo se iniciou. De certo modo, a cobrança pela suspensão da descrença em nível muito alto, e de maneira constante, começa aí. E pelo excesso disso ao longo do filme, acaba atrapalhando tudo.

Em filmes como Bom Garoto, o espectador sabe que há algo errado e bizarro acontecendo, não porque isso está posto de forma chocante e explícita na tela, mas pela maneira natural com que alguns personagens lidam com certas estranhezas. Nesse caso, identificar o ponto estranho é fácil: um ser humano está vestido de cachorro e é tratado como cachorro por um jovem herdeiro milionário. É assim que a nossa atenção é capturada, e assim permanece por muito tempo. No contexto, a relação entre Christian e Sigrid acaba sendo apenas uma costura para o que verdadeiramente importa na obra, ou seja, o mistério em torno do peludinho humano na casa. Sem muito esforço da dupla protagonista para criar personagens fortes (ambos são bem superficiais nas atuações, e só no bloco final Gard Løkke mostra um trabalho marcante como Christian) somado a um desenho geral de produção básico, sobra ao filme os esforços do diretor Viljar Bøe em desenvolver a intriga da melhor forma possível.

É no terceiro ato que todas as perguntas que o espectador faz ao longo da obra gritam, clamam por respostas, mas não obtêm nenhuma. Se o diretor não tivesse abusando tanto da nossa suspensão da descrença e não tivesse colocado na tela tantas coisas que pudessem nos fazer questionar a “prisão” do peludinho ou concluir possíveis direcionamentos do enredo (como as possibilidades de fuga ou ataque ao “mestre“), talvez a coisa funcionasse melhor, mas não é o caso. E isso se torna ainda pior porque o diretor dobra a aposta nas duas últimas cenas, mostrando uma segunda e terceira gerações de peludinhos na casa.

Há um lapso de tempo a ser considerado no desfecho, mas não sabemos quanto. O mínimo, claro, é uma temporalidade de 9 meses, mas dada a estrutura do que se tem estabelecido ali, sugere-se um pouco mais. Sem indicações de “por que” e “como” algumas coisas aconteceram (a propósito: em casos assim, a elipse narrativa e as informações ocultas não ajudam ao filme, só atrapalham), Bom Garoto termina num tom de choque, tanto pelo absurdo, quanto pela crueldade disfarçada ali implícita, embrulhada em uma personalidade de loucura do milionário e, mais uma vez, com um pedido gigante de suspensão da descrença do espectador. A ideia por trás disso é sim, muito interessante, e explora um lado sombrio do homem, bem no ramo do terror psicológico, focando no pet play. Mas a execução dessa ideia, na configuração que temos aqui, não faz jus a ela de jeito nenhum.

Bom Garoto (Good Boy) — Noruega, 2022
Direção: Viljar Bøe
Roteiro: Viljar Bøe
Elenco: Gard Løkke, Katrine Lovise Øpstad Fredriksen, Amalie Willoch Njaastad, Viljar Bøe, Marie Waade Grønning
Duração: 76 min.

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