Como tem sido recorrente nos últimos anos, o cinema de blockbuster volta a investir na velocidade, algo que faz parte do sucesso de priscas eras com Steve McQueen e outros astros que encantaram gerações com heróis do volante. A estrela da vez é Brad Pitt, que encarna aqui Sonny Hayes, um ex-piloto promissor que se perdeu entre lesões, apostas e falhas pessoais, e agora vive em trailers entre corridas menores e competições curtas. O veterano problemático é convidado de volta à Fórmula 1 por uma equipe novata chamada APX GP, chefiada por Ruben Cervantes (Javier Bardem), ex-parceiro de Sonny, que decide trazê-lo de volta para o principal torneio do automobilismo para ajudar no desenvolvimento de um jovem talento, o arrogante Joshua Pearce (Damson Idris).
Assim, temos a clássica narrativa de redenção e passagem de bastão. Pitt entrega carisma e peso dramático na medida que a produção pede, mas o personagem pouco evolui além do arquétipo do “herói em recuperação”, com um passado trágico pouco explorado, um romance aguado com a engenheira Kate McKenna (Kerry Condon) e um desenvolvimento emocional que carece de melhores camadas. Idris também traz uma boa performance, encarnando com frescor o papel de JP, mas o personagem é outro estereótipo do “jovem convencido que precisa de lições para amadurecer”. A estrutura manjada tem uma variedade de clichês, passando pela tensão intergeracional, o vilão corporativo e a rivalidade clássica entre pilotos de F1. Felizmente, a química da dupla funciona; o melodrama não cativa, mas é confortável; e o conflito, apesar de não ser tão tenso e dramático como outros exemplares do subgênero (Rush – No Limite da Emoção ou Ford vs Ferrari), é prazeroso de acompanhar e de ser recompensado com a vitória sobre os desafios da trama, especialmente nas pistas.
Inclusive, F1 mostra verdadeiramente ao que veio quando acende o motor. Dirigido por Joseph Kosinski, responsável pelo ótimo Top Gun: Maverick, temos outro exemplar técnico do que pode ser feito no cinema de alto orçamento moderno. O cineasta claramente entende de velocidade, de tecnologia e de como transformar ação prática em espetáculo com peso, trazendo mais uma vez um nível de realismo que carrega imersão genuína. A câmera vai até o chão, gruda nos pedais, oscila com o volante. O som da troca de marcha tem textura, o asfalto parece rugoso e o impacto sensorial é palpável. As filmagens em locações de circuitos reais de F1 como Silverstone, Las Vegas e Abu Dhabi, filmadas durante fins de semana de corrida, e o uso de carros adaptados da F2 a 300km/h, são escolhas ousadas que agregam à experiência imersiva, provavelmente a mais próxima que o público já teve da experiência física de guiar um automóvel da Fórmula 1.
Portanto, as cenas de corrida são o ponto alto absoluto da produção. Há tensão, há força centrífuga nas curvas, há suor nos capacetes, com pouco abuso de CGI e uma trilha sonora explosiva de Hans Zimmer mesclado com faixas pop para acompanhar a adrenalina. Quando o pé sai do acelerador, a narrativa vacila em curvas batidas, mas é uma produção que também não finge seu lado de marketing. O roteiro mais confortável que critico é claramente resultado de um filme que teve o apoio e a chancela da Fórmula 1, evitando qualquer polêmica real da FIA, e fazendo de tudo para manter a imagem limpa do esporte, até porque, não coincidentemente, os EUA terão uma equipe (Cadillac) na F1 a partir de 2026. Nesse sentido, falta ao texto ser um pouco mais incômodo e menos celebratório da instituição que reverencia, mas também não condeno a abordagem: a história é menos sobre os personagens e seus dilemas, e mais sobre o espírito da Fórmula 1 em sua essência, pela paixão de correr e dos riscos de ser engolido por essa adrenalina (Hayes encapsula tudo isso, como o arquétipo perfeito do piloto de corrida carismático).
É inegável que essa veia propagandista limita o drama esportivo, o nosso envolvimento com esses personagens e até o sentimento de urgência da história, não das set-pieces, mas a vitrine também é inegavelmente divertida. Às vezes o filme até pesa a mão demais no lado comercial, como na participação meio boba dos pilotos reais para os fãs apontarem para a tela do cinema, mas tudo tem um nível de grande autenticidade e verossimilhança, mesmo entre exageros hollywoodianos típicos – talvez a maior mentira do filme seja pilotos americanos serem tão bons assim. Mesmo entre ressalvas, é difícil não ser fisgado pelo prazer visual e auditivo que F1 proporciona. Há um valor quase físico na forma como os carros tomam a tela. Em IMAX, o impacto é impressionante. A edição de som, a montagem, os enquadramentos, tudo trabalha a favor da imersão. E, por vezes, o filme encontra momentos de silêncio e contemplação que lembram que há algo de existencial no ato de pilotar em altíssima velocidade, com uma cena em específico que parece referenciar a “outra dimensão” que Ayrton Senna descrevia.
No fim das contas, F1 é uma bela volta rápida: impressiona, emociona em flashes, mas evita correr riscos. É um filme que joga seguro, feito para encantar o público global, com uma estrela carismática ao volante, um espetáculo técnico de primeira e emoção sem grandes surpresas. Não tenho dúvida alguma que essa celebração pop da Fórmula 1 muito bem pensada vai colher diversos frutos, seja na bilheteria, seja com a expansão do esporte. Falta aquele algo a mais, o imprevisto, a fissura, o erro, a tensão de egos, a profundidade emocional, a sujeira do esporte, mas como uma obra sobre corridas, é um show tão grande que você sai do cinema maravilhado e extasiado, pronto para acelerar no estacionamento e na volta para casa.
F1 – O Filme (F1 the Movie) | EUA, 26 de junho de 2025
Direção: Joseph Kosinski
Roteiro: Joseph Kosinski, Ehren Kruger
Elenco: Brad Pitt, Damson Idris, Kerry Condon, Tobias Menzies, Javier Bardem, Kim Bodnia, Shea Whigham, Will Merrick, Joseph Balderrama, Sarah Niles, Samson Kayo, Abdul Salis, Callie Cooke, Luciano Bacheta
Duração: 156 min.