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Crítica | Encantado’s – 1ª Temporada

A encantadora história de um supermercado e de uma Escola de Samba.

por Arthur Barbosa
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O humor brasileiro sempre esteve presente na programação da Rede Globo, porque, além dos programas humorísticos, a maior emissora de televisão do país também produziu diversas séries de sucesso, como A Diarista (2004), A Grande Família (2001), Os Normais (2001), Tapas & Beijos (2011), dentre outras. Com a chegada do Globoplay, em 2015, naturalmente seriam produzidos conteúdos originais, dentre seriados, filmes, documentários e novelas. No caso do primeiro item, destaca-se a série Encantado’s, uma produção escrita por duas mulheres pretas – Renata Andrade e Thaís Pontes – com um elenco majoritariamente também preto, sem o excessivo estereótipo da violência ou da pobreza como sustentação do roteiro, que sempre embasaram as tramas de novelas, por exemplo.

Na trama, temos a história de dois irmãos, Olímpia (Vilma Melo) e Eraldo (Luís Miranda), que precisam lidar com o falecimento do pai e, com isso, assumem a gerência do “negócio da família”, caracterizado pela dualidade de funções. Sabem aquela trend [tendência] das redes sociais, como no Instagram e no TikTok, em que a pessoa publica um vídeo mostrando que “de dia é de um jeito”, mas “de noite é de outro [jeito]”? É o caso do Encantado’s: durante a luz do dia ele funciona como um supermercado – o Encantado’s Supermercado – ao passo que, à noite, ele vira uma espécie de galpão da agremiação Joia do Encantado, a escola de samba do bairro. Enquanto o irresponsável Eraldo coloca as finanças em perigo (e olha que ele é o presidente da Joia do Encantado, hein?!), Olímpia precisa ter muita paciência para manter tudo em ordem, afinal, ser proprietária e gerente-geral do comércio local não deve ser uma tarefa fácil. Apesar do laço sanguíneo e do amor que um sente pelo outro, ambos vivem encontros e desencontros na tentativa de conciliar suas distintas maneiras de seguir os próprios sonhos.

Além das roteiristas Renata Andrade e Thaís Pontes, a redação final foi de responsabilidade de Chico Mattoso e de Antônio Prata, sendo, a série, fruto da oficina de humor para roteiristas negros realizada pela TV Globo em 2018. Em virtude disso, Renata classifica a trama como uma comédia de sonhos e a descrição se mostra perfeita, já que quem assiste se vê mergulhado em um enredo leve, divertido, isto é, de fácil identificação, recheado de personagens carismáticos. Não há uma comicidade forçada, boba ou caricata, e sim reinventada e alegre. Todos os personagens são protagonistas de suas próprias vidas e de seus próprios sonhos e, logo no primeiro episódio, a personalidade de cada um é revelada de maneira hilária, característica que cativa qualquer telespectador despretensioso. Ademais, o fato de a trama ser praticamente ambientada em um supermercado no subúrbio do Rio de Janeiro (RJ) é outro ponto positivo, visto que cada corredor do estabelecimento comercial mostra um núcleo diferente.

No que tange aos protagonistas, temos uma Olímpia que representa o lado prático, ou seja, ela se preocupa com os boletos e com a dura realidade da vida. Em contrapartida, Eraldo é um homem sonhador, representando a criança no corpo de um ser humano adulto, não se preocupando com as consequências de seus atos, por mais que eles sejam questionáveis, mirabolantes e inadmissíveis em certas situações. Aqui vale elogiar a atuação colossal de Luís Miranda e de Vilma Melo, em uma sintonia perfeita como irmãos briguentos em cena. A dupla consegue emocionar e divertir os telespectadores com a mesma facilidade: é incrível. Além disso, o restante do elenco também é divertido e foi muito bem escalado pela produção, vejamos eles:

