Amanda Brotchie, a mesma diretora do excelente Lux, traz agora mais uma história para constar em alto ponto desta Nova Série, explorando o roteiro de Russell T. Davies e Sharma Angel-Walfall de maneira tão convincente e tão poderosa, que conseguiu fazer jus à referência primordial dessa trama e que, mais uma vez, me faz lamentar profundamente a existência de fóruns de spoilers e discussões minuciosas sobre “o que vai acontecer na série”, duas coisas que simplesmente tiram o fator surpresa e, inegavelmente, estragam o poder das revelações e reviravoltas. Há 17 anos, Davies escreveu o incrível episódio Midnight, texto que, sob direção de Alice Troughton, tornou-se um dos capítulos memoráveis do 10º Doutor. Agora, com o 15º e uma ação ambientada no século 5020, voltamos a encontrar “a criatura que não quer ser vista” e, pela segunda vez, ela nos assusta, nos deixa tensos e nos maravilha.
Meu único “senão” em relação a O Poço é a estranhíssima coincidência (sim, eu sei, “escolha proposital da TARDIS”, ahã…) do figurino que o Doutor e Belinda vestem antes de saírem da nave e encontrar uma equipe inteira de militares prestes a pular e investigar o que aconteceu numa base misteriosamente silenciada. Até a batida na mesma tecla de Davies em relação à Dona Flood eu consegui lidar bem, aqui. Aquele comentário que ela fez logo após confirmar o dispositivo que o Doutor estava usando para voltar à Terra é redundante e meio “na nossa cara” (como, infelizmente, praticamente tudo relacionado a essa personagem), mas dado o contexto, é uma das poucas vezes onde a extrema exposição esteve bem integrada à narrativa. Só que eu fico cada vez com mais medo da futura revelação da personagem, porque nossa experiência com identidades nessa Era não saiu bem: Ruby, que é capaz de fazer nevar, segundo Davies, é apenas “uma pessoa comum”. Sim, porque pessoas comuns têm o poder de fazer nevar… Ai, ai…
Foi maravilhoso ver a dupla de viajantes começar o episódio com as roupas de Lux e dando sequência aos eventos dessa nova aventura. Sem pulos narrativos e sem buracos dramáticos em uma construção de arco onde muita coisa depende de observamos como Belinda e o Doutor se conectam e enfrentam problemas juntos, vemos aqui uma cadência simples e funcional, trabalhando a contento cada história individual (a escalada/manutenção de qualidade dessa temporada é impressionante, até agora) e fazendo sua parte na articulação geral do quebra-cabeça total. E para pagar a minha língua, The Well também trouxe um aspecto mais sombrio do Doutor, e sua interação breve com a criatura atrás de Aliss (Rose Ayling-Ellis, numa atuação poderosa), trouxe lágrimas de pavor pelo que via e temor pelo futuro, algo que me deu arrepios e me fez apreciar, tanto quanto apreciei as lágrimas em Ponto e Bolha, a sensibilidade dessa encarnação do Time Lord. Aqui, tirando os minutos iniciais dentro da TARDIS, Ncuti Gatwa entregou uma performance mais intensa, mais propícia à ação e à intervenção calculada, basta lembrarmos o modo como ele lida com Cassio (Christopher Chung) nos momentos de crise e com Shaya (interpretada com excelência por Caoilfhionn Dunne).
Sabemos que a Terra está proibida para o Doutor e Belinda. Sabemos que os pais de Belinda são pessoas que o Doutor vai encontrar — e tenho a impressão de que Davies está acenando para o fato de serem “pessoas importantes” (novo medo criado com sucesso). Sabemos que a Sra. Flood é muito mais do que uma observadora que quebra a quarta parede a cada novo episódio. Ela é uma personagem ativa, com um cargo alto no século 5020. Notem aí uma série de migalhas dramáticas lançadas até agora, e que podem desembocar num final de temporada que irá balançar as coisas de maneira intensa, seja pelo fato de ser o final da temporada que irá trazer a regeneração do 15º Doutor (se os rumores se confirmarem) ou preparar a casa para a temporada final dele (a 3ª), se tudo seguir no caminho das “três temporadas por Doutor”. Levando em conta que os anos da WhoDisney são mais curtos, a estruturação de um arco amplo da vida de um Doutor é maturada muito mais cedo, com menos tempo para elaborações. Para mim, não importa muito o rumo da série. Apesar de ser conceitualmente resistente a mudanças (como qualquer pessoa que já passou dos 30 anos), eu abraço com bom gosto as novidades que se apresentam em alta qualidade. Se a coisa seguir nesse nível da 2ª Temporada, venha o que vier: no quesito de bons roteiros, estamos bem servidos, direções e atuações. E isso é tudo o que importa.
Doctor Who – 2X03: O Poço (The Well) — Reino Unido, 26 de abril de 2025
Direção: Amanda Brotchie
Roteiro: Russell T. Davies, Sharma Angel-Walfall
Elenco: Ncuti Gatwa, Varada Sethu, Annabel Brook, Luke Rhodri, Bethany Antonia, Gaz Choudhry, Christopher Chung, Caoilfhionn Dunne, Gary Pillai, Rose Ayling-Ellis, Frankie Lipman, Paul Kasey, Jermaine Dominique, Anita Dobson, Amy Tyger, Meg Abernethy-Hope, Beyagy Demba, Umit Gozuacik
Duração: 50 min.