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Crítica | “Daddy’s Home” – St. Vincent

por Matheus Camargo
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Welcome, child
You’re free of the cage
Tryin’ to seem sane makes
you seem so strange”

O nome de Annie Clark, conhecida artisticamente por St. Vincent, sempre me vem à imaginação de forma curiosa. Coberta por uma neblina espessa e opaca, onde o máximo que consigo enxergar é um sorriso, sarcástico, e uma ou duas lágrimas prestes a secarem. Eu nunca sei o que esperar. MASSEDUCTION foi trágico, desordenado, maníaco. Suas falhas me acompanharam por quase quatro anos, revivendo sintetizadores estridentes e pianos embriagados em lamento. E Daddy’s Home, seu novo álbum, é tão desastroso quanto. É uma continuação, não necessariamente linear, da epopeia pulsante e irônica que significa estar vivo. Annie troca de pele, estilo, gênero e época. Escolhe outra de sua coletânea de catástrofes a serem contadas, onde cria um universo mutável e detalhado, nada constante, mas verdadeiramente viciante.

Pay Your Way In Pain abre o disco com um tumulto delicioso, onde estruturas não existem e cada camada adiciona uma forma nova de te deixar atordoado. Funcionam como um conjunto de absurdos que constroem uma atmosfera sádica, penetrante. Incessantes surpresas pintadas de glamour que resultam num dos melhores singles do ano até o momento. Impossível não se sentir hipnotizado pela sequência “Stand up, sit down, hands up, break down”. Em seguida, Down And Out Downtown aposta numa progressão que queima lentamente, cresce sem aviso, arrastada pela nostalgia de uma noite destrutiva. É apenas um vislumbre da facilidade que o trabalho tem de te imergir em sentimentos e situações diferentes, mas igualmente intensas. Daddy’s Home é uma faixa-título perfeita. Consegue expressar o escárnio e a excentricidade que nos acompanhará, da história por trás da canção aos eternos momentos que vivenciaremos nessa realidade.

Em contraste, Live In The Dream te carrega pelo colo entre terras psicodélicas e vulneráveis. Me perdi diversas vezes nas linhas de seu cuidado, nos vocais acolhedores e nas guitarras alucinantes. É um sonho por si só, precedida por outras duas favoritas: The Melting Of The Sun e The Laughing Man. A primeira é uma homenagem, uma das melhores letras do álbum, ela explode, passa por transformações significativas durante os seus três minutos, derrete, solidifica, cativa. Já a segunda relata a morte de um amigo de infância e parece celebrar a sua passagem como retribuição a todos os bons momentos. A acidez é seu carimbo, marcando o álbum com a precisa “If life’s a joke, then I’m dyin’ laughin”.

O trabalho visual de Daddy’s Home ajuda a compor a experiência. É um álbum facilmente visualizável, palpável por conta do esforço para que a volta aos anos 70 não se baseie somente na música, mas nas performances apresentadas. Dos clipes aos lyric videos, a estética faz parte da construção detalhada de cada um de seus aspectos. É a concepção de uma era que se traduz nas roupas e personalidade da própria artista, dando a impressão de que estamos presenciando, o tempo todo, o nascer de um novo e grandioso clássico. Tudo aqui exala fascínio, glam rock e poder sobre seu próprio destino.

Caminhando para o seu final, My Baby Wants a Baby usa o sample de 9 To 5 (Morning Train) de maneira genial. Contrapondo a música em questão, vemos aqui uma mulher lidando com a pressão social da maternidade. Seu refrão é marcado por questionamentos sobre sua identidade e seu valor quando decide não cumprir o papel imposto, e nessa fluidez é que assistimos suas guerras, sua negação, sua força. Descendo para um dos poucos momentos mais melancólicos, …At The Holiday Party cresceu mais a cada vez que me coloquei a observar sua lenta dança. A verdade é que o cerne da canção é de uma sensibilidade tamanha, que não precisa de muito para te derrubar, nem que seja por alguns segundos.

Daddy’s Home desperta, incomoda, incendeia. Tento encaixá-lo em um gênero, mas não consigo – e não posso. É um álbum que cria as próprias regras, só pelo prazer de quebrá-las e mostrar ao espectador que quebrou. É um deleite feito de guitarra, estranheza, fumaça e posse. Celebra a própria robustez, mas nunca se deixa prender em corrente alguma. Celebra a confiança, celebra nossos céus e infernos, e celebra também as nossas muitas falhas. No fim, pelas palavras da própria Annie, é isso que somos. Pessoas falhas sendo falhas e tentando o nosso melhor. 

Aumenta!: Pay Your Way In Pain
Diminui!: Só Aumenta!
Minha canção favorita do álbum: Live In The Dream

Daddy’s Home
Artista: St. Vincent
País: Estados Unidos
Lançamento: 14 de maio de 2021
Gravadora: Loma Vista
Estilo: Rock, Blues, Soul

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