Normalmente, a primeira viagem de um Companion gera episódios de grande impacto visual, para mostrar ao companheiro o tipo de mundo em que se entra ao viajar na TARDIS, e que tipo de pessoa é o Doutor. The End Of The World, e The Beast Below tinham esse caráter, e é essa abordagem que é usada em The Rings Of Akhaten. Na trama, o 11º Doutor leva Clara para visitar os Anéis de Akhaten, depois que ela pede para ver algo incrível em sua primeira viagem. A dupla chega ao asteroide Tiaanamat durante um festival religioso, que os locais, acreditavam, vai garantiria que o Deus local conceda anos mais tranquilos. Mas, quando é revelado que o festival envolve o sacrifício de uma criança, o Doutor e Clara devem enfrentar um ser quase divino.
Escrito por Neil Cross, The Rings Of Akhaten tem como principal preocupação estabelecer como o Doutor e Clara enxergam um ao outro, e seus pontos de conexão. Assim, a escolha por fazer de uma criança posta em perigo o estopim do conflito se mostra acertada por funcionar como ligação perfeita entre os dois personagens. O 11º Doutor, afinal, ficou marcado como uma encarnação que lida bem com crianças, sendo constantemente apresentado como uma figura fabular para elas. Clara, por sua vez, surgiu como uma babá; sendo, portanto, alguém que cuida e guia crianças. Clara é a primeira nova Companion da Era Moffat, e para marcar as diferenças com a sua antecessora, o roteiro trabalha com uma oposição na relação entre o Doutor e suas companheiras. O prólogo mostra que o Doutor investigou a vida da garota, tornando-se uma presença constante no crescimento dela, mesmo que ela nunca o tenha notado. Ainda que a investigação seja motivada pelo mistério das múltiplas versões da jovem que o protagonista encontrou ao longo da temporada, ela também funciona como um retrato da evolução do Doutor, tendo em vista que a sua relação com a sua companheira anterior foi marcada por longos períodos em que o Time Lord desapareceu da vida de Amy.
Neil Cross nos traz uma trama que gira em torno de crença e religião. O Avô, uma enorme estrela senciente adorada pelos nativos e que exige sacrifícios, é comparada em certo ponto a um parasita, que se alimenta da fé, da alma e da própria história das pessoas do local, o que é uma boa metáfora para certas pessoas e organizações que existem por aí, que usam a religião para fazer o mesmo. Por outro lado, o texto passa longe de condenar crenças (religiosas ou não) como um problema em si, inclusive mostrando que são forças positivas se bem canalizadas. Cross apresenta uma história que é muito simples, mas de forma inteligente, o roteiro acrescenta camadas e detalhes aos rituais e sistema religioso em torno do Culto do Avô, que tornam a civilização do asteroide viva para o público, evitando assim transformar o culto e seus membros em meros dispositivos de enredo.
Falando em Akhaten, a produção e a direção de arte de The Rings Of Akhaten são impressionantes para a série. O Doutor e Clara são os únicos personagens que vemos sem próteses ou maquiagem, e temos uma grande quantidade de atores e figurantes, em cenários como o mercado e o anfiteatro onde a princesa faz a sua apresentação. A cenografia também é digna de nota, dando um ar grandioso para a história, que é bem aproveitada pela direção. Os efeitos especiais também apresentam um salto interessante quando comparado aos anos anteriores, especialmente na concepção da estrela senciente que serve de antagonista do episódio, ainda que nem todo o trabalho de CGI funcione, como se vê no veículo que o Doutor e Clara usam para ir ao local onde enfrentam o Avô.
Não posso finalizar uma resenha sobre The Rings Of Akhaten sem falar de Matt Smith como o Doutor. O discurso que o protagonista dá para o vilão é o ponto alto da performance de Smith aqui, onde o ator transmite as variadas emoções que passam pela cabeça do personagem naquele momento, de forma a deixar o público sem fôlego. Porém, o discurso apenas evidencia um trabalho que já está sendo feito há algum tempo. Desde a partida dos Pond, Smith passou a frisar mais em sua atuação o fato de o Doutor ser um ser milenar. Embora o estilo “criança grande” típico do 11º ainda esteja presente, há uma camada de maturidade e até melancolia que não se sentia antes na performance de Smith. Essa construção não se limita apenas ao trabalho do protagonista, com o texto também se inclinando nessa direção, bastando observar como o discurso do Doutor se baseia mais no que ele viu e viveu do que nas coisas que ele fez ou pode fazer. Diga-se de passagem, é adequado que, com a série prestes a completar 50 anos, o programa foque no peso da história de seu personagem principal, nos lembrando inclusive nesse episódio, que o Doutor é um avô, com uma referência direta a Susan, a Companion original.
The Rings Of Akhaten faz um bom trabalho em continuar desenvolvendo a parceria entre o 11º Doutor e Clara Oswald, ao mesmo tempo em que consegue apresentar uma trama autocontida sobre crença e religião, que se comunica com o arco dramático da dupla protagonista. As conquistas técnicas para a série que este episódio alcança são impressionantes para um programa que sempre se esforçou para criar monstros e paisagens alienígenas com orçamento de TV, e deram o tom do tipo de visual mais ambicioso que Doctor Who tentaria atingir nos próximos anos. O episódio é mais lembrado pelos fãs pelo supracitado discurso do Doutor, mas também é uma aventura com um bom ritmo, que traz uma história simples e uma construção de mundo competente, tanto do ponto de vista narrativo quanto técnico.
Doctor Who- 7X07: The Rings Of Akhaten (Reino Unido. 06 De Abril de 2013)
Direção: Farren Blackburn
Roteiro: Neil Cross
Elenco: Matt Smith, Jenna Coleman, Michael Dixon, Nicola Thorp, Emilia Jones, Chris Anderson, Aidan Cook, Feth Greenwood, Matthew Doman
Duração: 46 Minutos