Atraído para Caramelo (2025) exclusivamente por conta do vira-lata protagonista, não posso dizer que esperava grande coisa da produção, a não ser pelos momentos de fofura canina indissociáveis desse tipo de película. Dirigido por Diego Freitas, o longa da Netflix existe na linha do fenômeno cinematográfico de massa, e isso tem um lado positivo (que é a absurda facilidade de acesso e a facilidade de se relacionar com a obra) e um lado negativo, que é a quase completa falta de “alma brasileira” justamente num filme chamado Caramelo, que tem coxinhas, música de Marisa Monte, Waldick Soriano, piadinhas de quinta série e funk carioca. Ou seja, é algo grave.
No cinema, a abordagem do diretor fala mais alto. O estilo faz toda a diferença. A aplicação de um “jeito de contar uma história” que é particular de artista para a artista, e que só não é vista quando uma mão muito forte, durante a produção, aplica a todos os caminhos possíveis aquele tempero automático de “mais do mesmo“, fazendo com que a obra tenha a exata cara de outras centenas antes dela. Nesse caso, até vemos o texto abraçando vivências possíveis em qualquer lugar do mundo (como a aparição de um tumor no cérebro de um jovem e tudo o que a doença pode trazer para o paciente para os que estão ao seu redor) e cultivando uma mensagem reflexiva e poderosa sobre o valor da vida. Numa olhada rápida, tudo isso é muito legal e muito real; tocante, até. Mas é como eu disse no início desse parágrafo: no cinema, a abordagem do diretor fala mais alto. Não importa, ao cabo, se tudo o que está na obra é clichê. Se há valorização de um estilo na direção, a obra será, ao menos esteticamente, interessante. Caso contrário, teremos algo similar ao que encontramos em Caramelo: uma narrativa de medíocre para ruim, pincelada por flashes muito bons.
SPOILERS!
Percebo aqui algo que também identifiquei em outro filme do diretor, Tire 5 Cartas (2023), embora aqui a coisa esteja mais forte: uma ânsia de elencar o máximo de âncoras para deixar o público tenso e atrasar um pouco a resolução do problema, o que acaba desgastando progressivamente a história, atrapalhando a exploração do lado mais sério que costura o enredo (a morte, nos dois casos) e permitindo que o filme tenha a aparência de “ingênuo e exagerado“, já que a sobreposição dessas camadas caem facilmente no lado da infantilidade. Lembremos da sequência anterior à internação de Pedro (Rafael Vitti) para a operação. Não bastava ele ter desmaiado: o roteiro inseriu um incêndio no trailer. Não bastava o Caramelo correr todos os riscos possíveis até encontrar alguém para ajudar: o roteiro inseriu uma pata machucada. E, para finalizar, um corte sem contexto acaba com toda a dinâmica, já mostrando o personagem no hospital, prestes a vivenciar outro exagero de construção cênica, quando pede para ver Caramelo “talvez pela última vez“. Sem se contentar em explorar um caminho bem construído pelo caráter “mínimo” do roteiro, o diretor apela para a avalanche de situações que se embaralham e, por serem muitas, não se resolvem.
O público muito provavelmente irá rir e chorar com a cara de “comercial da margarina” que Caramelo ganha a partir de certo ponto, cada vez mais afastado de uma abordagem, jeito de filmar, jeito de tratar personagens e obstáculos à la brasileira. Se dissessem que a obra foi dirigida por um gringo qualquer que adora o país, seria algo perfeitamente possível (e materialmente provável) de acreditar, pois é quase como se essa identidade tão nossa, contida numa atmosfera com um cachorro caramelo cheio de energia em cena, tivesse sido sugada por uma direção que parece se orgulhar muitíssimo mais de Marley & Eu do que assumir, com tudo, a cara brazuca do projeto. A despeito de tudo isso, Caramelo vale a pena ser visto, poque reforça, com a presença fofíssima não só do vira-lata do título, mas de outras cães, aquilo que nós, em nossa correria insana de todos os dias, precisamos ouvir constantemente: a vida é curta, cheia de surpresas e vale a pena ser vivia com intensidade, focando no hoje e nas pessoas que realmente importam. Parece papo de coach. Mas é só o essencial.
Caramelo (Brasil, 2025)
Direção: Diego Freitas
Roteiro: Diego Freitas, Rod Azevedo, Vitor Brandt, Carolina Castro
Elenco: Rafael Vitti, Arianne Botelho, Kelzy Ecard, Bruno Vinícius, Ademara, Noemia Oliveira, Carolina Ferraz, Cristina Pereira, Paola Carosella, Olivia Araújo, Roger Gobeth, Mateus Ribeiro, Gillray Coutinho
Duração: 101 min.