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Crítica | Gênio Indomável

por Gabriel Carvalho
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“Às vezes eu queria não ter te conhecido. Assim eu poderia ir dormir à noite sem saber que tem alguém como você por aí.”

Contém spoilers.

O órfão Will Hunting (Matt Damon) não teve uma vida fácil. Não se sabe, porém, se um dia ele ansiara de fato ser algo além de um beberrão sem qualquer estabilidade profissional. Afinal, tão honroso quanto ser um acadêmico renomado é ser um zelador. Tão honroso quanto ser um astronauta é ser um pedreiro. De acordo com o próprio Martin Luther King Jr. : “se alguém varre as ruas para viver, deve varrê-las como Michelangelo pintava, como Beethoven compunha, como Shakespeare escrevia“. No personagem de Ben Affleck, um confronto surge no fato do jovem, amigo de longa data de Will, não possuir os mesmos dons que o garoto têm e, portanto, não ter as mesmas chances que o garoto têm de sair daquela vida simplérrima. Seria então dever de Will, tendo em vista que a maior parte dos homens não detém das mesmas oportunidades que ele, seguir uma vida de sucesso? Qual seria esse sucesso, porém? Ficar sentado por décadas e décadas atrás de uma mesa? O que acontece é que Will Hunting é dotado de uma genialidade indomável, mesmo sem nunca ter tido uma escolarização adequada. Will pode ser quase tudo o que ele sonhar querer ser, mas o que ele de fato quer ser?

Antes de mais nada, é impressionante como Matt Damon e Ben Affleck, extremamente jovens na época, conseguiram criar um roteiro tão forte, tão impactante, quanto o de Gênio Indomável. O texto da dupla é deveras sagaz, introduzindo questionamentos filosóficos intrínsecos ao homem. Nos diálogos, o roteiro transforma dores, sentimentos até então impossíveis de serem explicados, em poesia, intercalada por atores de exímia competência. Para todos Will Hunting que existam pelo mundo afora, mesmo não tão geniais quanto o garoto órfão da obra, este é um acolhimento através da arte. Não obstante o que se possa dizer sobre a magnitude do discurso proferido no texto da dupla, ele não é ultimamente perfeito, acabando que se sobressai uma história, em seus próprios termos, previsível. Contudo, a jornada até essa previsibilidade é cheia de vitalidade, essencialmente poderosa nas relações que constrói em torno do seu protagonista.

São tantas as dúvidas que acometem a mente de Will que nós, como espectadores, ao pouco aprenderemos a entender o cotidiano do garoto, compreendendo através da empatia. Mas, se o professor Gerry Lambeau (Stellan Skarsgard) consegue enxergar naquele jovem funcionário uma mente brilhante, a qual inacreditavelmente resolveu um teorema que nenhum estudante da classe do professor ainda havia conseguido provar, é papel do doutor Sean Maguire (Robin Williams) enxergar o verdadeiro coração daquele homem; um menino que, abandonado desde cedo, tem problemas reais com o apego. Os finais felizes, porém, são extremamente recompensadores quando a história é bem contada; quando o público tem o apreço necessário pelo protagonista ao ponto de torcer por aquele que sofrera demasiadamente. Mesmo que não invoque nada de novo para o cinema, ou mesmo subverta nossas expectativas, o caminho escolhido pelo personagem de Damon ao final do filme traduz a derradeira mudança de perspectiva na sua vida. Temos uma expectativa que é concretizada, apesar de batida, muito bem construída; nada mais nada menos que uma excelente – e simples – boa história.

Para isso, a obra se sustenta na amizade construída entre o personagem de Robin Williams e o de Matt Damon. Nesta que é uma de suas melhores interpretações dramáticas, Robin Williams transmite todas as camadas de Sean Maguire honestamente, sem qualquer vício interpretativo, senão o seu talento extremamente apurado. O amor que sentira pela sua mulher, falecida em decorrência de um câncer, é um dos mais verdadeiros da história do cinema, sendo que nenhuma cena entre os dois é mostrada. Nas histórias que conta a Will, da mais jocosa a mais triste, Williams traduz de forma inabalável as diversas sensações de seu personagem. Quando o garoto, no primeiro encontro entre os dois, acaba sendo infeliz na sua fala direcionada ao doutor, a fúria que possui Sean é tão imensa quanto a dor que reside em seu coração. No banco daquele jardim de Boston, o excelente texto de Damon e Affleck novamente é realçado, porém, desta vez, grandiosamente apurado por um ator de competência inestimável.

Assim como o amor fora importantíssimo na trajetória de Sean, o mesmo é moldado para Hunting na figura de Skylar (Minnie Driver), estudante de Harvard que o personagem de Damon conhece em uma inspiradíssima cena em um bar (embora seja essencial que o espectador compre a exuberante inteligência do protagonista para que não só a cena, como todo o restante do filme funcione). O passado solitário de Will ainda o impede de prosseguir adiante com essa relação, sendo necessária a intervenção de Maguire para que o jovem promissor assuma possibilidades mais felizes para si mesmo, não apenas no amor, mas na própria vida profissional; a última sendo explorada pela também ótima atuação de Skarsgard, que incorpora um professor consideravelmente frustrado. Quando o doutor repetitivamente retira a culpa que Will Hunting carrega, em uma cena emocionalmente preenchida por múltiplas camadas de sinceridade e compaixão, o abraço entre os dois – chorado verdadeiramente por Damon – transparece um alívio gigantesco, como se um cargueiro tivesse sido retirado de suas costas.

Ademais, a própria relação amorosa entre Will e Skylar denota evidente veracidade. Para isso, a atriz Minnie Driver cresce ao longo do filme, dado o espaço inicial que lhe é oferecido para expor sua capacidade interpretativa. A mesma até recebe um background próprio, que, senão necessário, ao menos não atrapalha o andamento da obra, apenas acrescentando características à personagem. Em momentos entre os dois, química é exalada, sendo sua função narrativa totalmente operante no que se refere unicamente à questão amorosa, a qual acaba sendo o âmago da obra. Por outro lado, o grupo de amigos de Will não oferecem em nada, com exceção de Ben Affleck, ao longa-metragem, a não ser como fracos alívios cômicos (embora eu ainda consiga gostar do completo imaturo Casey Affleck do filme), mas que mesmo assim destoam do restante da obra.

Enfim, a direção de Gus Van Sant, dada as dimensões do roteiro e das atuações, é muito menos sentida, quase inócua dentro de um filme à beira da perfeição. Gênio Indomável, de qualquer forma, caracteriza-se como uma obra de efeito único ao seu espectador, vide a beleza do cinema em alcançar a todos das formas mais diferentes. Certamente estamos diante daquela experiências que podem mudar vidas – ou ao menos atiçá-las de leve, dada a qualidade de seu argumento preenchido com discursos tão belíssimos, quanto marcantes. Contudo, fora qualquer outra atribuição, é inegável a presença de um estudo de personagem bastante complexo, trazido à tona por uma dupla de jovens roteiristas inexperientes, que conseguiram projetar uma universalidade sobre a vida, mesmo utilizando como carro-chefe uma mente, como poucas outras, genial.

Gênio Indomável (Good Will Hunting) — EUA, 1997
Direção:
Gus Van Sant
Roteiro: Ben Affleck, Matt Damon
Elenco: Matt Damon, Robin Williams, Ben Affleck, Stellan Skarsgard, Minnie Driver, Casey Affleck, Cole Hauser, John Mighton, Rachel Majorowski, Colleen McCauley, Matt Mercier
Duração: 126 min.

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