Depois de sua participação em Boom!, na temporada passada, a atriz Varada Sethu volta a Doctor Who, agora no papel de Belinda Chandra, uma ancestral da militar que o 15º Doutor encontrou na realidade de uma guerra permanente. Em The Robot Revolution, estreia da 2ª Temporada, conhecemos e nos encantamos com essa enfermeira de pavio curto cuja vida é abruptamente transformada quando robôs vermelhos e gigantescos a sequestram, acreditando que ela é sua rainha. Orbitando uma estrela batizada com o nome de Belinda há 17 anos, esses robôs arrastam a jovem para o denominado Missbelindachandraum, um planeta abalado por uma guerra entre humanos e máquinas, cuja estética geral remete a ambientações de Star Wars. A introdução dessa nova companion é simples, mas rapidamente se desdobra em algo cheio de boas surpresas, referenciando a dinâmica que vimos em Smith and Jones (2007), mas com uma reviravolta que aprofunda bem mais a narrativa e flerta com o “isolamento no espaço” que Chibnall fez ao final de The Woman who Fell to Earth (2018).
Belinda é uma personagem cativante desde o início. Sua relutância em abandonar a Terra e embarcar em uma odisseia estelar contrasta com o carisma exuberante do 15º Doutor (Ncuti Gatwa), cuja energia às vezes beira o exagero, como vemos em sua dancinha final no planeta alienígena. Essa dinâmica entre Time Lord e enfermeira é um dos pontos altos do episódio, trazendo uma agressividade refrescante que remete a antigos tripulantes da TARDIS, mas com um diálogo franco e compreensível, não apenas com a “divergência pela divergência”. Belinda não é somente uma passageira; ela é uma força desafiadora, questionando as decisões impulsivas do Doutor fora de cenários de crise (como a leitura do DNA sem permissão), e colocando em xeque a autoridade do viajante do tempo. Essa relação, ainda não totalmente amigável, mas baseada em cobrança de respeito mútuo, promete moldar a temporada, explorando temas de identidade e relações de autoridade ou partida para a ação de maneira intrigante.
Entre o fascínio do grande orçamento e a parcial frustração da narrativa, com um roteiro no estilo “jovens do tiktok”, Russell T. Davies explora a guerra, as novas tecnologias – principalmente a inteligência artificial – e usa esse ambiente de conflito e opressão (especialmente da mulher, que é obrigada a fazer aquilo que a “grande voz” da sociedade diz para ela fazer) como uma metáfora para a busca por pertencimento em meio ao caos. No entanto, sequências que escancaram críticas sociais (como a frase “planeta dos INCEL”, que esfrega na nossa cara algo que já tinha sido estabelecido desde a cena inicial, quando Alan diz a Belinda que “ela não poderia entender porque meninas não são boas em matemática”) com diálogos que não levam a nada (aquela falação toda diante do Alan transformado em IA) e a piada de mal gosto com a redução do personagem a um estado microscópico (óvulo e espermatozoide), criam uma atmosfera mais irritante do que divertida, remetendo-nos à bizarrice final de Love & Monsters (2006).
O diretor Peter Hoar captura a vastidão do cosmos e a intensidade das batalhas, mesmo que em planos fechados ou espaços menores, mantendo ativa a sensação de emergência e perigo. A construção da sala do trono e o próprio desenho dos robôs e da versão do Alan-máquina são ótimos: condizem com o momento atual da série, recebem um ótimo tratamento de efeitos e trazem novos significados para antagonistas da galeria de Doctor Who. O episódio também reflete ansiedades modernas, como a já citada imposição de papéis indesejados e a luta por autonomia em um universo que reivindica o indivíduo para si, forçando-lhes as mais diversas posturas. Belinda, tornada rainha contra sua vontade, é um símbolo dessa dualidade entre o pessoal e o sistêmico. É pena que cada momento mais sólido dessa faceta crítica receba um corte para dar vazão a uma cena de ação-sci-fi menor, tanto que o Doutor praticamente não faz muita coisa no encadeamento da trama, e cabe a Belinda tomar as rédeas de atitudes práticas e que dão resultados imediatos.
O retorno de Anita Dobson como Sra. Flood e sua quebra de quarta parede traz novamente a camada de excentricidade teatral em torno da personagem, e, novamente, sugere alguém que o público deve esperar se desvendar. Além disso, Davies planta sementes de suspense com o “longo caminho de volta” à Terra, uma jornada que promete ser o fio condutor da temporada e que, visual e narrativamente, aumentam a qualidade do episódio, à medida que mostra destroços do planeta Terra voando na divisa entre as realidades. A química entre os protagonistas e o caráter de embate entre eles promete situações bem mais interessantes do que vimos antes, com Ruby, e, de certa forma, faz a gente voltar à reflexão sobre múltiplas realidades ou diferença muito grande de tempo, um dos elementos que acabou tornando o episódio desnecessariamente confuso, por sinal. Agora ficam as dúvidas sobre o destino da dupla, o tempo que eles poderão acessar e qual Terra eles vão visitar ao longo dessa temporada. Eu estou empolgado, e vocês?
Doctor Who – 2X01: Revolução dos Robôs (The Robot Revolution) — Reino Unido, 12 de abril de 2025
Direção: Peter Hoar
Roteiro: Russell T. Davies
Elenco: Ncuti Gatwa, Varada Sethu, Jonny Green, Max Parker, Anita Dobson, Thalia Dudek, Stefan Haines, Belinda Owusu, Tom Storey, Stephen Love, Robert Strange, Nicholas Briggs, Evelyn Miller, Charles Sandford, Lucas Edwards, Caleb Hughes, Nadine Higgin, William Ellis
Duração: 50 min.