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Crítica | Confinado (2025)

"Não roubarás".

por Luiz Santiago
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Adaptação do claustrofóbico filme argentino 4X4 (2019), Confinado tem uma premissa que anima qualquer espectador, pois aborda os dias de um ladrão preso dentro de um carro transformado em armadilha física e psicológica. Com Bill Skarsgård e Anthony Hopkins no elenco, a obra inicia com uma energia que aponta para um confronto moral e emocional denso, explorando as misérias sociais que colocaram presa e predador frente a frente. Contudo, apesar do potencial, o filme parece hesitar em explorar a profundidade de seus temas, contentando-se com uma narrativa que não aguenta o peso das expectativas que cria. A trama acompanha Eddie, um pai em apuros financeiros que, ao tentar roubar um SUV de luxo, descobre ter caído num jogo sádico orquestrado por William, um “vigilante” movido por um senso distorcido de justiça e sede de vingança. A ideia inicial é cativante, mas a execução medíocre entrega apenas parte daquilo que promete, para nossa mais profunda decepção.

A força dramática está, claro, na performance de Skarsgård, que sustenta o filme com uma intensidade crua, encerrado no espaço do veículo. O ator consegue transmitir a angústia de alguém preso não apenas fisicamente, mas também pelas circunstâncias de uma existência à margem e sem perspectiva de mudança. Suas interações com Hopkins, que empresta a voz medonha e ameaçadora a William, são uma verdadeira revelação, nos primeiros minutos. Esses diálogos iniciais abordam a violência urbana, a ineficiência do sistema judiciário e da polícia, e as desigualdades que alimentam o ciclo de crimes e punições sem resultado. Essas conversas, carregadas de medo, ódio e tensão, sugerem que o filme poderia se aventurar por um terreno mais reflexivo, pensando sobre as raízes estruturais do conflito entre os personagens. Mas à medida que a história avança, essa promessa se dissipa e o roteiro de Michael Arlen Ross parece perder o fôlego e simplesmente estagnar.

Alguns aspectos técnicos nos ajudam a absorver melhor a ideia central, e, assim como o roteiro, estão em melhor forma até a metade da fita. A montagem alterna entre ângulos internos que ressaltam a claustrofobia de Eddie e tomadas externas que contextualizam o ambiente urbano degradado onde a história se desenrola. Explorando a dicotomia entre o SUV reluzente e o entorno marcado por lixo, grafite e desolação (sempre em tons mais frios, com destaque para um verde doentio), a fotografia cria um contraste visual que reforça a ideia de uma luta de classes, inclusive, abordada no texto. Em certos momentos, a câmera se movimenta amplamente em torno de Skarsgård, especialmente numa sequência inicial que capta sua crescente ansiedade em um take contínuo, reforçando o pânico e dando uma noção clara da armadilha em que caiu. Mas nada disso consegue mascarar a mediocridade narrativa que se instala na segunda metade da película, quando começa a repetir ideias e recorrer a provocações que não levam a lugar algum.

A relação entre Eddie e William começa a perder força quando o texto abandona a complexidade em favor do moralismo simplista. William expressa um desprezo pelos menos favorecidos e se ancora na meritocracia e na ideia abstrata de “bondade vs. maldade dos homens” para justificar seus próprios crimes, e o filme não se dedica a desconstruir ou desafiar essas ideias de maneira significativa. Em vez disso, a narrativa flerta com debates sobre responsabilidade individual apenas para recuar e se contentar com resoluções que reduzem a complexidade social a lições infantis sobre honestidade e redenção do mocinho. Quando os dois personagens finalmente se encontram, as atuações de Skarsgård e Hopkins brilham, mas nesse ponto, o longa já era irrecuperável.

É frustrante a maneira como David Yarovesky (mesmo diretor do muito bom Brightburn – Filho das Trevas) guia o desfecho de Confinado, traindo a tensão construída. A transição entre os cenários finais é abrupta, e o ritmo da ação se torna desconexo, como se o filme estivesse apressado para concluir sem amarrar as pontas soltas — e após passar muito tempo repetindo dilemas. O que poderia ter sido um suspense provocador sobre as tensões entre justiça pessoal, criminalidade e desigualdade, é diluído numa conclusão no melhor estilo “amiguinhos, roubar é feio, não façam isso!”. A dupla principal de atores e parte dos méritos técnicos não são suficientes para fazer a obra ir além do óbvio, deixando o espectador com a sensação de ter ficado preso num enredo que deixou de tentar após 30 minutos de execução. É um dos muitos casos de produções que tomam o caminho mais fácil (leia-se: o gosto das massas pelo mocinho conseguindo “ser alguém melhor” no fim da história) e sepultam aquilo que tinham de mais valioso para oferecer.

Confinado (Locked) — EUA, Canadá, 2025
Direção: David Yarovesky
Roteiro: Michael Arlen Ross (baseado no roteiro de Mariano Cohn e Gastón Duprat)
Elenco: Bill Skarsgård, Anthony Hopkins, Ashley Cartwright, Michael Eklund, Navid Charkhi, Ricardo Pequenino, Gaston Morrison, Reese Alexander, Emma Kombe, Jodi Pongratz, Sofia Tesema, Harrison MacDonald, Gerald Paetz, Gabrielle Walsh
Duração: 95 min.

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