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Crítica | Heartstopper – 2ª Temporada

Um retorno denso e autoconfiante.

por Felipe Oliveira
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Para alguns, Heartstopper não é nada demais quando olhada de perto; nada além do que outros clichês adolescentes. Porém, se olhar ainda mais atentamente, a série tem um público específico com a qual deseja se comunicar da forma mais branda possível. Se Mais que Amigos pode ser lembrado como o primeiro filme de comédia romântica gay vindo de um grande estúdio, Alice Oseman será lembrada pela abordagem acolhedora que consegue contar as histórias de seus personagens. E isso não é sinônimo de romantização de um conto de fadas LGBTQIA+ teen, pois não há um mundo belo sendo mostrado aqui, e sim, um mundo visto por uma ótica esperançosa.

O mesmo sentimento posto ao escrever suas HQs, Oseman transfere para as telas ao pegar os tropos narrativos do gênero e seguir por uma linha didática e agridoce. E é ótimo que haja um tom consciente nisso, como na autoafirmação dos diálogos bregas, pois é exatamente o que a autora busca ao usar os clichês românticos: criar cenas doces, fofas, alegres. Nesses momentos, Heartstopper é como uma longa playlist romântica descrevendo a sensação eufórica que é estar apaixonado, capturando a emoção de experimentar os primeiros amores – e primeiros beijos – os pequenos gestos, o desabrochar para uma relação mais confiante e sincera, pincelando o lado belo de sentir atração.

Para quem estava com saudades, a série retorna exatamente de onde parou, no dia seguinte ao que Nick se assumiu para sua mãe. A partir daí, é possível observar como Heartstopper é uma show sobre seus personagens e não apenas fala do seu casal principal. Ganhando uma mudança de foco, o arco acerca da aceitação de Nick faz a narrativa discorrer sob seu ponto de vista, o que caminha para um dos pontos mais assertivos da temporada ao descamar o seu protagonista. Afastando-se do que outros programas fariam com melodrama espalhafatoso, Oseman transita pelo plot de forma suave e cadenciada, sem deixar fugir do quadro a natureza delicada do tema.

Há uma sinergia muito mais confiante e consciente na abordagem de Oseman, o que denota seu controle narrativo e criativo. Dessa forma, acontecimentos como a viagem a Paris, a amostra na escola de arte ou a preparação para o baile se tornam eventos para que a autora consiga trabalhar a prioridade da temporada: aprofundar os personagens; e o cuidado é tanto que Isaac deixa de ser o amigo coadjuvante sorridente de fundo para ter seus dilemas pessoais, a pressão por se sentir atraído pelas pessoas, discutido; o show vai para além de Charlie e Nick e passa a explorar as camadas que compõem esses adolescentes. As camadas vão desde níveis mais apaixonantes como Elle e Tao experimentando outras emoções nada amizade para traços mais densos, onde entram Darcy e Tara. Sendo outro exemplar que foge do convencional melodrama, Oseman usa os aspectos cartunescos de suas criações para traçar alegorias e ilustrações nessa relação, mais precisamente, nas questões de Darcy.

A liberdade dada a Oseman pela Netflix continua sendo um acerto gostoso e irresistível de acompanhar. E mesmo sempre encerrando a temporada de forma fechada – como o desfecho simbólico do arco entre Charlie e Ben – a criadora injeta a vontade de querer continuar vendo o desenrolar dessa história e os personagens que a protagonizam. Oseman segue defendendo sua visão para Heartstopper, onde mesmo tendo os temas mais sensíveis para serem trabalhados, não ganham espaço para sufocar a maneira leve com que ela navega por esse universo cartunesco que explode para as telas. Se a primeira temporada se tratou da autodescoberta e cumplicidade entre o leque de amigos, aqui esse diálogo é ampliado, tratando mais das complexidades desses adolescentes. Ter a perspectiva de Nick como centro permite a série tratar com delicadeza os pontos mais sensíveis da sua relação com Charlie, abrangendo o retrato de acolhimento, intimidade, compreensão e pertencimento – como na simples cena de Nick se sentindo seguro e confiante para segurar as mãos de seu namorado ao ver outro casal pelas ruas de Paris.

É mais do que bonito ter uma série sobre amadurecimento que preza pelo prazer e atração (o sabor mais inofensivo disso) sem estilizar esses sentimentos com hipersexualização. Poder ver os personagens se permitindo, se descobrindo, se abrindo para mais conexão e confiança em suas relações faz de Heartstopper um achado, uma fuga para encarar o mundo cruel e opressor com mais cores, com um sentimento acolhedor no peito. Um outro arco foi cuidadosamente finalizado, e Oseman caminha por uma abordagem ainda mais madura ao navegar por essa história fazendo o efeito Heartstopper: a emoção que te faz sentir.

Heartstopper – 2ª Temporada (Heartstopper – Reino Unido, 2023)
Criação: Alice Oseman
Direção: Euros Lyn
Roteiro: Alice Oseman
Elenco: Joe Locke, Kit Connor, William Gao, Yasmin Finney, Tobie Donovan, Rhea Norwood, Corinna Brown, Kizzy Edgell, Sebastian Croft, Fisayo Akinade, Olivia Colman, Jenny Walser, Nima Taleghani, Jack Barton
Duração: 35 a 40 min (8 episódios, cada)

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