Muitos pensam em como o Doutor é uma figura misteriosa em Doctor Who, mas muitas vezes não pensamos em como a TARDIS, um elemento vital dentro da estrutura da série, é algo ainda mais misterioso que o protagonista. De fato, houve poucas histórias na TV que realmente exploraram a consciência da TARDIS, o que ela realmente pode fazer, e a infinidade do que existe além da Sala De Controle. A era do 11º Doutor destaca-se por ter duas histórias que se debruçam fortemente sobre os mistérios em torno da TARDIS, sendo a primeira The Doctor’s Wife da 6ª Temporada, e a segunda sendo o objeto desta resenha, Journey to The Centre of the TARDIS.
Na trama, depois que o Doutor baixa os escudos da TARDIS para tentar ensinar a sua companheira Clara a pilotar o veículo, a nave acaba sendo capturada por uma dupla de irmãos que cata lixo espacial através de tecnologia ilegal. A captura joga o Doutor para fora e danifica seriamente a TARDIS, além de deixar Clara perdida dentro da nave do tempo. Agora, o Doutor precisa liderar uma expedição de resgate nas entranhas de sua nave para resgatar Clara e a própria TARDIS, ao mesmo tempo em que a garota é perseguida por criaturas monstruosas nos corredores da máquina do tempo.
Escrito por Steve Thompson, Journey to The Centre Of the TARDIS é uma história bastante ambiciosa, que realmente mergulha nos altos conceitos que a TARDIS pode oferecer como cenário principal. Dessa forma, o roteiro de Thompson não só explora a imensa variedade de cenários que podem existir dentro da TARDIS, vide uma montanha e uma fundição, mas também investe na ideia de que a máquina do tempo é um portal para o passado, para o futuro e para futuros possíveis. Todas essas ideias malucas são metralhadas em cima do público por um roteiro com um ritmo bastante ágil, que raramente se detém para respirar. Essa decisão acaba tendo os seus prós e contras, pois, se por um lado cria uma história com momentos que empolgam o espectador, por outro, os conflitos emocionais que tenta criar nunca soam bem embasados. Assim, parece que estamos diante de uma história muito rica em termos de ideias, mas, paradoxalmente, pobre em termos de drama.
Para ser justo, não é como se o roteiro não tentasse, pois as premissas dramáticas estão ali. O roteiro de Thompson tenta colocar em xeque a forma como O Doutor (e provavelmente boa parte do público) via Clara naquele momento, mais como um mistério, e menos como uma pessoa. Afinal de contas, um dos grandes picos dramáticos do episódio vê a dupla da TARDIS encurralada na beira de um penhasco, e ao ter a certeza de que vai morrer, o Time Lord não tenta consolar a sua companion, mas sim confrontá-la sobre a sua verdadeira natureza, obtendo em troca apenas uma reação compreensivelmente confusa e assustada. De fato, a revelação da identidade das criaturas zumbis que perseguem os personagens pela TARDIS soa muito como uma manifestação das obsessões do Doutor que a trama parece criticar.
Em muitos sentidos, Journey to The Centre of The TARDIS poderia ser lido como uma versão mais extrema e cara de The Edge Of Destruction, um dos primeiros arcos da Série Clássica, e o primeiro a apontar a TARDIS como uma máquina senciente. Naquela história estrelada pelo 1º Doutor, a TARDIS gerava ilusões de perigo como forma de reparar os problemas de relacionamento pelos quais a sua tripulação passava. De certa forma, o roteiro de Steve Thompson parece tentar fazer o mesmo aqui, mas falta realmente uma construção dramática mais cuidadosa para que aquele momento no penhasco realmente soasse merecido.
O episódio também não lida bem com seus aspectos mais fantasiosos na hora de encerrar a trama, ao apelar para o recurso do Deus Ex Machina para solucionar o conflito central. Claro, essa não é a primeira vez que a série apela para esse tipo de recurso, e ótimas histórias, como Big Bang, por exemplo, traziam situações muito semelhantes às vistas aqui. Roteiristas como Moffat se utilizam tão bem desse recurso, pois sabem que o público vai perdoá-los desde que ele ressoe tematicamente, mas o texto de Thompson não compreende isso tão bem. O botão de salvação do episódio surge basicamente porque Clara confia implicitamente no Doutor, e é isso que permite que a TARDIS crie um botão de Reset que a impede de ser destruída, mas a verdade é que a confiança da Companheira nunca foi uma questão da história.
Mas, se o episódio tem as suas fragilidades narrativas, a equipe técnica garante que as ideias mais malucas do roteiro ganhem vida, criando um espetáculo visual bem interessante para os padrões da TV da época. Um destaque deve ser dado à direção de fotografia e à direção de arte do episódio, que realmente se diverte criando os diferentes ambientes da TARDIS. A maquiagem do episódio também se destaca, criando um visual assustador e grotesco para as criaturas zumbis da TARDIS. Já a direção de Mat King em seu único trabalho para a série até o momento (2025) não compromete, mas também não se destaca.
Journey to The Centre of The TARDIS é um episódio ambicioso e criativo, e só pelas ideias malucas que apresenta já vale a conferida. Mas apesar de suas boas ideias, falta ao episódio um centro emocional realmente forte para contar a história que queria contar. Apesar de as premissas dramáticas que a história quer explorar serem apresentadas de forma competente, o texto parece nunca realmente saber desenvolvê-las, além de não possuir coadjuvantes muito bons. Journey to The Centre of The TARDIS é um experimento ousado dentro de Doctor Who, mas que não chega onde parecia querer chegar.
Doctor Who – 7X10: Journey To The Centre Of The TARDIS (Reino Unido. 27 De Abril de 2013)
Direção: Mat King
Roteiro: Steve Thompson
Elenco: Matt Smith, Jenna Coleman, Ashley Walters, Mark Oliver, Sarah Louise Madison, Ruari Mears, Paul Kasey
Duração: 47 Minutos