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Crítica | Fera Ferida – Capítulo 1

Vingança e cobiça.

por Luiz Santiago
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Bem-vindos ao Plano Piloto, coluna semanal dedicada a abordar exclusivamente os pilotos de séries de TV.

Número de temporadas: 1
Número de episódios: 210
Período de exibição: 15 de novembro de 1993 a 16 de julho de 1994
Há continuação ou reboot?: Não.

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A essência daquilo que verdadeiramente viria a ser Fera Ferida ainda não pode ser vista neste capítulo inaugural da novela, mas existe uma base muito bem feita para isso. Agnaldo Silva é a voz mais forte por trás do enredo, mas a criação é também assinada por Ricardo Linhares e Ana Maria Moretzsohn. O trio adota como fonte principal de seus roteiros, os escritos cheios de camadas e interpretações do escritor carioca Lima Barreto, especialmente as narrativas de Recordações do Escrivão Isaías Caminha (1909), Triste Fim de Policarpo Quaresma (1911), Vida e Morte de M. J. Gonzaga de Sá (1919) e Clara dos Anjos (1948), tendo ainda alguns personagens e nomes vindos de O Homem que Sabia Javanês (1911) e A Nova Califórnia (1915).

Com uma base literária tão forte e tão específica, estava clara a intenção de Agnaldo Silva e seus colegas aqui: construir uma narrativa alinhada ao realismo fantástico, somando problemas sociais a uma estrutura geral envolvendo vingança e cobiça, mais uma camada sobrenatural composta por lendas indígenas, lendas urbanas e histórias famosas do folclore brasileiro. Neste primeiro capítulo, o roteiro apresenta apenas a parte realista da saga, estabelecendo a morte dos pais de Raimundo Flamel (Edson Celulari), seu retorno à cidade de Tubiacanga e a revelação de que está lá para destruir a cidade e todos os que estão nela, uma vingança tardia pela morte de seus pais (interpretados por Lucinha Lins e Tarcísio Meira).

A maior parte do episódio é formada pelas cenas de flashback, que se ligam ao presente meio misterioso e decadente, onde Raimundo Flamel (na verdade, Feliciano Mota da Costa Júnior) relembra da corrida do ouro na cidade e as desgraças que começaram a aparecer, primeiro com a descoberta de que a pedra encontrada pelo prefeito Feliciano era “ouro de tolo”; depois, o desaparecimento do dinheiro que pediu emprestado ao banco e também vindo de uma arrecadação geral da cidade (em inúmeras medidas, todo esse bloco do episódio lembra o enredo original de O Astro); e por fim, a revolta dos nativos e dos imigrantes que apareceram para tentar ganhar alguma coisa com a mineração.

É nesse caos, cheio de disputas de poder e faces mesquinhas, que brilham enormemente os personagens interpretados por José Wilker e Lima Duarte, que mesmo em status opostos de interesses imediatos, empurram a história para a tragédia que mudará Tubiacanga para sempre. Filmada na maior cidade cenográfica já construída pela Globo até então (a primeira do conhecido Projac), Fera Ferida tem a maravilhosa canção de Roberto e Erasmo Carlos na voz definitiva de Maria Bethânia, e traz situações que qualquer brasileiro consegue identificar muito bem, porque faz parte do cotidiano social, cultural e político do Brasil. Frases como “50 anos em 5” (referência ao presidente JK) e “chegou a hora dessa gente bronzeada mostrar seu valor” (verso de Brasil Pandeiro, dos Novos Baianos) aparecem nos discursos, uma brincadeira que se seguiria por toda a novela. 

Não que este seja um início simples, mas, assim como no caso de A Viagem, o tutano, aquilo que de fato dá identidade à novela, só se revelaria nos capítulos seguintes. Nesta estreia, Fera Ferida expõe a história que gerou a alma amargurada de Raimundo Flamel, deu as bases para que o público entendesse todo o núcleo da cidade e firmou pé na ideia de vingança e cobiça. Não existe muito capricho em figurinos ou mesmo na direção, a despeito das locações serem lindas e o desenho de produção saltar aos olhos. O título da novela já se faz entender neste começo, que é uma diversão muito boa com nuances críticas próximas o bastante de nós para passarem batido. 

Fera Ferida – Capítulo 1 (Brasil, 15 de novembro de 1993)
Criação: Aguinaldo Silva, Ricardo Linhares, Ana Maria Moretzsohn
Direção: Dennis Carvalho, Marcos Paulo, Carlos Magalhães
Roteiro: Aguinaldo Silva, Ricardo Linhares, Ana Maria Moretzsohn, Márcia Prates, Flávio de Campos
Elenco: Edson Celulari, Arlete Salles, Hugo Carvana, José Wilker, Juca de Oliveira, Lima Duarte, Susana Vieira, Lucinha Lins, Diogo Bandeira, Odilon Wagner, Tarcísio Meira
Duração: 58 min.

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