Ninguém espera grande coisa de um filme chamado Criatura Voraz, mas é aí que a surpresa começa. Os primeiros 20 minutos desse longa canadense conseguem criar uma atmosfera estranhamente envolvente, onde tudo parece estar no lugar certo, da iluminação sombria aos personagens que não se explicam demais. A direção segura a mão no susto fácil e confia no poder do mistério, aquele tipo que se insinua em vez de se revelar. A criatura, claro, demora a dar as caras, e isso só ajuda: quando ela finalmente aparece, já estamos emocionalmente investidos na trama.
Tem uma cena com lanterna que lembra demais Sobrenatural, e não apenas pela iluminação ritualística, mas pela ideia de atravessar planos. É quase como revisitar aquela sequência onde a médium avisa: “o mundo dos mortos é um reflexo distorcido do nosso”. Essas referências não são gratuitas, e até funcionam. O problema é quando o roteiro acredita tanto nelas que se esquece de aprofundar a própria mitologia. As pistas são boas, os sustos também, mas o caminho que leva até eles é meio perdido. A criatura, por exemplo, soa mais como tique emocional do que ameaça verdadeira, e mesmo isso é deixado no ar, sem muita convicção.
Ashley Greene e Ellie O’Brien seguram as pontas com atuações dedicadas. Tem intensidade, tem dor e pavor nos olhos, e tem aquela carga dramática que evita o tom caricatural. Dá para perceber que o elenco tenta humanizar o caos ao redor. Só que o ritmo da montagem às vezes atropela tudo sem piedade. Há cortes que quebram tensões no meio do ato, como se alguém tivesse trocado o canal por engano. Isso enfraquece cenas que tinham tudo para ser memoráveis.
Os efeitos visuais não são marcantes, mas funcionam. A criatura tem uma aparência genérica que lembra produções como Ouija – O Jogo dos Espíritos, onde a ameaça é mais estética que conceitual. O som, por outro lado, aposta no volume em vez da sugestão: é mais gritaria e pancada do que construção sonora de medo. Tem uns sustos bem encaixados (confesso que dei uns três pulos do sofá), especialmente quando o silêncio precede uma explosão de ruídos. É aquele tipo de terror que prefere a cacofonia à sutileza… tem gente que gosta, mas isso limita alguns dos melhores aspectos de um terror bem estruturado.
Talvez o maior trunfo esteja nos personagens. Eles têm histórias, dilemas e até um tipo curioso de agência. A protagonista não é apenas jogada no perigo: ela escolhe enfrentar o sobrenatural. E isso gera algum envolvimento emocional, mesmo com a trama escorregando aqui e ali. É como assistir a uma série dos anos 2000 que não tem a melhor execução técnica, mas acerta no coração do público.
Criatura Voraz tenta ser mais do que um simples “filme de susto”, mas entrega um pouco menos do que promete. Entre falhas e acertos, acaba funcionando como aquele terrorzinho que não revoluciona nada, mas que talvez valha uma sessão despreocupada e sem muita exigência. Quando a tela escurece, o que fica não é exatamente medo (a não ser que qualquer ruído te jogue no teto). É aquela sensação de já ter assistido a algo parecido antes. E possivelmente algo que soube trabalhar bem melhor com seus próprios clichês.
Criatura Voraz (It Feeds) — Canadá, 2025
Direção: Chad Archibald
Roteiro: Chad Archibald
Elenco: Ashley Greene, Ellie O’Brien, Jordan Winstone, Shawn Ashmore, Juno Rinaldi, Brooklyn Marshall, Mark Taylor, Shayelin Martin, Julian Richings, Dov Tiefenbach, Christina Beth Hughes, Peter Valdron, Liise Keeling, Laurie Murdoch, Greg Schneider
Duração: 102 min.