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Crítica | Doctor Who 8X03: Robot of Sherwood

por Luiz Santiago
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Robot of Sherwood é mais um episódio de Mark Gatiss em Doctor Who, ambientado em seu espaço-tempo favorito: algum lugar da Terra no passado. O escritor tem um modelo bastante particular no tratamento de personalidades históricas e cenários ou situações importantes, e, à exceção de Night Terrors, sempre investiu nesse tipo de cenário em seus roteiros.

Neste episódio da 8ª Temporada, o autor traz Robin Hood à série e brinca com a dupla realidade que marca o personagem: afinal, trata-se de alguém real ou não? A resposta a essa pergunta é dada no próprio texto, ao menos no âmbito histórico. Robin Hood de fato existiu, mas não se trata deste fora-da-lei medieval imortalizado na literatura, pintura, cinema, etc. O rebelde que tirava dos ricos para dar aos pobres recebeu um título que, curiosamente, foi atribuído a muitos outros foras-da-lei que agiam da mesma forma, verdade posta explicitamente ao final do episódio:Talvez outros homens vivam a nossa história, Doutor.

Esse tipo de episódio histórico ou fantástico geralmente incomoda alguns espectadores, que deixam escapar o modelo sequencial narrativo da Nova Série. Desde a era T. Davies há uma normatização interessante para as temporadas, com capítulos que servem como ponte para algum momento no futuro ou apenas para mostrar uma situação isolada do Doutor e que citam um elemento qualquer da história como plano de fundo na temporada. Esta é a categoria principal de Robot of Sherwood e para avaliá-lo com justiça, é preciso levarmos em consideração o ambiente dramático em que se encontra, o híbrido entre história, fantasia e ficção científica. Assim, o final terno e algumas sequências bem conhecidas do grande público estarão no seu devido lugar. Para o ambiente e para o tipo de história que temos aqui, não poderia haver uma abordagem diferente.
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I am the Doctor and this is my spoon

Gatiss arquiteta muito bem a onda de referências visuais e literais à Série Clássica que esta temporada se propõe apresentar, brincando com a relação do Doutor e a colher (vinda de sua 7ª encarnação), a luta de espadas que na Nova Série víramos em The Christmas Invasion (10º Doutor) e, na Série Clássica, observáramos com dinâmica semelhante nos arcos The Time Warrior (4º Doutor) e The King’s Demons (5º Doutor). Aliás, toda a atmosfera desse episódio nos remete à Era Clássica, com a TARDIS se materializando em um lugar convidativo que esconde um perigo não óbvio; robôs estilizados e separação entre companion e Doutor, formando dois núcleos de história bastante orgânicos, além de uma aplaudível exploração da linha humorística, utilizada como contraste ao mal humor do Time Lord, ainda procurando entender quem ele é.

A direção do episódio, assinada por Paul Murphy, adota um nível de agilidade diferente daquele ar mais clássico de direção apresentado por Ben Wheatley em Deep Breath e Into the Dalek. A ‘estética de videoclipe’ aparece aqui muitíssimo bem revestida de ares medievais (a ação se passa em 1190) e alterna sequências ambientadas em cenários diferentes num curto espaço de tempo, além de adotar o modelo de “filmagem em semicírculo” para sequências com pelo menos dois atores em cena, dentre as quais destacamos a competição para melhor arqueiro do reino; o calabouço para onde o Doutor, Robin Hood e Clara são levados e o diálogo entre Clara e o Xerife na mesa de jantar (a segunda melhor atuação da direção de fotografia no episódio. A primeira foi no calabouço, cuja primeira mirada é de um esqueleto iluminado parcialmente pela luz da janela vazada com uma cruz).

Essa variedade de ângulos e planos para uma mesma cena/sequência e com cortes quase abruptos foram uma forma inteligente do diretor em plasmar os momentos mais estendidos do roteiro sem fazê-los parecer chatos (convenhamos que esse tipo de história tem todos os ingrediente para ser filler se não for bem trabalhada ou fizer sentido dentro da proposta da série e temporada). Desse modo, Murphy deu uma agilidade impressionante a uma história que se passa em um número relativamente pequeno e pouco dinâmico de cenários.
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When did you start believing in impossible heroes?

O Doutor encontra aqui a sua “versão real” de “ser heroico” e esse é um dos pontos deliciosos do episódio. Uma lenda encontrando outra? Melhor: uma lenda que se recusa a reconhecer que outra lenda existe, especialmente quando essa outra lenda está em crise de aceitação?

Gatiss brinca com essa dualidade de forma exemplar e não só no plano de embate Doutor X Robin Hood – com Capaldi brilhando cada vez mais, mostrando uma maneira diferente de fazer humor sendo rabugento –, mas impulsionando o gallifreyano a desmistificar todo o ambiente, avaliando a floresta de Sherwood, analisando sangue, cabelos e sandália dos homens de Robin Hood e, na linha de redefinições do personagem, fazendo-o voltar a comer maçã, um hábito perdido em sua encarnação anterior.
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Well, you amuse me, grey old man

A lousa cheia de rabiscos volta a aparecer na TARDIS, o que nos leva a pensar nessa tentativa do Doutor em se reafirmar pensando, escrevendo e calculando coisas. Temos aqui também a confirmação de que a Terra Prometida de Missy realmente existe (fiquei extremamente feliz em perceber que não se trata de um holograma ou um “lugar espiritual”).

Foi interessante ver o Doutor voltar a usar o seu Aikido Venusiano e citar o encontro com Ricardo Coração de Leão (The Crusade), Cyrano de Bergerac (The Mind Robber) e Errol Flynn. Além disso, que sensacional foi a foto de Patrick Troughton como Robin Hood* aparecendo na nave dos robôs-Cavaleiros!

Robot of Sherwood é um tipo de capítulo leve e divertido que mantém o charme da diversidade episódica em Doctor Who, e, nesse caso específico, não só é bom porque cumpre a cartilha do que é tecnicamente um bom episódio, mas porque se enquadra perfeitamente ao ritmo e proposta da série em sua atual fase (talvez falando menos dos vilões do que deveria, mas isso é apenas um detalhe). Clara está cada vez mais independente e o Doutor continua procurando a si mesmo, tentando entender a essência de tudo, mesmo quando seu objetivo é apenas mostrar para Clara que está certo, tentativa que falha mais uma vez — Gatiss deixa no ar a conclusão sobre Robin Hood ser ou não um robô.

Vemos que o Time Lord está buscando algo em si e ao seu redor, e percebemos que alguém também está. Diante disso, não é precipitado dizer que vamos rumo à Terra Prometida, seja lá o que isso for.

* A foto de Troughton corresponde à série Robin Hood (série de 1 temporada com 6 episódios) que o ator protagonizou em 1953.

Ouça o nosso podcast sobre esse episódio!

Doctor Who 8X03: Robot of Sherwood (Reino Unido, 2014)
Direção:
Paul Murphy
Roteiro: Mark Gatiss
Elenco: Peter Capaldi, Jenna Coleman, Roger Griffiths, Tom Riley, Ben Miller
Duração: 45 min.

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