O terror gótico é um subgênero presente em Doctor Who desde a era preto e branco, encontrando o seu auge dentro do programa durante os anos em que o Showrunner Philip Hinchcliffe esteve no comando do Show, no início da era do Quarto Doutor. Com a Nova Série já em seu sétimo ano, algumas homenagens já haviam sido feitas aos anos góticos de Doctor Who, mas nenhuma pareceu analisar a ligação entre a série e o terror gótico de forma tão detalhada quanto Hide, o nono episódio da temporada. Na trama, o 11º Doutor e Clara vão até o ano de 1974, onde visitam a Casa Calibarn, uma velha e luxuosa mansão conhecida por ser assombrada pelo fantasma de uma bruxa. Lá, a dupla da TARDIS une forças com uma médium e um investigador paranormal para desvendar de uma vez por todas o mistério que vem assombrando a Casa Calibarn e os seus arredores por séculos.
Escrito por Neil Cross, em seu segundo trabalho para a série, Hide é um episódio extremamente atmosférico, que entende muito bem não só o subgênero da história gótica de fantasmas com que está trabalhando, mas também as típicas amarras com a ficção científica que uma trama como essa precisa ter em Doctor Who. Buscando inspiração em clássicos como Desafio Do Além (1963) e A Casa Da Noite Eterna (1973), histórias que também giravam em torno de casas malditas postas sob investigação paranormal, o roteiro de Cross não só se baseia na premissa básica dessas obras, mas toma emprestado a compreensão de que fantasmas e assombrações nada mais são do que metáforas para complexos e emoções bastante humanas.
Alec Palmer, por exemplo, é assombrado por fantasmas, mas não necessariamente por espíritos, e sim pelas suas próprias memórias como um veterano de guerra. Da mesma forma, a figura que assombra a Casa Calibarn e a misteriosa criatura que a persegue são, cada uma a seu modo, frutos de sentimentos muito humanos; com o Doutor chegando a afirmar, em certo ponto, “isso não é uma história de fantasmas, é uma história de amor”. Alguns podem dizer que isso é uma negação do gênero, mas é mais um reconhecimento de que algumas das melhores histórias de fantasmas são aquelas que entendem que eles representam algo além do elemento assustador.
Claro, é uma história de fantasmas de Doctor Who, então, estamos lidando com Sci-Fi ao invés do sobrenatural. É sobre universos de bolso e viagens no tempo, e não bruxas e além-vida, mas o texto é inteligente ao reconhecer que, de certa forma, continua a ser sobre fantasmas. “Somos todos fantasmas para você, não é?” diz Clara após o Doutor levá-la até os destroços da Terra no futuro. É uma forma curiosa de olhar para a viagem no tempo, afinal, o Doutor vive encontrando pessoas que já estão mortas há tempos. Isso se aplica, de certo modo, a própria Clara, afinal, o Doutor viu a morte dela em duas ocasiões diferentes. Mas é justo dizer que a era do 11º Doutor especialmente é cheia de situações do tipo. Os Anos Smith foram definidos pela relação do protagonista com River, uma mulher que ele viu pela primeira vez no dia em que ela morreu, e o fim da temporada veria o Doutor de pé sobre o próprio túmulo.
Apesar das boas sacadas, o roteiro possui a sua cota de ideias subdesenvolvidas que o impedem de alçar voos mais altos. O texto cria alguns paralelos entre o Doutor e Palmer, dois veteranos de guerra que lidam com os seus traumas perseguindo o desconhecido, e que se esforçam para verem as suas parceiras mais como mistérios a serem desvendados do que pessoas propriamente ditas. O episódio até ensaia a exploração desse paralelo, mas não chega lá. O roteiro também apresenta o conceito de que a TARDIS não é grande fã de Clara, agindo quase como uma namorada ciumenta. A ideia de a nave não gostar de uma Companion poderia gerar situações interessantes, mas nem esse episódio, nem os seguintes se comprometeriam com essa ideia, tornando essa rusga entre Clara e a TARDIS apenas uma distração.
Em sua estreia na série, o diretor Jamie Payne faz um ótimo trabalho em evocar a atmosfera de horror gótico que o roteiro persegue, de forma elegante e econômica. O elenco convidado também merece elogios. Dougray Scott faz do Professor Alec Palmer um homem cujas fragilidades e inseguranças surgem de formas sutis, mas inequívocas, mas sem permitir que o espectador duvide da força e da determinação do cientista. Jessica Raine faz um trabalho igualmente delicado na pele de Emma Grayling, uma mulher que, diferente de seu parceiro, não tem medo de seus próprios sentimentos e justamente por isso, lida muito melhor com eles.
Das muitas histórias que Doctor Who já contou dentro do subgênero do horror gótico, Hide talvez seja a mais reflexiva. É uma trama com ideias muito inteligentes e atuações dedicadas, e que continua a acrescentar camadas interessantes na parceria entre o Décimo Primeiro Doutor e Clara. Mas mesmo com todas as suas virtudes, o episódio parece ter dificuldade para entregar as suas recompensas emocionais, fazendo com que a conclusão do arco da história não seja tão interessante quanto a jornada, além da presença de elementos dentro do texto que realmente não levam a lugar nenhum. Entretanto, ainda que não chegue onde poderia ter chegado, Hide continua sendo um episódio incrivelmente atmosférico, e uma meditação muito interessante sobre a relação de Doctor Who com um dos subgêneros mais recorrentes do programa.
Doctor Who – 7X09: Hide (Reino Unido. 20 De Abril de 2013)
Direção: Jamie Payne
Roteiro: Neil Cross
Elenco: Matt Smith, Jenna Coleman, Dougray Scott, Jessica Raine, Kemi-Bo Jacobs, Aldan Cook
Duração: 45 min.