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Crítica | House: A Série Completa

Uma jornada com muito humor e ironia em torno do mais ultrajante personagem das séries médicas contemporâneas.

por Leonardo Campos
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Com estreia em 2004, House é uma drama médico aclamado, centrado no Dr. Gregory House, um brilhante, mas antiético e de comportamento completamente ácido com todos que gravitam em torno de sua existência, o que o diferencia dos demais personagens de tantas séries do segmento. Interpretado brilhantemente por Hugh Laurie, ele é o protagonista errante, birrento e ranzinza que lidera uma equipe médica no Hospital Princeton-Plainsboro. Ao longo de suas oito temporadas, com altas e baixas no quesito qualidade, a produção explora tanto questões médicas quanto dilemas éticos, sociais e emocionais dos pacientes e dos colaboradores da instituição. Nos textos dramáticos de uma extensa sala de roteiristas, a série destaca a importância do diagnóstico diferencial, onde a equipe de House investiga diversos possíveis diagnósticos para chegar à conclusão correta, o médico utiliza métodos não convencionais e contestadores, enfatizando a curiosidade científica e a investigação. Sem se preocupar com tantas questões moralistas, a narrativa seriada frequentemente levanta questões éticas na medicina, como a moralidade em desconsiderar a vontade do paciente ou o uso de tratamentos experimentais.

Com episódios em torno de 40 minutos, a abordagem do Dr. House muitas vezes desafia os princípios éticos tradicionais, criando um conflito entre a ética e a eficácia, escolhas temáticas que ampliam as possibilidades dos realizadores investirem na acidez do protagonista, alguém que provoca atração e, ao mesmo tempo, repulsa. Como a maioria dos dramas médicos, a série examina o conflito entre o dever profissional e os interesses pessoais, como a necessidade de validação ou fama. House frequentemente coloca seus próprios objetivos à frente do bem-estar dos pacientes, levantando questões sobre as motivações dos profissionais de saúde. Ele é um personagem esférico que luta contra suas próprias limitações, tanto pessoais quanto profissionais. Sua relutância em aceitar erros ou diagnósticos incompletos reflete uma busca incansável pela verdade na medicina, embora isso frequentemente leve a consequências destrutivas. Ao longo das temporadas, sua vida enfrenta grandes desafios psicológicos.

Diante do exposto, a produção destaca como questões psicológicas podem influenciar a saúde física e vice-versa. Muitas vezes, os diagnósticos de House envolvem a compreensão dos aspectos mentais dos pacientes, discutindo a importância dos fatores emocionais nos cuidados médicos. Ainda preambular em comparação aos programas do segmento mais recentes, House explora o papel da tecnologia no diagnóstico e tratamento. Os personagens frequentemente usam novos dispositivos e técnicas, mas a série também questiona se a tecnologia pode tornar os médicos dependentes ou se é uma ferramenta para aprimorar a intuição clínica. O sofrimento, tanto físico quanto emocional, é um tema recorrente. A luta de House contra sua dor crônica e a dor de seus pacientes são pontos que permitem momentos brilhantes em alguns episódios.

House é conhecido por confiar em sua intuição e experiência clínica em vez de se apegar estritamente a protocolos. A série sugere que, apesar dos avanços na medicina baseada em evidências, a intuição clínica ainda desempenha um papel crucial. Este é um dos posicionamentos que o tornam um personagem de postura muito peculiar no tratamento com os demais colegas de profissão. Questões sobre conflitos de interesse, como a influência de farmacêuticas e a pressão para o lucro, numa crítica ao sistema de saúde e suas imperfeições, mostrando como interesses corporativos podem afetar a prática médica. Criada por David Shore, a série investe numa média de 22 episódios por temporada, tendo a força e charme de sua narrativa, o protagonista, considerado ele é um anti-herói, cheio de falhas, incluindo sua dependência de analgésicos, vícios e comportamentos socialmente inadequados. Na época, esse retrato não convencional de um médico gerou um debate sobre a imagem dos profissionais de saúde na mídia. Em vez de glorificar a medicina e seus praticantes, House desafia as narrativas tradicionais, mostrando que os médicos podem ser tão falíveis e complicados quanto qualquer outra pessoa. Isso trouxe debates na crítica e com os telespectadores, que muitas vezes se sentiram mais atraídos pela humanidade do personagem do que por sua habilidade médica. Diferentemente dos profissionais ao estilo Plantão Médico, heróis que buscam a salvação da humanidade, House segue uma abordagem diferente.

