O filme mais polêmico de 1991, ao menos na indústria hollywoodiana, foi JFK – A Pergunta Que Não Quer Calar. O diretor Oliver Stone colocou o dedo na ferida da política estadunidense e sofreu críticas tanto de jornalistas culturais quanto de figuras importantes na época. Muitos consideraram a obra desrespeitosa com o legado de John F. Kennedy ou uma fonte de desinformação, por levantar uma série de suspeitas sobre quem matou e quem ordenou matar o Presidente dos Estados Unidos da América. Por outro lado, entusiastas do lado artístico da película celebraram a estrutura ousada e até inovadora para a época. O fato é: Stone nunca teve a intenção de provar uma conspiração na morte de Kennedy. Seu filme é um experimento sobre como narrativas podem moldar a percepção da verdade. Através de uma colcha de retalhos com imagens de arquivo, diálogos recriados e documentos fictícios, ele demonstra na prática como uma história bem contada convence plateias. Muito antes do termo fake news popularizar-se, o realizador compreendeu que o futuro seria dominado por guerras de narrativa. Não importa o que é real, importa quem conta o relato mais sedutor.
O filme opera como um espelho duplo. Na superfície, acompanhamos o promotor Jim Garrison (Kevin Costner), investigando inconsistências no assassinato de Kennedy. Ele encontra testemunhas silenciadas, provas destruídas e a sombra de agências como CIA e FBI. Mas a verdadeira investigação ocorre na sala de cinema. Stone manipula materiais visuais tão habilmente que até céticos saem questionando versões oficiais. O diretor não prova nada, mas expõe como verdades são construídas. Como o personagem X (Donald Sutherland) revela, o governo americano nunca buscou justiça, apenas controle.
Essa crítica ao poder narrativo estende-se além das fronteiras dos EUA. Stone intercala a trama interna com imagens de golpes de estado orquestrados pela CIA na América Latina e no Vietnã, tudo com a justificativa de levar a “paz” e a “liberdade” para a região. Sem quer perguntar aos locais se desejavam algo. A suposta conspiração doméstica torna-se metáfora de um imperialismo que reescreve histórias alheias. O filme mostra como os EUA, ontem e hoje, utilizam narrativas como armas para proteger interesses econômicos, custe o que custar a outros países.
A genialidade técnica de Stone está em traduzir essa fragmentação da verdade em linguagem cinematográfica. Ele emprega uma variedade desconcertante de formatos, como a película preto e branco, vídeos de arquivo granulados, reconstituições em sépia, filmes Super 8. Essa colagem visual intencional cria um efeito de desorientação. A montagem frenética costura essas texturas diversas, fazendo três horas passarem como um turbilhão. O caos não é falha, é estratégia. Simula como cidadãos comuns navegam em oceanos de desinformação. Essa estrutura multifacetada também é vista na trilha sonora de John Williams. O compositor alterna faixas grandiosas, como o tema que celebra Kennedy, com pianos minimalistas e cordas nas cenas de interrogatório, refletindo a sensação de conspiração e intimidação.
Cabe ao elenco sustentar dramaticamente uma visão artística tão ousada de Stone, quase experimental. Portanto, Kevin Costner ancora o filme com o idealismo desiludido de seu personagem, usando dicção lenta e olhares penetrantes para mostrar um homem engolido pela própria obsessão. Ao mesmo tempo que lamentamos o impacto pessoal da investigação, queremos ir até o fim da história assim como ele. Costner traz humanidade e carisma, tornando-se uma companhia agradável em um mar de informações. O contraponto ideal para tanto afago está em outro ator igualmente brilhante, Tommy Lee Jones; sua representação de Clay Shaw oscila entre a sofisticação homoerótica, até meio charmosa, com a ameaça velada. É como se por trás de cada sorriso ou fala educada naquele universo houvesse um inimigo à espreita.
JFK não é jornalismo e tampouco deve ser encarado assim. Como o próprio Garrison admite, nem os atiradores sabiam quem matou Kennedy. O filme fracassaria como documento histórico. Porém, como artefato político, sua força é atemporal. Stone não quer que você aceite sua teoria. Quer que você desconfie de todas as narrativas. Na contemporaneidade em que deepfakes e desinformação digital corroem democracias, essa mensagem ressoa com urgência. Três décadas depois, JFK permanece como lição num mundo onde Orwell tinha razão: “Quem controla o passado controla o futuro; quem controla o presente controla o passado”. Stone não responde perguntas. Ensina a desconfiar das respostas prontas.
JFK – A Pergunta Que Não Quer Calar (JFK – EUA, 1991)
Direção: Oliver Stone
Roteiro: Oliver Stone, Zachary Sklar (baseado nos livros On the Trail of the Assassins de Jim Garrison e Crossfire: The Plot That Killed Kennedy de Jim Marrs)
Elenco: Kevin Costner, Tommy Lee Jones, Gary Oldman, Sissy Spacek, Joe Pesci, Donald Sutherland, Jack Lemmon, Walter Matthau, Kevin Bacon, Michael Rooker, Laurie Metcalf, John Candy, Jay O. Sanders, Vincent D’Onofrio, Wayne Knight, Gary Grubbs, Ed Asner
Duração: 189 min.
