- Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos episódios da série.
Eu já falei isso diversas vezes ao longo das minhas críticas de Invencível, mas repito: a produção só funciona por ter substância por trás de todo o sangue espalhado em tela, dando consequência para a violência e drama para cada soco, por mais que falte coragem em matar coadjuvantes. Quis abrir a crítica com isso porque penso que Achei que Nunca Fosse Calar a Boca e, de maneira geral, a própria série como um todo, acaba sendo muito elogiada e adorada unicamente por conta do gore. Sim, tem muita violência gráfica aqui; sim, tem muita pancadaria divertida; e sim, é um episódio de pura ação tecnicamente bem feita. Mas se formos analisar friamente a batalha de Mark e Conquest apenas nesses termos, seria mais outra produção superficial (existe até o argumento de ainda ser, apesar de eu discordar). O que dá peso e base para o combate é o desenvolvimento dos personagens em episódios passados, demonstrando a importância de algo como Pacto com o Diabo e Só Posso Pedir Desculpas, para ficarmos em exemplos dessa temporada.
Dessa forma, a season finale tem que ser analisada como o conjunto do que a temporada trabalhou até aqui, talvez não tanto em termos narrativos, porque é mais um ano que flutuou entre diferentes tramas (mas com um senso bem melhor de unidade em cada episódio), mas certamente no arco de alguns personagens, em especial Mark, Eve e Oliver (e em menor medida, Debbie e Cecil, que talvez até merecessem mais espaço na história). Sempre que Oliver ataca Conquest ou quando Eve decide se juntar à briga, temos aquela pontinha de desespero, talvez até sabendo que esses personagens não irão morrer (mais disso à frente), enquanto Mark vira um saco de pancadas. De muitas formas, esse episódio é uma reencenação de A Verdade, onde o choque visual acaba mascarando o peso emocional, esse sim muito mais relevante dramaticamente para a história, dando gravidade para cada desmembramento e cada fratura exposta. Inclusive, temos uma sequência similar à famosa cena do metrô, mas dessa vez com uma camada diferente por conta de tudo que assistimos em torno das consequências daquela catástrofe – teremos outro Powerplex à vista?
Dito tudo isso, é inegável que a ação é muito divertida. Diferente de O Que Foi Que Eu Fiz? (que eu revi e gostei um pouco menos), é nítido como o trabalho técnico da animação e, mais do que isso, a criatividade da direção, está em outro patamar. Vejo um momento muito distinto visualmente no episódio, que é a chegada de Oliver na batalha, onde, a partir dali, o episódio assume um nível diferente de enquadramentos vertiginosos, acompanhamento aéreo pelas perspectivas dos personagens e um senso de frenesi maluco nas coreografias de uma batalha que parecia não acabar e que sempre subia um novo degrau de caos quando parecia próxima de terminar. É perceptível como a produção guardou uma boa porção do orçamento para esse episódio e penso que está tudo bem, porque a equipe criativa faz jus ao trabalho de diagramação de Ryan Ottley em Ainda de Pé e à mente completamente perturbada de Robert Kirkman. Vale destacar também a boa direção dramática e o ótimo trabalho de dublagem dos personagens que estamos familiarizados, com destaque, mais uma vez, para o sempre expressivo Steven Yeun.
Falando nisso, outro elemento que favorece a pancadaria é a presença ameaçadora de Conquest. O antagonista é um personagem de uma nota só, unidimensional e genérico da cabeça aos pés, sem nenhuma vergonha em sua construção de psicopata sanguinolento, mas é um vilão com uma ótima caracterização, que está ali a serviço da trama e que carrega um senso de urgência e de perigo o tempo todo, como se estivéssemos assistindo o pior pesadelo de Mark ganhando vida. Já gosto dele nos quadrinhos e ainda mais aqui por conta da escolha assertiva de Jeffrey Dean Morgan, que incorpora o sadismo, a ironia perversa e a crueldade do personagem – sério, quem melhor para interpretá-lo com a insensibilidade e o carisma necessário do que um dos atores que melhor entende o que é interpretar patifes psicopatas que adoramos? A cena em que ele fala sobre sua solidão é perturbadora e, para mim, solidifica a ótima e curta participação dele na temporada. Talvez minha crítica é unicamente o fato dele não matar Eve ou Oliver, que seria uma escolha ousada e que jogaria a série em um rumo sombrio para o protagonista, mas entendo a escolha de Kirkman, tanto nas HQs quanto aqui como roteirista, apesar daquele pequeno incômodo de mais uma vez vermos apenas figurantes saindo de cena.
Ademais, puxando alguns dos debates ao longo das semanas nas caixas de comentários, sempre com excelentes concordâncias e discordâncias, entendo o quão frustrante é uma temporada que se desvia do mais próximo que temos de uma trama principal, que é a Guerra Viltrumita (praticamente nem vimos Nolan o ano todo), e eu mesmo continuo batendo na tecla de que a adaptação podia podar muita coisa do material de origem, algo que fica claro naqueles péssimos pós-créditos, mas a presença de Conquest não é apenas um retorno a esse lado narrativo, e sim o ponto de exclamação do que, na minha visão, é a proposta principal da série: a desconstrução de Mark, que cada vez mais se vê em situações impossíveis de aplicar o idealismo de não matar ninguém e que gradualmente vai perdendo seu senso de moralidade. Eu acho que essa temporada como um todo, mesmo soando desgarrada ou filler em determinados momentos, tem uma unidade dentro do arco do personagem, especialmente na arrebatadora trinca de Powerplex, Angstrom Levy e Conquest, três antagonistas diferentes que, de uma forma ou de outra, empurraram Mark para uma nova forma de enxergar o heroísmo.
Invencível – 3X08: Achei que Nunca Fosse Calar a Boca (Invincible – 3X08: I Thought You’d Never Shut Up) – EUA, 13 de março de 2025
Criado por: Robert Kirkman, Cory Walker, Ryan Ottley
Direção: Sol Choi
Roteiro: Robert Kirkman
Elenco: Steven Yeun, Sandra Oh, J.K. Simmons, Jason Mantzoukas, Gillian Jacobs, Zazie Beetz, Walton Goggins, Grey Griffin, Chris Diamantopoulos, Khary Payton, Jay Pharoah, Andrew Rannells, Ross Marquand, Seth Rogen, Sterling K. Brown, Eric Bauza, Clancy Brown, Cliff Curtis, Shantel VanSanten, Reginald VelJohnson, Luke Macfarlane, Calista Flockhart, Jeffrey Dean Morgan
Duração: 46 min.