A narrativa episódica geralmente se baseia em um enigma médico, onde o médico e sua equipe devem desvendar a condição do paciente através de uma combinação de raciocínio lógico e intuição. Isso trouxe à tona um interesse renovado em tópicos médicos e científicos. Além disso, a produção também incitou discussões sobre questões éticas na prática médica. A forma como House frequentemente ignora protocolos e normas, tendo em vista chegar a um diagnóstico, gera questionamentos sobre a ética profissional e os limites da prática médica. O retrato de relacionamentos interpessoais também merece destaque. A série explora como o comportamento antiético de House afeta a dinâmica entre ele e sua equipe, bem como suas relações com pacientes e outros médicos. A complexidade de seus relacionamentos, especialmente com a Dra. Lisa Cuddy e o Dr. James Wilson, revela as tensões e os desafios que podem existir no local de trabalho, refletindo problemas reais enfrentados por profissionais de saúde.

Ademais, o impacto de House pode ser visto nas mudanças que influenciou na televisão e em outras produções médicas. O sucesso da série instaurou um novo padrão para dramas médicos, que passaram a incluir tramas mais complexas e personagens menos estereotipados. Outras séries, como The Good Doctor e Grey’s Anatomy, embora diferentes em várias abordagens, foram influenciadas pela formulação de narrativas que se tornaram muito populares. Mesmo com seu legado e impacto cultural, a série não deixou de enfrentar críticas. Alguns argumentaram que a representação da medicina poderia ser enganosa, reforçando a ideia de que os médicos são solucionadores de problemas individuais, ignorando o complexo e muitas vezes colaborativo ambiente de trabalho em que operam. A visão focada em um único médico gênio pode desviar a atenção do trabalho em equipe essencial na prática médica contemporânea.

Um dos pontos que permitem a fluidez dos textos dramáticos do programa criado por Shore é o estabelecimento do método indutivo como dos principais recursos de investigação que permeiam a série. O método em questão, em linhas gerais, refere-se a um processo de raciocínio onde se parte de observações específicas para chegar a uma conclusão geral. Isto é, através da coleta de dados e da observação de padrões específicos, o indutor formulador cria hipóteses que podem levar a teorias. Na série, Dr. House, embora muitas vezes impulsivo e sarcástico, utiliza este método para desvendar mistérios diagnósticos que, a princípio, podem parecer insolúveis. Um exemplo claro de como o método indutivo é aplicado se vê nas situações em que House se depara com sintomas que não se encaixam em diagnósticos comuns. A abordagem inicial do médico é observar minuciosamente os sintomas apresentados pelo paciente e comparar esses dados com experiências anteriores.

Assim, ele e sua equipe, que inclui personagens como Dr. Eric Foreman (Omar Epps), Dr. Allison Cameron (Jennifer Morrison) e Dr. Robert Chase (Jesse Spencer), reúnem informações detalhadas sobre as condições de saúde dos pacientes, assim como seu histórico médico e ambiental. A partir dessas observações, começam a compor uma lista de possíveis diagnósticos, testando um a um até que a hipótese correta surja como a mais plausível. Essa metodologia não é apenas eficaz, mas também reflete o cerne da prática médica real, onde médicos frequentemente enfrentam situações em que o diagnóstico não é imediato. Ao longo da série, a coleta de dados é frequentemente seguida pela realização de testes laboratoriais, que apoiam ou refutam as hipóteses formuladas. Essa interatividade entre observação, discussão e teste é uma exemplificação prática do método indutivo.