Há a fofíssima história de amor de Pandora (Dandara Mariana) com o FlashBlack (Digão Ribeiro); Maria Augusta (Evelyn Castro) e a sua saga incansável em ser uma famosa influenciadora digital; a mal-humorada Ana Shaula (Luellen de Castro), que é uma das caixas do estabelecimento comercial; a carismática Crystal (Ludmillah Anjos); Leozinho (Augusto Madeira), o amigo puxa-saco de Eraldo; o atrapalhado, mas esforçado trabalhador Celso Tadeu (João Côrtes); a fofoqueira Tia Ambrosia (Neusa Borges); Dona Ponza (Dhu Moraes), a matriarca e viúva da família, a qual, apesar de saber andar normalmente, prefere ficar andando pelos corredores em uma cadeira de rodas motorizada em função da preguiça; e a participação luxuosíssima do ator Tony Ramos no papel do bicheiro Madurão, o qual deseja a todo custo comprar o terreno do supermercado. Todos esses personagens – ao todo, são 13 personagens fixos – foram escritos em roteiro ágil, em uma espécie de caos maravilhoso, possibilitando, assim, instantes graciosos com um humor refinadíssimo, captado pelos mínimos detalhes em cena. Esqueça o tom escrachado e batido, comum na televisão brasileira nos anos 2000, pois aqui, em Encantado’s, o humor é estrategicamente montado em diversos momentos de pura graça nacional.

Portanto, nota-se que Encantado’s é um verdadeiro encanto televisivo (me perdoem pelo inevitável trocadilho), pois, ao se mostrar como uma série de humor despretensiosa, ela diverte qualquer telespectador por meio de um roteiro inteligente e criativo. O resultado disso não poderia ser outro: os personagens transbordam alegria de viver, dando a sensação de que o tempo passou rápido ao acompanhar a jornada de todos ao longo dos 11 episódios da primeira temporada. Há muita brasilidade na tela: tem o Carnaval, o qual, além de ser uma das manifestações culturais mais importantes do país, é o maior espetáculo a céu aberto do mundo; e tem ainda a fé, seja aquela voltada ao contexto religioso, seja aquela em relação a acreditar que as atribulações da vida vão ser combatidas no dia de amanhã. Não tem como não torcer pela felicidade carnavalesca dos personagens!

Para fins de curiosidade, o seriado, que começou a ter a exibição de sua terceira temporada a  partir do dia 29 de abril de 2025 (às terças e às quintas-feiras, logo após a novela Vale Tudo) – em comemoração aos 60 anos da TV Globo -, teve um investimento de encher os olhos. O supermercado, por exemplo, foi construído no Módulo de Gravação 4, o MG4, o mais moderno complexo de estúdios da emissora carioca e da América Latina, tendo cerca de 22 mil produtos expostos à venda, todos é claro de marcas inexistentes, mas “personagens” importantes para a composição do cenário e da história da série. Destaque para o seguinte diálogo logo no piloto entre uma cliente em compras e Olímpia, a proprietária: “Tem lápis cor de pele?”, pergunta a cliente branca, com um kit de material escolar na mão. “Qual?”, responde Olímpia. “Da minha, da dela, da dela ou da sua?”, finaliza a irmã de Eraldo. Fiquemos, desse modo, com a reflexão se existe de fato ou não uma “única” cor de pele.

Encantado’s – 1ª Temporada (Brasil,2022)
Criação: Renata Andrade, Thaís Pontes
Direção: Naína de Paula, Henrique Sauer, Déo Cardoso, Natália Warth
Roteiro: Renata Andrade, Thaís Pontes, Chico Mattoso, Antônio Prata, Hela Santana
Elenco: Luís Miranda, Vilma Melo, Augusto Madeira, Evelyn Castro, Tony Ramos, João Côrtes, Dhu Moraes, Dandara Mariana, Digão Ribeiro, Dhonata Augusto, Leandro Ramos, Ludmilla Anjos, Luellem de Castro, Ramille Xavier, Neusa Borges, Romeu Evaristo, Lidiane Ribeiro, Caio Scot, Tony Tornado, Milton Cunha
Duração: 11 episódios

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