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Crítica | Homem-Aranha: Pecados Pretéritos

por Gabriel Carvalho
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“Reservo este espaço onde costumeiramente coloco citações da obra analisada em lamento pelos leitores que ousaram ler esta história.”

Contém spoilers, mas é melhor você dar uma olhada neles para não se frustrar quando ler isto.

Um retcon é uma alteração de fatos previamente estabelecidos dentro do cânone de uma obra ficcional. O significado denotado de tal termo é essencial para o entendimento da obra aqui analisada. Tal aborda o mais famoso retcon das histórias do Homem-Aranha, um feito um tanto quanto notável tendo em vista que esta é consideravelmente recente em comparação com as décadas anteriores a sua existência. Uma notabilidade, todavia, dada pela negatividade da repercussão da história entre as mídias de informação e comunicação. O porquê disto resume-se no discernimento do que está sendo modificado pela dupla Straczynski/Deodato Jr. A história da eterna namorada de Peter Parker, Gwen Stacy, morta na clássica e magnífica A Noite em que Gwen Stacy Morreu e homenageada brilhantemente em Homem-Aranha: Azul, ganhava novos adicionais, ou seja, novos capítulos nunca antes explorados. Ou aparentemente nunca antes revelados aos olhos do público. Todos absurdamente execráveis.

Antes de tudo, devemos entender a cronologia dos fatos anteriores à Pecados Pretéritos. Após a morte de seu pai, o Capitão George Stacy, Gwen decide passar um tempo fora do país, supostamente estudando – e refletindo sobre sua vida. Ela acaba retornando para os Estados Unidos não muito depois, cerca de alguns meses passados, reestabelecendo mais uma vez sua relação com Peter, que ansiava pelo retorno de seu par romântico. Tais eventos são retratados em clássicas edições do Espetacular Homem-Aranha, no final dos anos 60 e início dos anos 70. Pois é nesse miolo que Straczynski redefine a continuidade do personagem.

No arco, Peter recebe uma carta escrita pela falecida Gwen, datada deste tempo, citado anteriormente, no qual ela estava na Europa. Movido pelo mistério acerca da carta, Peter começa a investigar o que de fato está acontecendo, apenas para ser atacado por uma dupla de ninjas maquiavélicos misteriosos. O que Peter não esperava era que tais ninjas maquiavélicos misteriosos fossem nada mais nada menos do que filhos de Gwen Stacy. Mas com quem? Com ele? Por que eles têm 20 anos, se Gwen faleceu por volta de 10 anos, como a própria nova história propõe? Nada é tão ruim que não poderia piorar. Seu arqui-inimigo, o Duende Verde, o mesmo responsável pela morte de sua amada, tivera um caso com a loira durante esses 4 meses fora, concebendo gêmeos. Se isso já erá indigerível pelo leitor da época, una-se a tal revelação inusitada – e revoltante – com o fato de Mary Jane já saber de tudo por anos. E de que os gêmeos sofrem de uma mutação que os fazem aparentar estarem o dobro mais velhos, além de que eles também foram levados por Norman a acreditar que Peter é o verdadeiro pai deles e também assassino da mãe deles.

Além de não fazer sentido algum Mary Jane Watson saber de tal reviravolta que a vida de Gwen tomara, o fato dela nunca ter compartilhado tal conhecimento com Peter é passível de causar-nos mais um nó na garganta. Poupar seu marido/namorado/amigo (dependendo da época) de uma mudança brusca na sua visão de uma pessoa já falecida sem capacidade de responder possíveis julgamentos precipitados? Com muita boa vontade, talvez. Mas a condução da cena da revelação é tão forçada que não parece como se MJ estivesse – e não estaria se não dependesse dos roteiristas – guardando um segredo de tal imensidão. Em suma, nada faz sentido. É uma bagunça descontrolada, de personagens com reações não condizentes com suas personalidades e segredos apenas existentes para levar narrativas de pontos A para pontos B.

Os enormes deméritos conseguem dar espaço para alguns acertos da dupla criativa. O suspense é bem criado, e a arte de Deodato na maioria das vezes fortalece, em suas devidas proporções, o material fonte. Deve-se também retirar – parcialmente – das costas de Straczynski a culpa por todos os temíveis acontecimentos deste retcon. O próprio quadrinista afirmaria em entrevistas posteriores que a ideia original era de colocar Gabriel e Sarah como sendo filhos de Gwen com Peter. Os editores vetaram-na, justificando que tal seria um erro, pois envelheceria demasiadamente Parker. Sendo assim, sustentaram um novo argumento, presumidamente mais interessante, que promoveria contudo uma massa de revolta provinda dos fãs para com a célebre revista The Amazing Spider-Man.

Um revolta, porém, completamente compreensível, visto que ela não é apenas motivada pela desmitificação da figura de Gwen Stacy. O cerne de todo o alvoroço existente encontra-se na quebra de todas as estruturas que fizeram as edições 121 e 122, em um longínquo ano de 1973, tão sensacionais. O derradeiro embate não está mais centrado entre Duende Verde e Homem-Aranha e sim, entre Norman e Gwen, e isso é extremamente problemático. Cria-se um background desnecessário, e acima de tudo, ofensivo à mitologia envolta do herói. O belíssimo beijo entre Gwen e Peter, após sua longa viagem à Europa, em The Amazing Spider-Man #98 antes soava como um final feliz para uma trágica história, e agora, não mais. Enfim, Pecados Pretéritos pode não ser, na teoria, a pior história do Homem-Aranha, mas é definitivamente a mais intragável, sendo que apenas a nulidade de estrelas é capaz de ilustrar o sentimento do leitor após a sua leitura: um vazio.

Homem-Aranha: Pecados Pretéritos (Spider-Man: Sins Past) – EUA, 2004/5
Edições :
The Amazing Spider-Man #509 a 514
Roteiro: J. Michael Straczynski
Arte: Mike Deodato Jr.
Arte-final: Joe Pimentel
Letras: Cory Petit, Chris Eliopoulos
Cores: Mat Milla
Capas: Mike Deodato Jr
Data de publicação: setembro de 2004 a fevereiro de 2005
Páginas: 20 por edição

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