Por muito pouco, Strange Darling, um dos thrillers mais aclamados do ano passado, não viu a luz do dia depois que executivos da Miramax cancelaram as filmagens dois dias depois de iniciadas por não gostarem do que estava sendo feito, mas principalmente, de Willa Fitzgerald, peça principal do quebra-cabeça inebriante de JT Mollner. O cineasta americano defendia a ideia de que, após 6 anos, finalmente estava filmando o seu filme como sempre imaginou, e de fato, Mollner tinha um potencial que poderia ser engavetado; um jogo subversivo para os fãs do gênero, mas também um aceno para o fascínio de Hollywood por histórias de serial killers. Se observarmos, ter a história de Aileen Wuornos nas telas não teve o mesmo impacto que Ed Gein – que inspirou tramas ficcionais de assassinos – ou Jeff Dahmer com inúmeras produções baseadas em seus crimes – ambos figuras masculinas.
Com uma narrativa dividida em 6 capítulos e um epílogo embaralhados, a todo tempo Mollner provoca a audiência ao vestir seu filme de estreia com uma estética de cores vibrantes e que parece seguir por um caminho esperado uma vez que o terror consagrou o arquétipo da final girl e donzela em fuga e da figura masculina como predadora ou um serial killer mascarado, e o cineasta se mostra bastante intencionado ao deixar claro que o personagem de Kyle Gallner é um assassino, “o demônio” enquanto Fitzgerald é a mulher fugindo do seu algoz. Mollner disfarça toda sua pretensão na edição estilosa, a trilha sonora estridente e um mecanismo narrativo que seduz o espectador para essa história que parece familiar – algo como Doce Vingança, ou o recente Vingança de Coralie Fargeat, talvez. Essa foi a forma encontrada por Mollner para fazer de Desconhecidos um exercício menos óbvio de ser descoberto, por mais que a todo tempo quisesse maquiar a ideia de subversão.
SPOILERS!
Dá para compreender o porquê de Mollner brigar para que a realização do filme não fosse interrompida, afinal, acredita que é algo muito difícil de ver quando se trata da representação feminina no terror, e nesse caso, o diretor e roteirista não queria uma femme fatale, final girl ou revenge movie, mas inverter os papéis que tanto as mulheres protagonizam no gênero. A fim de manter a sua subversão intacta, Mollner espalha as iscas para os atônitos por reviravoltas, brinca com os tropos do gênero e ostenta com uma edição estilosa que interrompe a narrativa no meio da ação – tentou ser habilidoso como X, de Ti West? -, contrariando a expectativa e percepção da audiência ao que está sendo contado. Nesse sentido, a sacada do cineasta americano é deixar o público acreditar que verá um desfecho familiar aqui enquanto concentra a força de Desconhecidos na performance de Fitzgerald.
Enquanto Mollner abusa do visual com cores fortes e Neon – nem uma peruca se salva – e estética do cinema noir e slasher da década de 70 – além de ser bastante competente na construção de mise en scéne –, Fitzgerald é a responsável para fazer a arapuca narrativa sobre a donzela em perigo funcionar. A escolha de revelar a verdadeira vilã da história ainda na metade do longa ao mesmo tempo que mantém a montagem desordenada é uma escolha inteligente; e se antes brincar com as expectativas era uma dinâmica ágil, Mollner parece não conseguir manter o interesse e sedução da narrativa quando passa a adotar a linearidade, o que termina revelando mais fragilidades da produção. A ideia de intensificar o terror e violência uma vez que o público entende que está lidando com uma psicopata que deixa um rastro de sangue por onde anda logo se desgasta, em sequências que parecem intermináveis.
A sensação é de que Mollner queria deixar a história da Mulher Elétrica quase como um acontecimento real a nível de comparação do mesmo impacto quando lembram de Gein e Dahmer, mas também, trazer um olhar subversivo para a recorrente abordagem da mulher indefesa do gênero, porém, esquece de desenvolver os personagens e conflitos além do mecanismo narrativo que se arrasta até o último segundo. Logo, a discussão entre relações de poder é drasticamente frágil quando as situações e tomadas de decisões do longa soam frágeis dentro de um embaralhado jogo estético que quer se vender com terror visualmente experimental e independente, tão classudo na forma de fazer cinema que precisa dizer que foi filmado em 35mm; tão inovador e autoral que a melhor maneira de fazer história seria terminar o filme como um melancólico videoclipe da vilã encarando a câmera.
Desconhecidos (Strange Darling – EUA, 2023)
Direção: JT Mollner
Roteiro: JT Mollner
Elenco: Willa Fitzgerald, Kyle Gallner, Madisen Beaty, Bianca A. Santos, Steven Michael Quezada, Ed Begley Jr., Barbara Hershey, Sheri Foster
Duração: 97 min.