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Crítica | It!, de Theodore Sturgeon

por Luiz Santiago
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A revista Unknown (também conhecida como Unknown Worlds) foi criada em 1939 pela companhia Street & Smith. Editada pelo também escritor John W. Campbell, a publicação esteve em circulação até 1943, sendo uma das muitas revistas pulp da época, que dava aos escritores a liberdade de criarem mundos, personagens e situações tenebrosas ou maravilhosamente impossíveis, enredos que refletiam ou se afastavam da atmosfera de medo e pessimismo que progressivamente cobria o país naqueles anos de Segunda Guerra Mundial.  Foi na edição de agosto de 1940 (único ano de publicação da revista em que houve uma edição nova todos os meses) que Theodore Sturgeon publicou o conto It!, uma história de terror que chamou tanta atenção, que abriu precedente para a criação de várias criaturas semelhantes, sempre explorando os pântanos, um dos espaços geográficos mais propícios a esse tipo de narrativa medonha, juntamente com florestas e cavernas.

A inspiração primária de Sturgeon em It! é mais ou menos óbvia pela forma como ele narra a apresentação do monstro: Frankenstein, de Mary Shelley. Conforme e a leitura vai avançando e surgem mais informações a respeito do comportamento da criatura e do local onde ela aparece, percebemos ecos distantes de narrativas folclóricas da Costa do Golfo dos Estados Unidos, que é composta pelos Estados do Alabama, Flórida, Louisiana, Mississípi e Texas. Cortado pelo grande Rio Mississípi, que deságua em forma de delta nessa região, o local concentra uma boa parte do bioma de pântanos (bayous) dos EUA e é neste local (especialmente em meio às comunidades negras) que diversos mitos sobre criaturas saindo dos pântanos apareceram. Em It!, o autor não se refere a isso de maneira direta ou como mote central de sua história, mas, como disse anteriormente, é possível notar ecos distantes dessas narrativas de “monstros dos pântanos” tão marcantes nas narrativas folclóricas daquela região do país*.

Em It!, temos dois blocos que rapidamente se cruzam (o da Coisa e o dos humanos), sendo o segundo deles o mais fecundo em termos de eventos e dispersões narrativas, justamente o ponto em que eu acho que o texto dá uma boa caída, porque nos fala de coisas nada interessantes e que às vezes ficam longe demais daquilo que é o verdadeiro objetivo da história: a misteriosa criatura do pântano, as mortes que ela vai deixando no meio do caminho e a tentativa de dois irmãos fazendeiros (em tempos diferentes) em exterminá-la. A primeira parte, quando temos a demonstração da criatura viva e senciente, um monstro vegetal que lembra a forma de um homem e que “não deveria estar vivo“, notamos um horror genuíno e interessante de se ler. Infelizmente, o texto acaba dando muito mais atenção para o núcleo dos humanos (até o cachorro Kimbo ganha uma absurda atenção) e explora menos aquilo que tem de mais interessante. Ou melhor, a sua única coisa interessante até a sequência final do conto, quando Babe, a criança perseguida pela Coisa, parece ter ficado em choque e estará marcada para toda a vida por pesadelos com o monstro.

Embora eu não tenha me incomodado com a falta de explicação para COMO o pântano conseguiu colocar todo o lodo e matéria putrefata e pegajosa em torno do esqueleto de Roger Kirk, me pareceu bastante estranha a maneira como o autor resolveu colocar um fim à situação, também sem informação alguma. Alguns mistérios são bons que existam. Outros são apenas a porta aberta para que o leitor faça perguntas demais e, na maioria dos casos, perguntas que miram diretamente a coerência da obra. A forma como a Coisa é derrotada é absolutamente risível se a gente considerar o lugar que a deu vida. Como disse mais acima, se houvesse uma explicação para isso, tudo estaria ajeitado, mas do jeito que Sturgeon colocou fim à ameaça simplesmente me fez rir. A coisa mais chocante desse final (notem a ironia) está no núcleo humano, com a criança em choque, gritando e falando coisas que os adultos não acreditam de jeito nenhum.

Apesar de seus defeitos no desenvolvimento e finalização para o protagonista monstruoso, It! é um conto que nos prende, nos instiga, nos faz imaginar a sensação de estar em uma região pantanosa com uma criatura lodosa à solta, um verdadeiro horror. Não é de se espantar que tenha servido de inspiração para um bom número de personagens que podemos classificar como “criaturas do pântano”, começando pelo não assumidamente inspirado The Heap, em 1942, e seguindo por um lista que traz figuras como Monstro do Pântano, Solomon Grundy, Homem-Coisa, Bog Swamp Demon e por aí vai… Um notável legado desta misteriosa, lodosa, fedida e perigosa Coisa dos pântanos.

* Regiões alagadiças podem ser encontradas ao redor de todo o mundo. A nossa, por excelência, é o Pantanal, mas também temos biomas de pântanos e a ocorrência de restingas, charcos, brejos e diversos outros tipos de regiões alagadiças. Quanto maior o espaço coberto pela água e mais densa a vegetação ao redor (ou mais inóspita e de difícil acesso a região for), maior a possibilidade de se criarem lendas para o local. Dessa forma, encontramos no folclore de diversos países criaturas que se originam, habitam ou se escondem nessas regiões alagadiças. Nós também podemos estender os mitos para outros corpos de água no continente, especialmente rios e lagos.

It! (EUA, agosto de 1940)
Publicação original: Unknown (revista pulp)
Autor: Theodore Sturgeon
30 páginas

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