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Crítica | Homem-Aranha: A Morte de Jean DeWolff

por Gabriel Carvalho
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“Eu me pergunto por que estou tão relaxada. E me indago… Por que estava pensando na minha vida justamente agora?” – Jean DeWolff relembra sua história para o público, abrindo este clássico arco do Homem-Aranha.

Contém spoilers

Se A Noite em que Gwen Stacy Morreu quebrou os paradigmas de até onde um quadrinista de super-herói poderia levar seu personagem, A Morte de Jean DeWolff fez questão de destroçar o limite do teor das histórias em quadrinhos sobre justiceiros mascarados. O estreante Peter David origina de sua escrita, após apenas alguns meses a frente da revista Peter Parker, the Spectacular Spider-Man, uma das maiores histórias do aracnídeo, hoje contemplada por ter dado início a entrada do herói em uma era mais sombria. Não é por menos, pois, em apenas quatro páginas David projeta, utilizando da própria personagem título como narradora, uma descrição – crítica e contemplativa – de sua própria vida, violentamente terminada em um quadro que posiciona seu corpo morto estirado sobre o chão do apartamento. Jean DeWolff está morta, mas quem a matou?

Conhecida do público desde meados dos anos 70, a Capitã Jean DeWolff era uma das maiores apoiadoras do Homem-Aranha, auxiliando o herói diversas vezes. Sua morte, no entanto, não é impactante como a do Capitão Stacy ou a da própria Gwen Stacy já fora, mas não havia o porquê de ser. A crueldade estava em ver a personagem ali, no chão, com os olhos arregalados, o sangue escorrendo por seu corpo e os braços abertos de uma maneira nenhum pouco honrosa. Até o momento nenhuma morte havia sido retratada com esse grau de violência, o que deu caminho para que se traçasse uma das histórias mais complexas e adultas do Homem-Aranha dos anos 80.

A imagem que ilustra perfeitamente o teor do arco.

À medida que a narrativa progride somos apresentados a diversos outros personagens, como por exemplo o Sr. Popchik, vítima da criminalidade urbana, que acaba passando por uma jornada de revolta à submissão cotidiana do povo à violência. A presença do Demolidor na história é outro marco que acrescenta ainda mais valor ao argumento, proposto em discutir a moral e a justiça. Aqui, Matt Murdock e Peter Parker assumem papéis antagônicos acerca de seus pensamentos sobre o que fazer com o Devorador de Pecados, o assassino em série, que após matar Jean DeWolff também mata um juiz, sendo este amigo pessoal do advogado da Cozinha do Inferno.

O Devorador de Pecados é construído com extrema minúcia por David, que alonga ao máximo a revelação de que o Sargento Stan Carter é enfim o criminoso por detrás da máscara e dos crimes. O jogo com o leitor é muito bem feito, utilizando de pequenas aparições no confessionário de uma igreja para pseudo-indicar que a identidade do vilão é a de um doente mental chamado Gregg. Quando o Demolidor percebe que aquele homem não é o verdadeiro Devorador de Pecados, e consequentemente, em uma busca dentro do apartamento do suposto vilão, a verdade por trás dos crimes é descoberta, o desespero de Homem-Aranha em alertar Betty Leeds do perigo que ela corre (o próximo alvo seria J. J. Jameson e Betty estava na casa do homem, enquanto ele viajava) é suficiente para provocar inquietação no leitor. Para complementar, o público é terrivelmente agraciado em ver Betty ser supostamente morta pelo disparo brutal de rifle do Devorador de Pecados, apenas para logo depois, ter a edição abruptamente encerrada e a conclusão adiada. Eu não queria ter estado na pele dos leitores dos anos 80 que sentiram uma ferrenha ânsia em saber qual seria o desfecho da sequência.

A melhor luta do Homem-Aranha contra o Demolidor.

É nesse clima de bastante tensão e suspense que vemos o Homem-Aranha, ainda com o seu traje preto (não confundir com o traje simbionte adquirido nas Guerras Secretas), ir perdendo a sanidade diante de tanta insanidade. Um Homem-Aranha poucas vezes visto, mas que felizmente, encontra em um Demolidor mais frio e mais centrado em seus deveres como vigilante, um contraponto que o impede de ser destruído pela vingança. Algumas atitudes do amigão da vizinhança, como não pensar nas possibilidades que podem ocorrer a um criminoso quando este delata seus parceiros, ressurgem, e invocam um sentimento de dubiedade perante o que é mais correto a ser feito.

Os embates com o Devorador de Pecados são mais realistas, visto que o próprio personagem a ser combatido pelos heróis da história, não é um super-vilão. A história em si não comporta-se como os moldes de histórias de super-heróis se comportariam. A não ser pela super força que o assassino possui, adquirida em seus dias de agente da S.H.I.E.L.D., tanto o Homem-Aranha quanto o Demolidor poderiam ser facilmente substituídos por policiais em busca de vingança ou justiça, respectivamente. O duelo entre os dois, após a derrota do criminoso, é outro ponto alto desse arco, fugindo dos padrões de confrontos entre heróis. Aqui, a perspectiva é a de necessidade de uma luta, tendo em mente que se o Homem-Sem-Medo não intervisse, o aracnídeo teria assombrosamente sujado suas mãos. Não há o mal-entendido, ou um isolado duelo de ideologias. É o Homem-Aranha interpretando um vilão, e o Demolidor sendo sua consciência heroica, em uma batalha graficamente impressionante.

Com um traço competente de Rick Buckler (mesmo que seja por sua parte que haja a introdução de mais um vilão multi-colorido, e pouco memorável no quesito estético), A Morte de Jean DeWolff ainda faria ligação, anos depois, com a origem de um outro vilão, amado por uns e odiado por outros – o Venom. Por si só, contudo, esta permanece sendo uma das histórias mais importantes do personagem, feita em uma das melhores décadas dos quadrinhos, quebrando alguns conceitos até então normativos para as próprias histórias do Homem-Aranha. Não é necessariamente uma história atemporal, que continuará impressionante décadas e décadas adiante, mas sem dúvidas alguma, é uma história que deixou uma marca eterna na Nona Arte – uma crua e complexa marca.

Homem-Aranha: A Morte de Jean DeWolff (Spider-Man: The Death of Jean DeWolff) — EUA, 1985/6
Edições: Peter Parker, the Spectacular Spider-Man #107-110
Roteiro: Peter David
Arte: Rick Buckler
Arte-final: Brett Breeding
Cores: Bob Sharen
Letras: Donizeti Amorim
Editora original: Marvel Comics
Data original de publicação: outubro de 1985 a fevereiro de 1986
Editora no Brasil: Panini Comics
Data de publicação no Brasil: março de 2013
Páginas: 172

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