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Crítica | Casa de Dinamite

Um alerta ou um prenúncio?

por Kevin Rick
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Há algo de profundamente humano e aterrador em Casa de Dinamite, novo filme de Kathryn Bigelow. A diretora retorna aqui ao terreno que melhor domina, do thriller construído ao redor do colapso moral diante da urgência política, entregando uma de suas obras mais claustrofóbicas e assustadoras. O que se anuncia como um suspense político sobre a resposta americana a um ataque nuclear transforma-se, na verdade, em um ensaio sobre impotência institucional, paranoia e um aviso mortal para uma realidade possível. Poucos filmes recentes conseguiram traduzir com tanta tensão o instante em que a civilização se reduz a uma sala de conferência.

A premissa é simples, mas carregada de vertigem: um único míssil intercontinental é detectado a caminho dos Estados Unidos, de origem desconhecida, com apenas dezoito minutos até o impacto. A partir daí, Bigelow fragmenta o país em pontos de observação simultâneos, com uma base militar no Alasca, a sala de situação da Casa Branca, o bunker da FEMA, e o gabinete presidencial em movimento, todos conectados por telas, protocolos e nervos. É um filme tenso sobre o tempo, sobre o intervalo entre o saber e o fazer, e sobre como o poder, diante da catástrofe, revela-se menos uma arma do que um pânico compartilhado.

Logo na abertura, em Fort Greely, Major Daniel Gonzalez (Anthony Ramos) e sua equipe observam um ponto luminoso se mover no radar. A tensão não vem do que vemos, mas do que não podemos confirmar. É a antítese da espetacularização bélica: Kathryn Bigelow filma a guerra não como evento, mas como cálculo. O corte para a Capitã Olivia Walker (Rebecca Ferguson) coordenando a resposta, apenas amplia essa sensação de vertigem racional, com o peso de uma decisão global ancorada na voz de uma mulher que repete ordens para manter todos calmos enquanto o mundo colapsa por dentro.

A direção de Bigelow aposta em uma estética documental, próxima de outras produções da cineasta, com câmeras portáteis, sequências tremidas e cortes abruptos. Mas há aqui um novo elemento: o esgotamento. Se nos filmes anteriores havia a adrenalina da urgência, aqui há a exaustão da espera. Cada personagem está preso num ciclo de comandos e atualizações que já não significam nada. Walker, por exemplo, fala com o presidente e seus superiores, mas a cadeia de comando é labiríntica; a informação se multiplica até se tornar desespero. A tensão cresce não pelo avanço da ameaça, mas pela incapacidade coletiva de compreendê-la ou resolvê-la, chegando a ser uma obra frustrante (num bom sentido).

O roteiro de Noah Oppenheim é ousado nesse sentido. Estruturado quase em tempo real, ele organiza as ações em blocos intercalados no estilo rashomônico, criando um crescendo moral que substitui a ação física por um suspense puramente psicológico. O inimigo nunca é visto. Nenhum radar identifica a origem do míssil. Nenhuma nação assume a autoria. Isso desloca a narrativa do campo geopolítico para o metafísico, em que o inimigo é o medo, um jeito esperto da obra em evitar discussões políticas para enraizar o verdadeiro terror: a destruição iminente.

O elenco, todo calibrado na contenção, reforça essa ideia de impotência. Cada um deles, à sua maneira, é uma peça de uma máquina que continua a girar mesmo quando o operador já perdeu o controle. As participações de cada um são limitadas, mas todo o grupo de atores de alto gabarito deixam uma ótima impressão e auxiliam o fio condutor narrativo, passando de uma sala desesperada à outra. O grande momento da obra, contudo, não é a explosão, mas o instante anterior a ela. Quando a equipe estadunidense tenta interceptar o míssil, e um dos interceptores falha, há uma suspensão de descrença, mas a explosão nunca é mostrada em nenhum dos blocos. A imagem de um plano fixo sobre o céu nublado de Chicago, sem corpos, nem destroços, é uma escolha brilhante: o filme inteiro é uma leitura sobre o desastre mais psicológico do que físico, algo que de certa forma vivemos hoje neste período de incertezas globais com malucos no poder.

Formalmente, o filme é um espetáculo de controle. Já falei da direção metódica de Bigelow, mas vale elogiar a fotografia, que aposta em tons metálicos e frios para o isolamento claustrofóbico dos espaços. A trilha sonora, apesar de parecer meio imperceptível em razão de quão imersos e engolidos estamos pelo filme, ajuda a construir essa sensação constante de tensão, alternando percussão seca e piano dissonante, construindo tons de urgência sem recorrer à grandiosidade orquestral ou grandes arroubos. É difícil não lembrar de Oppenheimer enquanto assistimos o longa.

O tema recorrente de Bigelow sobre o colapso das instituições diante da crise encontra aqui sua forma mais radical. Não há inimigo visível, nem ideologia clara. O que resta é a máquina estatal funcionando por inércia. É como ver o Dr. Fantástico do século XXI, mas sem o humor satírico: o absurdo é real demais para ser riso. Parte desse mérito está em compreender que a guerra contemporânea é travada no campo da informação e que o medo é sua arma mais eficiente – notem o foco insano na decisão do POTUS (Idris Elba) em destruir o mundo sem qualquer informação específica. 

Se há algo a criticar, talvez seja a frieza emocional que domina parte da obra. Bigelow é tão metódica na construção da tensão que às vezes sacrifica o drama humano, ainda que o texto tenda a buscar conflitos domésticos, alguns deslocados, outros melhores imbuídos na narrativa, como o pequeno trecho da filha do Secretário de Defesa Reid Baker (Jared Harris). Ademais, apesar de apreciar o intuito de Oppenheim, a estrutura da obra também talvez não seja a mais ideal, quebrando um pouco a dinâmica e o escalonamento da tensão ao sempre retornar ao passado (talvez seja indigno da minha parte querer imaginar algo melhor, mas não dá para sacudir a sensação de que talvez uma narrativa intercalada entre os blocos poderia ser melhor do que a divisão temporal).

De qualquer forma, Casa de Dinamite é uma obra monumental em sua contenção desesperadora e no seu olhar aterrorizante para um futuro que a cada dia parece menos distante. Um thriller apocalíptico sem espetáculo explosivo, um filme de guerra sem inimigos e um drama humano sem redenção. Kathryn Bigelow não oferece catarse, mas reflexão e, honestamente, mais ansiedade para uma civilização que continua querendo se autodestruir.

Casa de Dinamite (A House of Dynamite) – EUA, 2025
Direção: Kathryn Bigelow
Roteiro: Noah Oppenheim
Elenco: Idris Elba, Rebecca Ferguson, Gabriel Basso, Jared Harris, Tracy Letts, Anthony Ramos, Moses Ingram, Jonah Hauer-King, Greta Lee, Jason Clarke, Kaitlyn Dever
Duração: 112 min.

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