No entanto, o uso do método indutivo por House não está isento de controvérsias. Sua maneira brutal de manipular os dados e desconsiderar sentimentos humanos, frequentemente colocando a ciência acima da ética, levanta questões substanciais sobre as implicações morais da sua abordagem. Quase perversa, a sua necessidade de soluções rápidas e a incessante busca por verdades podem levar a decisões que, embora científicas, são moralmente questionáveis. Muitas vezes, seus métodos resultam em desconsideração dos desejos dos pacientes e suas famílias, sugerindo que, em busca de uma solução, o médico pode ultrapassar os limites éticos. Além disso, a forma como House e sua equipe conduzem seus testes e diagnósticos sugere uma desumanização dos pacientes, que se tornam meros casos a serem resolvidos. Como mencionado antes, a perspectiva da série é diferenciada, em relação aos programas do segmento que seguem profissionais da medicina em busca da salvação dos pacientes a qualquer custo.

Esse aspecto da narrativa implica que, enquanto o método indutivo pode ser um poderoso instrumento de investigação, a medicina é uma prática profundamente humana, onde a empatia e a ética deveriam caminhar lado a lado com a ciência. Com 177 episódios no total, House nos coloca diante da suspensão da descrença, afinal, não é uma produção documental, mas ficcional. Finalizada em 2012, teve sua direção de fotografia assumida por Gale Tattersall em 120 capítulos, design de produção de Jeremy Cassells em 91 deles, numa estética que reflete o ambiente hospitalar com eficiência. Em suma, não é apenas uma série médica bem-sucedida enquanto entretenimento. Didática também, pois que vos escreve já a utilizou para debates em elaboração de projetos, a produção é um estudo da condição humana, discussões que a série provocou sobre ética médica, diagnósticos complexos e a humanidade dos médicos contribuem para um entendimento mais rico e sofisticado da profissão. Mesmo depois de tantos anos de sua finalização, a jornada ficcional do médico “birrento” permanece um marco. Teremos revival?

House – A Série Completa (House, M.D | EUA, 2004-2012)
Showrunners: David Shore
Diretores: Greg Yaitanes, Deran Sarafian, David Straiton, Daniel Attias, Daniel Sackheim, Miguel Sapochnik, David Platt, Matt Shakman, Juan José Campanella, Katie Jacobs, Andrew Bernstein, Sanford Bookstaver, Peter O’Fallon, Fred Gerber, David Semel, Lesli Linka Glatter, Bryan Singer, Frederick King Keller, David Shore, Tucker Gates, Peter Weller
Roteiristas: David Shore, Sara Hess, David Foster, David Hoselton, Pam Davis, Peter Blake, Lawrence Kaplow, Thomas L. Moran, Russel Friend, Garrett Lerner, Liz Friedman, Doris Egan, Eli Attie, John C. Kelley, Leonard Dick, John Mankiewicz, Matt Witten, Matthew V. Lewis, Seth Hoffman, Kath Lingenfelter, Sara B. Cooper, Dustin Paddock
Elenco: Hugh Laurie, Robert Sean Leonard, Omar Epps, Jesse Spencer, Lisa Edelstein, Bobbin Bergstrom, Jennifer Morrison, Peter Jacobson, Olivia Wilde, Kal Penn, Charlyne Yi, Odette Annable, Anne Dudek, Jennifer Crystal Foley, Amber Tamblyn, Liz Benoit, Stephanie Venditto, Sela Ward, Michael Weston, Ron Perkins, Edi Gathegi, Cynthia Watros, Bob Ross, David Morse, Karolina Wydra, Tracy Vilar, Kayla Colbert, Rylie Colbert, Marco Pelaez, Chi McBride, Zena Grey, Andy Comeau
Duração: 8 temporadas – 177 episódios (1° e 8 Temporada: 22 episódios | 2° + 3° + 5° Temporada: 24 episódios | 4° Temporada: 16 episódios | 6° Temporada: 21 episódios | 7° Temporada: 23 episódios) – 43 minutos em média cada episódio

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