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Crítica | E Deus Criou a Mulher (1956)

por Laisa Lima
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Pode-se dizer que, na metade da década de 50, a liberdade da mulher já estava bem encaminhada cinematograficamente. Em 1955, na Itália, Sophia Loren teve o poder de escolha de seu destino independente dos muitos corações arrebatados em Signo de Vênus, dirigido por Dino Risi. Nos Estados Unidos, já em 56, outro ícone do cinema anunciava que a santidade passava longe de sua pessoa; era Marilyn Monroe em Nunca Fui Santa, de Joshua Logan. Neste mesmo ano, o modelo francês de demonstrar a gradativa emancipação sexual feminina trouxe Brigitte Bardot na liderança de E Deus Criou a Mulher, de Roger Vadim, com o filme sendo um veículo de promoção da tal ideia.

Brigitte Bardot foi incumbida de dar vida a Juliete, uma menina com a sexualidade latente, julgada por isso no local onde vive. Com uma beleza diferenciada, ela inevitavelmente atrai olhares do sexo oposto, como o do milionário Eric (Curd Jürgens). Entretanto, a disputa pelo amor da moça está entre dois jovens locais,  Antoine Tardieu (Georges Poujouly) e seu irmão Michel André Tardieu (Jean-Louis Trintignant), com este último se casando com Juliete. O casamento, então, torna-se quase insustentável para a personagem visto seu espírito livre, não compreendido pela maioria. A história envolvendo a desconstrução de uma mulher despida de vínculos com o que é ser “recatada”, é entendida a cada passo dado por Juliete e sua despreocupação com a sentença alheia.

Os pés quase sempre descalços e o corpo nu em uma varanda, em plenos “Anos Dourados”, é uma das marcas da autonomia de seu corpo na protagonista de Bardot. A ascensão da atriz como símbolo sexual teve sua confirmação no acatamento da exibição de suas curvas na obra, mas de forma não banal. Juliete refletiu um pouco os desejos incutidos e reprimidos de uma nova onda de demonstrações dos quereres do gênero feminino, tal qual a necessidade de sexo, corriqueira em qualquer ser humano. Sem o aval da sociedade, a personagem se vê enjaulada dentro do matrimônio com Michel, com este laço sendo a única chance da jovem de não ir para o orfanato. Contudo, seus instintos de ser liberta não consente com esta ação, e o filme revela isto nas inúmeras tentativas de escape de Juliete, como sua ida ao barco de Eric. Certa ou não, condizente com a moral ou não, a insistência do longa-metragem em expor a personagem em uma posição à frente dos preconceitos de seu tempo, é cumprida por meio das situações em que Juliete necessita provar seu enquadramento no senso comum. E isto não acontece.

A relação de Juliete com os demais homens não a põe em uma condição de submissa. A passividade é distante dos ideais da jovem, já que seus interesses estão acima de qualquer ligação afetiva. Seu compromisso é, literalmente, com sua vontade. Os rapazes à sua volta, apesar de sentirem um possível carinho pela menina, não possuem, em suas mentalidades, o rompimento essencial com os preceitos do que é o prudente no coletivo, transparecendo isso no tratamento de Juliete. Alguns, como Eric, apenas se conformam com sua própria maneira de enxergar as mulheres, notoriamente consideradas por ele como simples caçadoras de aquisições, sejam financeiras ou de estruturas de uma vida sólida. Embora os demais, iguais a Antonie, pelo qual Juliete tem uma fagulha de sentimento amoroso, se esforcem para se habituarem com o olhar da moça perante a vida e, principalmente, perante o amor, não são hábeis a lidar com o indivíduo que ela é em si, não somente com sua independência, mas também relativo a personalidade desafiadora da personagem.

Com Barbarella (1968), Roger Vadim continuou sua saga de validar o prazer que a mulher deve se permitir e não repelir – neste caso, em níveis intergaláticos. E, em E Deus Criou a Mulher, o sexo feminino não é tido como casto e imaculado, porém como humano. A obra, que foca totalmente na mensagem que Juliete tem para passar, transmite por intermédio de ocorrências unidas ao segundo plano – os homens -, o protagonismo de um erotismo não velado e aparente a qualquer momento, tendo em Brigitte Bardot e sua natural sensualidade, a portadora deste objetivo. A câmera dá enfoque exatamente neste quesito, preferindo cenários abertos, como se Juliete fosse componente das paisagens esplendorosamente belas. O roteiro, por sua vez, só reforça quem é a protagonista, transitando entre suas ações e consequências atrelados ao seu temperamento.

Torcer para quem Juliete irá ficar não tem tanta importância em E Deus Criou a Mulher, por mais que o caráter de cada um dos homens que a cercam seja uma questão de avaliação. O primordial aqui é a assimilação de o que pode ser uma mulher adepta e realizadora de seu bel-prazer, consciente do juízo de outros, menosprezada por isso, porém não deixando seu “eu” se defasar. Na época de seu lançamento, o filme foi censurado por conter cenas ligeiramente eróticas, mas atualmente, talvez os únicos pareceres negativos seriam o da falta de nuances da personagem e da utilidade de tantas cenas que valorizam o corpo da atriz, podendo ser tida como sexualização. Apesar de tais alegações, o longa-metragem continua relevante pela temática um tanto libidinosa e, ao mesmo tempo, libertária da mulher. Isso ainda nos anos 50. Hoje em dia, talvez a obra siga controversa, mas a cena em que Brigitte Bardot dança em cima das mesas com músicos ao vivo, é inegavelmente antológica. Logo, a película dificilmente passará batida na memória do espectador.  

E Deus Criou a Mulher  (Et Dieu… créa la femme) – França, 1956
Direção: Roger Vadim
Roteiro: Roger Vadim
Elenco: Brigitte Bardot, Curd Jürgens, Jean-Louis Trintignat, Gary Goetzman, Kenny Ortega, Jane Marken, Jean Tissier, Donovan Leitch Jr.
Duração: 95 min.

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