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Crítica | Doctor Who: O Aprendiz de Feiticeiro, de Christopher Bulis

por Rafael Lima
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Equipe: 1º Doutor, Susan, Ian e Barbara
Espaço: Planeta Avalon
Tempo: 2945

Embora seja considerada a série de ficção científica mais longa da TV, não foram poucas às vezes em que Doctor Who flertou com a fantasia. Sendo o protagonista um cientista, os supostos eventos mágicos e monstros sobrenaturais com que o Doutor se depara sempre são desmascarados como fruto de ciência, e mesmo quando não há uma prova cabal para tal, há indícios o suficiente para que o mágico e o sobrenatural não sejam completamente abraçados. É nesse eterno conflito entre ciência e magia que está o ponto de partida de O Aprendiz de Feiticeiro.

O livro se inicia após os eventos do arco Marco Polo, com a TARDIS se materializando em uma floresta, em um planeta desconhecido. Ao explorarem o local, o Doutor e seus companions percebem que estão no futuro, ao encontrarem os destroços de uma nave pertencente ao Império da Terra do século 30. Estranhamente, o grupo também encontra um vilarejo queimado, que remete ao século V. Logo, os viajantes são atacados por um dragão, só sobrevivendo devido à interferência de um cavaleiro. Trancados misteriosamente para fora da TARDIS, os viajantes se veem no meio de uma crise no pacífico reino de Elbyon, ameaçado por um feiticeiro cruel, em um mundo medieval onde aparentemente não há tecnologia, mas onde feiticeiros e criaturas mágicas são reais. Embora não acredite em magia, o Doutor precisa aprender a dominá-la, se quiser descobrir o que há de errado com a TARDIS e tirar seus amigos do planeta em segurança.

Escrito por Christopher Bulis, O Aprendiz de Feiticeiro é uma grande homenagem à literatura de fantasia e aos contos de fadas. O autor não esconde as suas inspirações, com trechos e referências que homenageiam obras diversas como Branca de Neve, A Bela Adormecida, Rapunzel, O Mágico de Oz, As Crônicas de Nárnia, O Senhor dos Anéis, e principalmente os mitos arturianos, já que o povo de Elbyon que acolhe os viajantes da TARDIS alega que eles estão na lendária Avalon, e seriam descendentes dos habitantes de Camelot.

O romance se encaixa perfeitamente como uma aventura oriunda da 1ª Temporada da Série Clássica. Como nas histórias do ano de estreia da série, o Doutor, Susan, Barbara, e Ian inicialmente se envolvem na crise que se desenrola em Elbyon por necessidade, já que simplesmente não conseguem ir embora. A estrutura também é muito semelhante, com os viajantes se separando a certa altura da narrativa, o que acaba multiplicando os núcleos da trama. Tal opção mostra-se uma decisão acertada, já que não só Bulis tem mais oportunidades de trabalhar individualmente os viajantes do tempo, mas também explorar melhor os detalhes do mundo de Avalon.

Embora não tente lançar nenhum tipo de olhar mais profundo sobre este time da TARDIS, o autor mostra ter domínio sobre os personagens, tornando-os reconhecíveis para quem os assistiu na televisão. O Primeiro Doutor é particularmente bem retratado, com o ar rabugento, e eventualmente brincalhão da versão de William Hartnell transposto com perfeição para as páginas. Deve-se destacar aqui o pragmatismo desta encarnação, que após um breve período de negação, percebe que primeiro deve aceitar as regras daquele mundo, para só então desconstruí-las. Os companions também são bem utilizados, especialmente as mulheres, com as habilidades de Barbara como pesquisadora desempenhando um papel importante na trama, enquanto o gênio científico de Susan, muitas vezes negligenciado pela série, é bem utilizado aqui.

Os coadjuvantes da obra são em sua grande maioria os típicos arquétipos de histórias de fantasia medieval e contos de fadas, como a princesa ingênua e bondosa, o príncipe corajoso, o nobre e leal cavaleiro, o velho mago sábio, o feiticeiro maligno, etc. Nenhum deles é memorável ou especialmente bem desenvolvido, mas são bem escritos o bastante para que o leitor se preocupe com eles. Há também o núcleo de soldados do Império da Terra, que estão na atmosfera de Avalon, investigando estranhas emissões de energia naquele Sistema Solar. Tal núcleo gera um contraste interessante com o ambiente de Avalon, especialmente no primeiro terço do livro, onde os soldados são mantidos fora da ação principal, criando no leitor a sensação de estar lendo um livro diferente a cada vez que eles surgem. Esse núcleo ainda é utilizado pelo autor para tecer algumas críticas contra o imperialismo e o militarismo cegos, críticas recorrentes em Doctor Who. Deve-se elogiar o ótimo trabalho de construção de mundo feito pelo autor, que dá consistência a Avalon, com seus mares de monstros, florestas mágicas e reinos. A revelação do grande mistério em torno da existência da magia no planeta é fascinante, em uma sacada bastante inteligente da parte do romancista.

Entretanto, se Bulis consegue reproduzir em seu romance muitas das qualidades e particularidades da 1ª Temporada da Série Clássica, acaba recriando também alguns de seus defeitos. Como os arcos de seis partes do período da série em que se situa o livro, O Aprendiz de Feiticeiro se estende por mais tempo do que deveria, criando certa gordura na obra, como por exemplo, determinado trecho em que um personagem sai de uma cabana, enfrenta um perigo na floresta, só para ser livrado da ameaça e voltar para a mesma cabana, sem que esse momento cumpra qualquer função narrativa. Basicamente o tipo de sequência que a Série criaria para gerar um cliffhanger gratuito (e não por coincidência, o momento de perigo citado fecha um capítulo). Há uma ou duas reviravoltas no terceiro ato que também podem soar pouco orgânicos, mas que não maculam o emocionante clímax montado por Bulis.

Ainda que fosse se beneficiar de algumas páginas a menos, O Aprendiz de Feiticeiro é uma ótima leitura, uma aventura divertida e despretensiosa, que é um prato cheio tanto para quem gosta de Doctor Who, como para os fãs de épicos de fantasia. O Doutor pode acreditar veementemente que não existe magia, mas Bulis lança uma provocação final com a frase que fecha o livro, e que poderia fechar 99% das histórias de Doctor WhoE quase magicamente, a TARDIS desapareceu”.

O Aprendiz de Feiticeiro (The Sorcerer’s Apprentice) — Reino Unido, 20 de julho de 1995
Autor: Christopher Bulis
Publicação: Virgin Missing Adventures #12
296 Páginas

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