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Crítica | Dirigindo no Escuro

por Leonardo Campos
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Sagaz e elemento viva em no campo da produção cultural contemporânea, Woody Allen é um cineasta que dispensa apresentações: crítico ácido dos costumes, o diretor queridinho da galera que se diz “cult” coleciona uma série de filmes relevantes para a história do cinema, muitos deles, envolvidos no processo de metalinguagem. Dirigindo no Escuro, uma comédia sobre os bastidores de uma produção hollywoodiana, é um destes exemplares.

Na produção, Woody Allen debocha sobre as afetividades neste meio, colocando em xeque o sistema de produção da “meca do cinema” estadunidense: brinca com a cultura das celebridades, com a falta de talento de alguns atores, com os egos que gravitam em torno destas produções, além de colocar em cena as neuroses constantes do homem contemporâneo. Laços familiares em crise, conflitos emocionais, nós que custam a desatar e a falência de uma indústria que preza pela superficialidade, em detrimento da qualidade de produção estão entre os tópicos debatidos pelo cineasta ao longo do filme.

Em Dirigindo no Escuro, Woody Allen interpreta Val Waxman, um diretor de prestígio nos anos 1970 e 1980, mas que atualmente, perdeu o seu valor de troca no bojo da cultura e vive graças aos comerciais de televisão e outros materiais publicitários que assina. Uma nova oportunidade, entretanto, surge: orquestrar o novo filme de um produtor exigente (Treat Willians), pois a sua ex-esposa (Tea Leoni) também está na produção e não quer outra pessoa que não seja o seu antigo amor na direção da obra.

Waxman aceita a proposta, mesmo condicionado aos ditames do estúdio que exige prazos curtos e dinamismo, mesmo que a qualidade do projeto seja levemente prejudicada. Até este momento tudo navega tranquilamente, mas é um filme assinado por Woody Allen e sabemos que problemas surgirão para colocar os personagens em conflitos hilariantes. Pouco antes do início das filmagens, o cineasta adquire uma cegueira repentina, o que pode colocar a produção num problema com ampla dimensão, afinal, como dirigir uma obra audiovisual sem o dom da visão?

O cineasta consegue driblar alguns desafios, mas é preciso lidar com outras questões, tais como o cinegrafista chinês que não entende nada de língua inglesa, os diretores de fotografia, arte e figurino e suas solicitações de aprovação por parte do diretor para dar continuidade aos trabalhos, bem como a atual namorado, as exigências do chefe e a presença de uma jornalista que observa cada passo dado no estúdio, tendo em vista uma matéria (ou uma colcha de retalhos de fofocas fúteis) sobre a produção para a capa de uma revista renomada no campo da cultura.

Apesar de menos interessante que muitos de seus filmes anteriores, Dirigindo no Escuro tem pontos importantes que devem ser levado em conta diante dos problemas apresentados: há uma sagaz crítica ao campo da crítica, relegada ao release nas últimas décadas, além de uma homenagem ao cinema de Hitchcock, cineasta citado em alguns diálogos. Há um momento em que o filme dentro do filme é recepcionado bem pela França, mas em contrapartida, detonado pelos estadunidenses. A referência nesta passagem é explicita aos conflitos do mestre do suspense com a crítica dos Estados Unidos que demorou a reconhecer o potencial do cineasta, valorizado por Truffaut na França, antes do prestígio em seu próprio campo de atuação.

Na seara dos elementos da linguagem cinematográfica, digamos que Woody Allen não decepciona nunca. Apesar de não ser adepto de posturas categóricas, posso inferir que o diretor é bastante cuidadoso ao gerenciar a sua equipe. A trilha sonora é sempre boa, o design de produção é apurado, o que por sua vez, interfere na boa direção de fotografia, na iluminação, na cenografia e no figurino. A montagem consegue unir estes elementos e dar o máximo de eficiência visual, o que não podemos dizer do roteiro, elemento fundamental para a condução dos conflitos da narrativa, mas que assim como outras produções desta fase do cineasta.

A proposta é muito interessante e até mesmo complexa, mas perde impacto com as piadas que não funcionam bem. Woody Allen continua sendo ele mesmo no filme. Neurótico, complicado, tenso, dono de um dos melhores histrionismos do cinema, entretanto, falta fluência em seu texto. Alguns momentos se arrastam, outros pecam pelo excesso. Apesar de ser um ótimo material para discussão da cultura cinematográfica, a metalinguagem por si só não consegue fazer efeito, o que resultou um filme acima da média, mas ainda assim, inferior ao que se espera de um diretor deste calibre.

Interessante observar que o campo da crítica de cinema parece operar com mea culpa ao tratar de um filme do cineasta, o que denota certa covardia por parte de um eixo tão importante da reflexão intelectual no âmbito da indústria cinematográfica. Ao observar a recepção da obra na época de seu lançamento, é possível perceber que as análises geralmente dizem que o filme é mediano, pecaminoso do que tange às propostas da sinopse, entretanto, melhor do que as comédias românticas produzidas na época.

Em suma, percebe-se a complexidade em se criticar Woody Allen, um elemento da cultura aparentemente intocável e proibido de ser colocado em xeque, afinal de contas, o crítico pode perder o seu prestígio ao apontar falhas no “mestre do cinema”. Pura bobagem! Há a possibilidade de traçar uma análise densa e eficiente de um filme do cineasta, apontar os seus problemas e delinear os seus pontos fortes, sem precisar do exercício pouco corajoso de compará-lo a filmes que, digamos, são incomparáveis, tamanha a dimensão estética e narrativa que separam as obras e as suas respectivas propostas.

Dirigindo no Escuro (Hollywood Ending) – EUA, 2002.
Direção:  Woody Allen.
Roteiro: Woody Allen.
Elenco: Woody Allen, Debra Messing, Tea Leoni, Treat Williams, Bob Dorian, George Hamilton, Ivan Martin, Neal Huff.
Duração: 112 min.

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