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Crítica | Jogo Sujo (2025)

Pouco de Parker, muito de anos 80.

por Ritter Fan
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Donald E. Westlake, autor que, sob o pseudônimo Richard Stark, escreveu a série literária protagonizada pelo ladrão profissional conhecido simplesmente pelo nome Parker, composta por 24 romances, nunca permitiu que o nome de seu personagem fosse usado nas várias adaptações audiovisuais que foram produzidas ao longo das décadas a não ser que houvesse compromisso da produtora em investir em uma série de filmes, o que não aconteceu. Depois de seu falecimento em 2008, sua esposa e herdeira finalmente autorizou o uso explícito de Parker, o que aconteceu em 2013, com o filme que foi até mesmo batizado com o nome do protagonista, estrelado por Jason Statham e baseado no 19º livro da série. Jogo Sujo é apenas o segundo longa a repetir o feito. Curiosamente, porém, apesar da vasta oferta de material pré-existente para ser levado ao audiovisual, o filme coescrito e dirigido por Shane Black não se baseia em nenhum dos romances especificamente, apesar de extrair elementos de alguns.

Mesmo assim, quem espera algo realmente próximo ao personagem durão e de poucas palavras criado por Westlake, não o encontrará em sua plenitude nessa versão, já que o filme foge completamente do estilo mais discreto do ladrão, sempre muito cuidadoso em se manter longe de roubos gigantes e chamativos e sempre extremamente controlador de todo mundo com quem ele trabalha e dos equipamentos que usa. Ainda estamos falando de um ladrão que tem um passado com a máfia de Nova York, batizada de Outfit, e que é espertíssimo na criação de planos mirabolantes, mas é só, pois o personagem encarnado dessa vez por Mark Wahlberg está muito mais para um herói de ação oitentista, estética que Blake tenta capturar, do que para algo que Westlake tenha escrito alguma vez em sua vida. É, portanto, Parker mais no nome do que em suas características principais, mesmo que o gatilho narrativo seja uma traição dentro do grupo de ladrões escolhido por Parker, um artifício clássico usado pelo autor.

Essa traição ocorre logo no começo do filme, em que Zen (Rosa Salazar) elimina toda a equipe de Parker e o deixa para morrer, levando embora o fruto do roubo. Parker ressurge dos mortos para se vingar e recuperar o dinheiro, mas descobre que Zen, na verdade, fez isso para obter dinheiro para financiar um roubo muito maior ao lado das forças opositores ao governo de seu país da América Latina (cujo nome não é mencionado) que envolve o tesouro de um navio espanhol afundado, as Nações Unidas e, claro, o Outfit, liderado por Lozini (Tony Shalhoub). O que segue disso é uma sucessão infindável de sequências de ação em que planos e mais planos de Parker são postos em prática a cada nova reviravolta que acontece, deixando um gigantesco rastro de destruição por Nova York que inclui trens descarrilados, pancadaria em boate, perseguições na neve e assim por diante. O fato desse Parker não ser exatamente o Parker da série literária nem importa, sendo bem sincero, pois o que incomoda mesmo é o quanto Shane Black, normalmente um bom diretor e roteirista, vide Beijos e Tiros e Dois Caras Legais, não consegue fazer nada que pareça menos do que genérico, reunindo todo o tipo de sequência de ação que já vimos antes mil vezes em uma colcha de retalhos sem um pingo de sua veia levemente mais artística.

Para quem quer apenas ação desenfreada de qualquer nível de qualidade, o filme não desaponta, porém. Há de tudo um pouco e Wahlberg funciona como um anti-herói de ação mesmo que os coadjuvantes sejam desperdiçados, inclusive Rosa Salazar e Tony Shalhoub. O problema é que, com isso, Jogo Sujo se torna apenas mais um filme do tipo, sem nada que realmente o diferencie de outros tantos. Shane dirige suas cenas de ação no estilo hollywoodiano moderno, ou seja, dependendo demais de CGI e com uma montagem confusa, bagunçada, que cria um frenesi enorme, mas que tem pouco sentido técnico e nenhum carisma. São tiros e explosões para todos os lados que, a cada vez que aparecem, estão um nível acima em termos de quantidade do que na vez anterior, naquele típico crescendo que parece fazer uma competição vazia consigo mesmo, sem beneficiar trama e personagens. A direção de fotografia de Philippe Rousselot, que já fez excelentes trabalhos como em Entrevista com o Vampiro, Ligações Perigosas e o citado Os Dois Caras Legais, é, como o roteiro e a direção de Black, bem qualquer coisa, sem personalidade e não há um traço sequer de uma trilha sonora que pareça que o compositor tenha se esforçado e olha que estamos falando de Alan Silvestri, por incrível que pareça. Todo mundo parece ter trabalhado no automático, sem real engajamento no projeto.

E, com isso, o retorno de Parker como Parker no audiovisual é um desperdício do nome e do material original, não passando de mais um filme de ação muito claramente feito para o mercado de streaming sem maiores ambições do que proporcionar duas horas de dormência cerebral para quem deseja alguma coisa como pano de fundo na sala enquanto mexe no celular ou conversa com alguém. Quem sabe um dia voltam a acertar com o personagem, como fizeram – sem precisar usar o nome – em longas estrelados, dentre outros, por Lee Marvin e Robert Duvall?

Jogo Sujo (Play Dirty – Austrália/EUA, 1º de outubro de 2025)
Direção: Shane Black
Roteiro: Shane Black, Chuck Mondry, Anthony Bagarozzi (baseado em personagem criado por Donald E. Westlake, escrevendo sob o pseudônimo Richard Stark)
Elenco: Mark Wahlberg, LaKeith Stanfield, Rosa Salazar, Keegan-Michael Key, Chukwudi Iwuji, Nat Wolff, Gretchen Mol, Thomas Jane, Tony Shalhoub, Hemky Madera, Alejandro Edda, Claire Lovering, Chai Hansen, Sebastian Carr, Nick Russell, Byron Coll, Kat Hoyos, Michelle Ang, Peta Wilson, Yvonne Zima, Mark Cuban
Duração: 125 min.

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