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Crítica | Butch Cassidy

O fim de uma era.

por Kevin Rick
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Lançado em 1969, Butch Cassidy and the Sundance Kid surgiu como um western diferente, que dialogava com os mitos do Velho Oeste ao mesmo tempo em que os desconstruía. Dirigido por George Roy Hill e estrelado por Paul Newman e Robert Redford, o filme não é apenas uma história de pistoleiros foras da lei, mas um reflexo do fim de uma era, tanto para os personagens que habitam a narrativa quanto para o próprio gênero, que ali dava seus últimos suspiros clássicos antes de ser reinventado por uma geração mais sombria e revisionista.

A trama acompanha a dupla de assaltantes Butch (Newman) e Sundance (Redford), líderes de um bando que vê seu estilo de vida se tornar obsoleto diante da modernização da sociedade e da perseguição implacável da lei. O que poderia ser apenas mais uma aventura de ladrões de banco ganha contornos existenciais: o filme mostra homens que já não pertencem ao tempo em que vivem, deslocados em um mundo que não comporta mais seus códigos de camaradagem e ousadia. A narrativa é simples, mas a maneira como é contada a transforma em reflexão sobre mudança, amizade e inevitabilidade histórica.

Se o western clássico sempre exaltou figuras heroicas que domavam a fronteira, Butch Cassidy prefere rir de si mesmo. O humor é uma das armas mais poderosas do roteiro de William Goldman, que costura diálogos rápidos, espirituosos e irônicos entre a dupla protagonista. As trocas de farpas entre Butch e Sundance não apenas humanizam os personagens como quebram a aura de heroísmo imaculado que costumava cercar pistoleiros do gênero. Ao contrário do cowboy solitário e sério de John Wayne, aqui temos dois homens charmosos, falhos e muitas vezes desajeitados, que parecem estar sempre improvisando sua sobrevivência. Esse humor, que poderia soar deslocado, acaba servindo como um contraste ao destino trágico que se anuncia desde cedo: por trás das piadas e das provocações mútuas, sabemos que o mundo está fechando suas portas para eles.

O filme também se destaca pela estética. Hill e o diretor de fotografia Conrad Hall apostam em enquadramentos que misturam lirismo e melancolia. Há uma beleza calma nos cenários áridos do Oeste, contraposta pela constante sensação de que aqueles horizontes vastos já não oferecem liberdade, mas armadilhas. O uso de filtros em certas sequências — como a famosa montagem em fotos sépia que narra a viagem da dupla para a América do Sul — reforça a ideia de memória, de passado que se cristaliza. É uma estética que olha para trás com nostalgia, mas sem ilusões de permanência.

Um dos elementos mais marcantes é a trilha sonora de Burt Bacharach, que inclui a icônica Raindrops Keep Fallin’ on My Head. A escolha de inserir uma canção pop, alegre e anacrônica em uma história de pistoleiros, surpreende e rompe a solenidade tradicional do western e insere nele um frescor que conversa com o cinema dos anos 60, mais aberto à ironia e ao deslocamento. Essa música, em especial, não apenas acompanha uma cena de lazer quase absurda para criminosos foragidos, mas simboliza a tentativa de leveza em meio a um destino cada vez mais pesado.

As atuações de Newman e Redford são o coração do filme. Newman dá a Butch uma esperteza sedutora, uma mistura de otimismo e malandragem que o torna irresistível. Redford, em contraste, constrói Sundance como o pistoleiro de poucas palavras, guiado mais pelo instinto do que pelo raciocínio. Juntos, eles formam uma das duplas mais carismáticas da história do cinema, com uma química que salta da tela e que seria retomada em Golpe de Mestre (1973). A presença de Katharine Ross como Etta, professora e amante de Sundance, adiciona uma camada de ternura e desencanto, funcionando como testemunha silenciosa de um estilo de vida fadado ao desaparecimento.

O clímax, no cerco final na Bolívia, condensa todo o espírito da obra. Encurralados, sem saída, os dois correm para enfrentar dezenas de soldados em uma cena congelada no tempo, que suspende a violência gráfica e transforma a morte em mito. O congelamento do quadro, no lugar do banho de sangue esperado, é uma das escolhas mais brilhantes de Hill: mais importante do que ver a queda é entender que aqueles homens já pertencem ao passado, e que sua lenda sobreviveria mesmo depois que suas balas acabassem.

Em um período marcado pela Guerra do Vietnã, pela contracultura e pela crescente descrença nas instituições, o filme traduz em chave western a sensação de que velhos modelos estavam em colapso. O gênero, outrora símbolo da expansão americana e do mito da conquista, se transforma aqui em epitáfio; divertido, charmoso, mas ainda assim um epitáfio. Mais de cinquenta anos depois, o filme segue encantando não apenas pela narrativa envolvente e pelo humor afiado, mas por sua capacidade de capturar um momento de transição. Assim como os protagonistas, o próprio western clássico se despedia de sua glória, cedendo espaço para novas linguagens, novos heróis e novos questionamentos. Butch Cassidy and the Sundance Kid é, portanto, um dos grandes clássicos de 1969 não só porque diverte e emociona, mas porque cristaliza, com inteligência e ironia, o fim de uma era do cinema americano e a consolidação de uma nova.

Butch Cassidy (Butch Cassidy and the Sundance Kid – EUA, 1969)
Direção:
 George Roy Hill
Roteiro: William Goldman
Elenco: Paul Newman, Robert Redford, Katharine Ross, Strother Martin, Henry Jones, Jeff Corey, George Furth
Duração: 110 min.

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